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Lula discursa na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU)
Lula discursa na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU)| Foto: EFE/EPA/JUSTIN LANE

Em uma estratégia desenhada pelo Itamaraty e pelos articuladores do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por evitar o assunto da crise eleitoral da Venezuela durante sua participação na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Ainda assim, o presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, cobrou Lula e outros líderes progressistas sobre “posturas vacilantes, hesitantes” em relação ao ditador Nicolás Maduro. Já o presidente argentino Javier Milei chamou a Venezuela de "ditadura sangrenta".

Apesar de ter criticado o embargo dos Estados Unidos ao regime de Cuba e chamado a atenção para a crise de violência no Haiti, o petista preferiu ignorar a situação da Venezuela, país vizinho do Brasil, onde o ditador Nicolás Maduro foi declarado eleito em meio a uma eleição classificada como fraudulenta. A oposição apresentou atas de sessões eleitorais que apontam para uma derrota clara de Maduro.

Com um discurso criticado pelos opositores e ignorado pela mídia internacional, o petista retornou ao Brasil nesta quarta-feira (25). Além disso, Lula cancelou um encontro que teria nesta quarta com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, onde a crise venezuelana seria tratada. 

Segundo a diplomacia brasileira, o encontro de Lula com Petro foi desmarcado por "desencontro de agendas". Ambos haviam se colocado como interlocutores internacionais para buscar uma saída "pacífica" para a Venezuela, mas ignoraram a crise durante suas passagens pela ONU.  

Questionado por jornalistas colombianos, Gustavo Petro admitiu as falhas nas negociações com a Venezuela e afirmou que Nicolás Maduro “certamente tomará posse em 10 de janeiro de 2025”. “E [isso representa] uma situação de destruição democrática dessa sociedade. Portanto, repetir uma estratégia fracassada me parece uma tolice, o que é preciso tentar são caminhos diferentes e cabe à sociedade venezuelana encontrar saídas para o seu conflito político”, disse Petro tentando justificar o apoio a Maduro.

O diretor-adjunto para as Américas da Human Rights Watch, César Muñoz, criticou o silêncio de Lula sobre a Venezuela.  "O presidente Lula abordou prioridades do Brasil em política externa. Porém, não fez nenhuma referência à situação dramática que vive a Venezuela. O silêncio não ajuda em nada as vítimas de abusos. O Brasil pode desempenhar um papel fundamental na defesa dos direitos humanos e na transição para a democracia", afirmou Muñoz.

A Human Rights Watch é uma organização internacional de direitos humanos, não-governamental e sem fins lucrativos que costuma defender pautas progressistas. Seu posicionamento contrário a Lula mostra que o petista tem exagerado na defesa de Maduro mesmo sob os parâmetros da esquerda progressista, segundo analistas internacionais.

Para tentar justificar a contradição de Lula se dizer apoiador dos princípios democráticos e mesmo assim elogiar a ditadura na Venezuela, interlocutores do Planalto alegaram que o petista vem evitando críticas mais duras a Maduro, sob o argumento de que seria necessário manter um canal de comunicação com Caracas ao invés de isolar o país. O que o governo não menciona é que essa estratégia não tem melhorado em nada a crise no país vizinho nem feito Maduro pagar a dívida de R$ 9,4 bilhões que tem com o Brasil.

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Brasil rompeu relações com Caracas. Celso Amorim, assessor especial para Assuntos Internacionais e chanceler de fato de Lula, já havia indicado que o Brasil governado pelo PT não vai romper com Maduro. "O Brasil não vai romper relações com a Venezuela. Relação é com o Estado. Nem romperia se fosse um cara de direita. Vamos trabalhar no que pudermos", disse o assessor. 

Contradição de Lula é exposta pelo presidente do Chile em debate sobre democracia 

Ainda na sua estratégia de impor o discurso de que os "sistemas autoritários são apenas os de 'extrema-direita'", o presidente Lula organizou, ao lado do presidente do Governo da Espanha, Pedro Sanchéz, um evento paralelo à Assembleia Geral da ONU para discutir a democracia.

Estiveram presentes os presidentes da França, de Cabo Verde, do Chile, do Conselho Europeu e os primeiros-ministros de Barbados, do Canadá e do Timor Leste. Além de representantes da Noruega, Colômbia, Quênia, México, Estados Unidos, Senegal e da ONU.

Sem citar Lula, o presidente do Chile, Gabriel Boric, cobrou seus pares por adotarem “posturas vacilantes, hesitantes” em relação a ditaduras como a que ocorre na Venezuela. “As forças progressistas são enfraquecidas quando diante de certos conflitos adotam posturas vacilantes, hesitantes ou em defesa de equidades por interesses políticos em lugar de defender seus princípios”, afirmou o presidente chileno. 

Gabriel Boric também cobrou uma posição mais dura dos governos chamados progressistas, como o de Lula, em relação à violação de direitos humanos, independentemente da posição ideológica do governante.

No último dia 18, a ONG Foro Penal, que atua em defesa dos direitos humanos na Venezuela, denunciou que a ditadura de Maduro mantém pelo menos 1.834 presos políticos. Do total, 1.692 estão detidos desde 29 de julho de 2024, um dia após a farsa eleitoral convocada pelo ditador venezuelano.

Esse número de presos políticos é maior, por exemplo, do que o do regime de Cuba, comandado pelo ditador Miguel Díaz-Canel Bermúdez. Em agosto, o regime cubano mantinha 1.105 presos políticos, de acordo com a ONG Prisoners Defenders.

"Registramos e classificamos o maior número de presos por motivos políticos conhecido na Venezuela, pelo menos no século 21", disse a Foro Penal ao divulgar os dados.

Segundo a organização, são 1.608 homens e 226 mulheres presos por se opor ao regime de Maduro, dos quais são 1.677 civis e 157 militares. Desde 2014, 17.609 prisões por motivações políticas foram registradas na Venezuela.

“Afirmação dos direitos humanos não pode ser julgada de acordo com a cor do ditador ou do presidente que a violar, seja [Benjamin] Netanyahu, em Israel, Maduro, na Venezuela, [Daniel] Ortega, na Nicarágua, ou Vladimir Putin, na Rússia”, frisou o chileno Gabriel Boric. 

Em entrevista coletiva antes do embarque para o Brasil, o presidente Lula foi questionado sobre as afirmações de Boric e voltou a se esquivar. "A essência da democracia é deixar as pessoas falarem o que elas quiserem falar. Eu não vi nenhuma coisa agressiva sobre o que o Boric falou. É importante que ele continue falando sobre o que ele pensa, não eu", disse o petista. 

Tanto Maduro quanto a oposição afirmam que venceram o pleito de julho, embora só a oposição tenha divulgado as atas que tem em mãos. Os documentos, verificados por organizações independentes, dão vitória ao ex-diplomata Edmundo González, atualmente exilado na Espanha após ser alvo de um mandado de prisão do regime de Maduro. 

Milei destoa de Lula ao criticar a Venezuela e repercute internacionalmente 

Na contramão de Lula, o presidente da Argentina, Javier Milei, referiu-se à Venezuela como uma "ditadura sangrenta". Foi a primeira vez em que ele discursou na Assembleia Geral da ONU. 

“Nesta mesma casa, que diz defender os direitos humanos, foi permitido o ingresso no Conselho de Direitos Humanos de ditaduras sangrentas como as de Cuba e Venezuela”, disse Milei. 

O conselho, criado de 2006 pela ONU, é composto por 47 países-membros, eleitos por meio de votação para mandatos de três anos. A Venezuela teve cadeira na organização até 2022, enquanto Cuba tem mandato até 2026.

A participação inédita no evento da ONU rendeu a Milei, antes mesmo do discurso, destaque na capa do Wall Street Journal, um dos principais jornais dos Estados Unidos. A publicação dedicou ao chefe de Estado argentino uma foto na capa nesta terça-feira (24).

O jornal britânico Financial Times e o argentino Clarín também dedicaram reportagens mencionando as declarações do libertário. Por outro lado, a passagem de Lula pelo evento em Nova York foi ignorada ou minimizada por boa parte da imprensa internacional, inclusive pelos principais jornais americanos, como o New York Times e Wall Street Journal, que não mencionaram o discurso do petista.

O Washington Post chegou a escrever uma reportagem que citou um trecho das declarações de Lula, mas em tom crítico - para apontar as falhas do governo brasileiro em relação às queimadas que se espalham pelo país.

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