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O penúltimo ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trará desafios bem maiores para ele e para o governo. Antes de lançar candidatura à reeleição, o petista terá de atravessar um campo minado em 2025, com focos de instabilidade no mercado financeiro, no Congresso, no PT e no exterior.
O maior risco para Lula no próximo ano vem da sua insistência em priorizar o crescimento econômico e a geração de empregos à custa de déficits fiscais persistentes. Apesar de o governo exaltar os indicadores positivos de empregos e atividade produtiva, o desequilíbrio das contas públicas seguirá instigando desconfianças de políticos e investidores.
Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, espera novos choques entre mercado e do governo. Enquanto ministros e parlamentares da base celebram números de PIB e emprego, a insustentabilidade fiscal é ignorada. “Já é complicado cortar despesas quando o governo está convencido de sua necessidade. Imagine quando não está?”, disse.
Esse descompasso impulsiona o dólar e a inflação, mantém os juros em alta e deixa a dívida pública em patamar alarmante, no rumo de ficar no mesmo tamanho da economia nacional. Apontar “especuladores do mercado financeiro” como culpados só agrava o quadro. Para desarmar a bomba fiscal, Executivo e Legislativo precisarão fechar bons acordos.
Relação estável entre governo e Congresso depende de novos acertos
Com um Congresso mais independente, o Palácio do Planalto deverá seguir contando com a parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) para conter o avanço dos parlamentares sobre o Orçamento da União por meio de emendas parlamentares. Essa queda de braço pode, contudo, provocar ainda mais insatisfações em partidos da base aliada.
João Henrique Hummel Vieira, da Action Relações Governamentais, avalia que 2024 encerra com cenário político “bem mais complicado”, em razão de Lula ter adiado decisões para lidar com a independência do Congresso, enquanto o mercado fica cada vez mais tenso. “Quando o presidente buscará solução definitiva para evitar o pior?”, questiona.
Lula entrou em um labirinto de dilemas que construiu para si próprio, entre pressões econômicas e políticas e uma liderança colocada em dúvida. Ele hesita em equilibrar o orçamento com receio de perder o apoio de aliados ou deixar de angariar apoio popular, mas o resultado tem sido duvidoso, se considerar o desgaste com a população.
Mudança no comando do PT ainda pode produzir embates na legenda
A demora de Lula em reestruturar o comando do PT, com a substituição da deputada Gleisi Hoffmann (PR) pelo prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva, facilitou embates internos sobre política econômica e estratégias para 2026. A hesitação do presidente não gera tensões na legenda apenas e sugere desorganização para reagir a crises.
Até mesmo aliados históricos, como o senador Humberto Costa (PT-PE), já cogitam uma possível derrota na tentativa de reeleição de Lula em 2026. Com a direita se articulando para o próximo pleito, o presidente parece cada vez mais pressionado por erros acumulados e pela falta de decisão estratégica.
A eleição municipal de 2024 consolidou a fragilidade da esquerda. Na capital paulista, Guilherme Boulos (PSOL), principal aposta de Lula, foi derrotado pelo prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB), apesar de contar com mais recursos e tempo de TV. O resultado repetiu os 40% dos votos obtidos por Boulos em 2020, frustrando expectativas de avanço.
Nacionalmente, o PT conquistou 252 prefeituras, número superior às 183 de 2020, mas ainda distante das 637 alcançadas em 2012. O partido ficou atrás de oito legendas, a maioria alinhada à centro-direita e direita, agravando o desafio de reconstrução em cenário adverso.
O cientista político André Singer, ex-porta-voz do governo Lula, tem destacado em entrevistas desafios que a nova realidade global impõe ao PT. Para ele, o enfraquecimento do sindicalismo que deu origem ao partido, o avanço do empreendedorismo e o crescimento da população evangélica distancia o Brasil da base tradicional da legenda, o que exige a reformulação da sigla. Mas não há perspectiva de que isso irá ocorrer.
Tensão entre presidentes pode surgir em paralelo às relações Brasil-Estados Unidos e Brasil-Argentina
No plano externo, especialistas como os professores Daniel Afonso Silva, da USP, e Natália Fingermann, da ESPM, apontam que o retorno de Donald Trump à Casa Branca não deve causar mudanças imediatas e profundas nas relações diplomáticas e comerciais entre Brasil e Estados Unidos, regidas por acordos de Estado. Contudo, o trato político entre os seus presidentes deve ser marcado por controvérsias.
Embora Lula tenha feito críticas públicas a Trump durante a campanha presidencial do republicano, o discurso adotado desde então tem sido de pragmatismo e respeito às relações institucionais. No entanto, questões geopolíticas podem facilitar atritos, como a provável reação dura de Trump à estratégia do grupo BRICS, do qual o Brasil faz parte, de buscar alternativas ao dólar nas transações comerciais globais.
No plano regional, o petista também terá de lidar com o distanciamento nas relações com a Argentina, de Javier Milei. Matéria da Gazeta do Povo já mostrou que a ausência de uma boa relação entre Lula e Milei expõe a dificuldade do petista em concretizar seu desejo de ser um líder regional, segundo a avaliação de especialistas.
Outra análise possível entre os dois governos sul-americanos diz respeito à política de corte de gastos públicos. As medidas severas adotadas pelo presidente argentino já começaram a surtir efeito para alavancar a economia do país vizinho - cenário bem diferente do que ocorre no Brasil.