O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descartou apoiar um plano internacional de paz para a Ucrânia - proposto pela Suíça e amplamente apoiado pelas democracias liberais do Ocidente - para dar suporte nesta semana a uma proposta encampada pela China e pela Rússia. O plano chinês tenta legitimar a anexação militar de cerca de um quinto do território ucraniano pelos russos.
Um acordo para apoiar a proposta da China foi assinado pelo assessor especial de Lula, Celso Amorim, que atua como chanceler de fato do Brasil, com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, na quinta-feira (22), em Pequim.
Segundo analistas internacionais, na prática, esse acordo com o Brasil faz parte de uma série de ações coordenadas entre Moscou e Pequim para enfraquecer ou inviabilizar a Cúpula da Paz, um esforço diplomático mundial liderado pelo Ocidente para tentar encerrar a guerra. O evento deve reunir chefes de Estado e governo na Suíça entre os dias 15 e 16 de junho, no resort de Bürgenstock.
Nesta sexta-feira (24), o ditador Vladimir Putin, da Rússia, deu mais um passo na ofensiva diplomática. Ele tentou retomar a iniciativa no processo de pacificação ao dar uma entrevista pedindo a retomada das negociações de paz. “Mais uma vez, fala-se de um retorno às negociações. Que retornem! Mas que voltem não com base no que um lado quer, mas com base na situação atual no terreno. Estamos prontos”, disse em visita à Bielorrússia. Ao falar em "situação atual no terreno", ele mostra que não está disposto a devolver o território invadido na Ucrânia.
A Rússia consolidou seu regime ditatorial com uma eleição manipulada neste ano, segundo observadores internacionais. O "pleito" deu a Vladimir Putin seu quinto mandato consecutivo. Na China, Xi Jinping comanda o país desde 2013 e é o líder do Partido Comunista Chinês e comandante geral das Forças Armadas. A parceria entre os dois países, que também envolve o Irã, vem sendo chamada por analistas ocidentais como "o eixo" ou "eixo das ditaduras".
A proposta de paz para a Ucrânia defendida pela China está inserida em um programa de política externa de Xi Jinping chamado Iniciativa de Segurança Global. Analistas chineses dizem que o foco do programa é evitar a intervenção internacional em assuntos internos de países. Já especialistas do Ocidente avaliam que a Iniciativa de Segurança Global é um programa para minar o sistema de alianças que une as democracias liberais do planeta. O apoio à invasão da Rússia é justificado por essa iniciativa como uma suposta defesa de Moscou contra a expansão da Otan (aliança militar ocidental) no leste europeu.
Pequim tem se esforçado para atrair cada vez mais países em desenvolvimento para sua esfera de influência. A Iniciativa de Segurança Global é um dos três principais ramos da política externa chinesa, que também incluem a Nova Rota da Seda (um programa de financiamento de grandes obras em países em desenvolvimento) e a Iniciativa de Desenvolvimento Global (um esforço de financiamento de projetos multilaterais de combate à fome, à pobreza e à mudança climática). A China está programando um encontro diplomático de alto nível no Brasil ainda em 2024 para aprofundar essa agenda com o governo Lula.
"A China tem um olhar particularmente interessado nas grandes economias emergentes, como o Brasil, a Índia, África do Sul, Egito, Argentina... E nesse momento em que governa o Brasil um grupo político simpático ideologicamente ao Partido Comunista da China (PCCh), essa visita vai no sentido de aprofundar esse perfil", disse o professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Uma delegação do PT também fez uma visita à China em 2023. No âmbito dessas trocas, os partidos assinaram acordos de cooperação para aprofundamento das relações.
Neutralidade alegada por Lula está apenas no discurso, segundo críticos
Antes de aderir à iniciativa de paz na Ucrânia liderada pela China, Lula tentou protagonizar em 2023 o que chamou de Clube da Paz, um esforço para reunir chefes de Estado e de governo para discutir um cessar-fogo na Ucrânia. Sem um plano concreto, a iniciativa falhou, mas Lula continuou alegando publicamente que o Brasil estaria neutro no conflito.
A recusa de Lula em participar da Cúpula da Paz na Suíça foi vista pela Ucrânia como uma prova do comprometimento do atual governo brasileiro com a Rússia, segundo fontes do governo de Kyiv que pediram anonimato por estarem tentando ainda uma reaproximação com o Brasil.
A Ucrânia é um fornecedor para o Brasil de fertilizantes, remédios e polímeros e tenta negociar com o governo Lula um aumento do fluxo comercial e uma parceria na área da aviação. A ideia é criar uma base de operações e eventualmente fabricação de aviões Antonov, os maiores cargueiros do mundo. Outra possibilidade é retomar o acordo de construção e lançamento de foguetes para exploração espacial, que envolvia transferência de tecnologia e foi encerrado em 2017.
A Rússia afirmou que não vai participar da Cúpula da Paz na Suíça. Moscou vem tentando deslegitimar a autoridade do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e sua presença no encontro diplomático daria legitimidade ao líder ucraniano. O mandato presidencial de Zelensky terminou neste mês, mas o país não realizou novas eleições por estar em guerra e, como consequência, em estado de Lei Marcial. Um dos principais objetivos russos na invasão à Ucrânia era a derrubada de Zelensky e sua substituição por um presidente leal ao Kremlin.
A Ucrânia espera reunir o máximo possível de países na Suíça para que, quando ocorrer um cessar-fogo, a Rússia seja obrigada a aceitar os termos da comunidade internacional para um acordo de paz duradouro. A Cúpula da Paz vai iniciar seus debates com base no plano de dez pontos proposto pela Ucrânia.
Entre os principais pontos da proposta estão a retirada das tropas russas do território invadido nos termos da Carta da ONU (que garante integridade territorial para as nações), a libertação de todos os prisioneiros de guerra, a criação de mecanismos para prevenir o alastramento do conflito, a adoção de medidas de segurança nuclear, alimentar e energética e a oficialização do fim das hostilidades e do conflito.
A fonte do governo ucraniano ouvida pela reportagem disse que Kyiv acredita que o Brasil tem mais a ganhar com essas medidas do que apoiando a China e a Rússia. Isso porque o plano da Cúpula da Paz pode restaurar a estabilidade global, prevenir novas guerras e impedir novas crises mundiais de alimentos, como a ocorrida em 2022, quando a Rússia cancelou o acordo de exportação de grãos no Mar Negro.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião