A disputa pelo cargo de Procurador-Geral da República (PGR) segue em aberto e marcada por uma disputa entre o Partido dos Trabalhadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para indicar um candidato. Nesse contexto, Lula deve escolher um nome que tenha pouco apetite para instaurar processos investigativos contra o governo, mas que esteja disposto a investigar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
Os principais candidatos até agora são Paulo Gonet, apoiado pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, Antonio Carlos Bigonha, o preferido do Partido dos Trabalhadores, e o chamado "terceira via", Aurélio Virgílio Veiga Rios.
"A PGR está muito enfraquecida por conta do ativismo do STF, que está instaurando uma série de processos investigativos que, na verdade, quem deveria estar assumindo essa dianteira era a PGR”, afirmou o cientista político Adriano Cerqueira, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).
Mesmo assim, segundo ele, um procurador-geral da República mais independente ainda é um “trauma” para o mundo político. Especialmente após o ex-procurador Rodrigo Janot ter dado grande apoio às ações de combate à corrupção promovidas pela operação Lava Jato.
“Já na época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tinha um PGR que, com frequência, tinha uma atitude um pouco mais passiva em relação a uma série de denúncias que apareciam. Lula, nos seus dois primeiros mandatos, em acordo com os procuradores, permitiu uma certa autonomia na indicação desses membros. Só que ele e o PT sofreram muito com a independência da PGR, especialmente no período da Lava Jato", disse Cerqueira.
"O trauma que o meio político teve com uma Procuradoria-Geral mais independente levou a que, já no governo Temer, as indicações tivessem um viés mais favorável ao presidente”, afirmou.
O PGR escolhido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Augusto Aras, foi acusado pela esquerda de atuar como o “engavetador-geral” no governo passado ao rejeitar pedidos de investigação contra o ex-mandatário.
Na leitura de membros do Congresso, Lula procura um nome que possa fazer o mesmo em eventuais pedidos de investigação. As declarações de Lula sobre o assunto dão a entender essa tendência:
"Eu sempre tive o mais profundo respeito pelo Ministério Público. É uma das instituições que eu idolatrava nesse país. Depois dessa quadrilha que o [ex-procurador Deltan] Dallagnol montou, eu perdi muita confiança. Eu perdi porque foi um bando de aloprados que achavam que iriam tomar o poder, atacando todos ao mesmo tempo”, disse Lula em live no Palácio do Planalto, em 1º de agosto.
Ações do STF fizeram Ministério Público perder importância
Para o cientista político Elton Gomes, professor na Universidade Federal do Piauí (UFPI), a indicação do novo PGR se dá em um contexto em que o próprio MPF perdeu força.
“A escolha da PGR é uma decisão estratégica, é muito importante para o presidente da República, porque, em última instância, é o PGR que apresenta denúncias contra o presidente e autoridades do governo. Existe uma diferença em relação aos antecessores. O futuro PGR vai vir em um contexto onde o Ministério Público está mais fraco do que o período da Operação Lava Jato”.
Exemplos do enfraquecimento do Ministério Público Federal são a abertura dos inquéritos pelo próprio STF para investigar o que considera "atos antidemocráticos" e "fake news". Nesses casos, além de usurpar a função da Procuradoria-Geral da República, o STF negou os pedidos do órgão para arquivar as ações.
Outro indício o esvaziamento da PGR é que acordos de delação premiada, que por lei devem ser negociados pela procuradoria, agora são feitos diretamente pelo STF.
O analista Elton Gomes afirmou que a indicação de Lula deve ser focada em evitar situações parecidas com as que o ex-presidente Michel Temer (MDB) vivenciou.
“Lula está analisando diferentes perspectivas antes de tomar uma decisão. A ideia é que ele possa escolher alguém que não seja um inimigo. Quando o presidente tem uma relação muito acirrada com o PGR, como aconteceu com o ex-presidente Temer, ele tem a própria sobrevivência no cargo ameaçada. Temer teve que responder a duas denúncias que custaram muito alto para o governo”, disse o professor.
Antonio Carlos Bigonha é o nome apoiado pelo PT
Dentre os nomes cotados, o subprocurador Antonio Carlos Bigonha, de 59 anos, é o nome apoiado pelo PT. Natural de Minas Gerais, graduou-se em Direito pela Universidade de Brasília, em 1987, em Música pela mesma instituição, em 2015.
Começou a carreira no Ministério Público Federal em abril de 1992, como procurador da República. Já em 1998, passou a procurador regional da República no TRF-1, cargo do MPF que atua em casos no Tribunal Regional Federal.
Próximo ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e a José Genoino, ex-presidente do PT, ambos condenados na Lava Jato, ele ganhou destaque político ao comandar a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), de 2007 a 2011. Ele teve destaque na área ambiental e é conhecido como ferrenho crítico da Lava Jato.
O subprocurador também é conhecido por ser pianista e compositor, tendo inclusive canções gravadas por Nana Caymmi. Em 2004, lançou o CD “Azulejando”.
Paulo Gonet é o preferido dos ministros do STF
Natural do Rio de Janeiro, o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet, de 62 anos, é o representante do Ministério Público Eleitoral nos processos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Devido ao cargo, ele foi responsável por ter atuado em prol do governo nas ações de inelegibilidade de Bolsonaro.
Seu nome é defendido pelo ministro Gilmar Mendes, de quem foi sócio no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Além disso, Gonet tem o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, como aliado no Tribunal.
Gonet ingressou na carreira do Ministério Público Federal em 1987, como procurador da República, responsável por processos na primeira instância da Justiça Federal. Em 2012, alcançou o cargo de subprocurador-geral da República, o último nível da carreira.
Ele é graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direitos Humanos pela University of Essex, no Reino Unido. Além disso, é doutor em Direito, Estado e Constituição, também pela UnB.
Mesmo sendo um dos responsáveis pela inelegibilidade de Bolsonaro, Gonet é visto como “conservador” pela esquerda por ter se posicionado contra o aborto.
Aurélio Virgílio Veiga Rios é considerado como "terceira via"
O mais recente indicado para o cargo é Aurélio Virgílio Veiga Rios. Ele é visto como uma terceira via e tem a aprovação do Partido dos Trabalhadores por ter um histórico de defesa de pautas caras à esquerda, como defesa de direitos humanos e dos indígenas. Seu nome teria sido apresentado a Lula durante sua viagem a Nova York.
Rios é mestre em Direito pela Universidade de Bristol e foi assessor do então procurador-geral José Paulo Sepúlveda Pertence, que ocupou o cargo na década de 1980. Ele é signatário de um manifesto anti-Lava Jato, segundo a CNN Brasil, o que teria agradado Lula.
Mario Bonsaglia foi indicado por procuradores, mas seu nome não ganhou força
Não sendo um nome forte na disputa, o subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia é o único da disputa que consta na lista tríplice submetida a Lula pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Ele é natural de São Paulo e é doutor em Direito do Estado pela USP.
Começou a carreira no Ministério Público Federal em 1991, atuando inicialmente em casos criminais na Procuradoria da República em São Paulo. Em 1996, foi promovido a procurador regional da República, que atua em processos que tramitam no Tribunal Regional da 3° Região. Ele atuou no Conselho Nacional do Ministério Público entre 2009 e 2013. Em 2014, foi promovido ao posto de subprocurador-geral da República.
Aras tentou convencer Lula a ser deixado no cargo
Nos bastidores da PGR, Aras chegou a ensaiar uma campanha para uma possível recondução ao cargo. Sua postura crítica à Lava Jato e a proximidade com ideias progressistas fez com que entidades ligadas ao Ministério Público defendessem seu nome.
Em agosto, conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público, manifestaram apoio irrestrito a Aras. Segundo o documento, ele “sempre pautou suas atuações pelos parâmetros constitucionais, afastando-se de pressões partidárias ou políticas e orientando seu trabalho pela concepção de que o campo jurídico não deve intervir na esfera política, salvo quando absolutamente necessário”.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) também emitiu nota pública, na qual defendeu a independência funcional do PGR e ressaltou que o chefe do Ministério Público não pode ceder a pressões políticas.
Para a Conamp, Aras “demonstrou firmeza no cumprimento da Constituição e das Leis, perseverando na busca do bem-estar social, com tolerância e respeito à diversidade, como instrumento essencial para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e a promoção de uma sociedade justa e igualitária”.
Em outra nota pública, assinada conjuntamente pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), foi reconhecido o esforço empreendido pelo atual PGR em viabilizar avanços em prol da democracia brasileira.
O "engavetador-geral da República"
A expressão "engavetador-geral da República” é comumente falada entre os políticos de oposição, seja deste governo ou da administração passada. Contudo, surgiu durante a gestão do então procurador Geraldo Brindeiro, indicado à PGR por Fernando Henrique Cardoso.
Estando no cargo entre 1995 e 2003, ele barrou diversas denúncias contra o chefe do Executivo. O caso que mais chamou a atenção foi a suposta compra de votos por parte de FHC para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição no país. Por causa disso, o PT apelidou Brindeiro de “engavetador-geral da República”.
Como é feita a escolha do PGR pelo presidente
Sendo prerrogativa do presidente da República, a escolha do procurador-geral da República é resultado da indicação de uma lista tríplice feita após uma eleição interna no Ministério Público Federal. A indicação de alguém da lista não é obrigatória, podendo o chefe do Executivo escolher um nome diferente, como foi o caso de Bolsonaro.
Em maio deste ano, a ANPR indicou a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia e o subprocurador-geral da República José Adonis para o cargo de PGR.
O costume de nomear um nome da lista tríplice para o cargo começou com o então presidente Lula (PT), quando em 2003 acatou pela primeira vez um nome dentro da lista para o cargo. Desde então, tanto Lula no seu segundo mandato, quanto os demais presidentes que vieram, seguiram essa indicação.
Para se candidatar ao cargo e ser indicado pelos membros do MPF, o candidato precisa ser membro de carreira da instituição, estar em atividade e ter mais de 35 anos. A votação é secreta e os procuradores podem votar em mais de um nome.
Após o resultado, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) encaminha os três nomes mais votados ao presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, da Câmara e Senado.
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