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Decisão monocrática

Manobra no STF direcionou a Gilmar Mendes ação sobre impeachment de ministros

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Liminar de Gilmar Mendes elimina ou reescreve trechos da lei do impeachment e dificulta cassação de ministros do STF. (Foto: Luiz Silveira/STF)

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Uma manobra com as regras processuais do Supremo Tribunal Federal permitiu que, sem sorteio, Gilmar Mendes assumisse como relator as duas ações nas quais ele, de forma monocrática, nesta quarta-feira (3), dificultou o avanço de processos de impeachment de ministros da Corte no Senado. 

As ações foram propostas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em 16 de setembro.

Primeiro a protocolar a ação, o Solidariedade inseriu na petição um tema sem relação com o impeachment de ministros e que já era objeto de análise de Gilmar Mendes no STF, o que permitiu a ele conduzir as novas ações.

Naquele dia, pela manhã, durante evento em São Paulo, Gilmar Mendes afirmou que o STF não aceitaria um impeachment contra um ministro em razão de suas decisões. À tarde, o Solidariedade apresentou sua ação no STF, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1259.

O partido é chefiado pelo deputado Paulinho da Força (SP), que tem proximidade com os ministros da Corte e negocia, junto a eles, uma proposta de redução de pena em vez de anistia para os condenados do 8 de janeiro de 2023. 

Em regra, novas ações ajuizadas no STF são distribuídas por sorteio entre os 11 ministros. A exceção é quando um deles já conduz uma ação com pedido semelhante sobre o mesmo tema – neste caso, o novo processo é encaminhado para esse ministro por “prevenção”, de modo que concentre as ações e, com isso, não haja o risco de outro ministro proferir uma decisão conflitante sobre aquele assunto.  

O Solidariedade, porém, usou de um artifício para direcionar a ação sobre o impeachment de ministros para Gilmar. Incluiu na petição inicial um pedido para mudar uma regra do Código Eleitoral que proíbe que candidatos sejam presos nos 15 dias anteriores a uma eleição, assunto que já era tratado por Gilmar Mendes em outra ação no STF.

Em 2022, numa outra decisão monocrática, no âmbito de outro processo – a ADPF 1017 – Gilmar Mendes estendeu a proibição de prisão, para impedir que a Justiça também afastasse governadores e prefeitos candidatos à reeleição naquele período que antecede o pleito.

Na ação sobre o impeachment de ministros, o Solidariedade, de Paulinho da Força, pediu que o STF desse a mesma proteção a deputados e senadores. E só por isso pediu que a ação também fosse, por prevenção, encaminhada a Gilmar Mendes, relator da ADPF 1017.  

No dia seguinte, 17 de setembro, a Coordenadoria de Processamento Inicial do STF – órgão técnico que faz uma análise inicial das ações – aceitou o pedido do Solidariedade e encaminhou a ação a Gilmar por ligação com a ação de 2022, relatada pelo ministro, relacionada à regra do Código Eleitoral.  

No mesmo dia, fez o mesmo com a ação da AMB, a ADPF 1260, que havia sido protocolada no STF na noite do dia 16. A associação dos magistrados, porém, não havia, em sua petição inicial, feito referência à norma sobre o afastamento de políticos nem pedido para direcionar a ADPF a Gilmar. Foi assim que os pedidos no STF para alterar o rito do impeachment de ministros ficaram nas mãos do ministro. 

No mesmo dia 17 de setembro, sem questionar a distribuição, Gilmar juntou as duas ações e, num despacho conjunto, deu rito célere aos processos, pedindo informações ao Senado, à Presidência da República e à Procuradoria-Geral da República (PGR).  

Em 25 de setembro, a advocacia do Senado apresentou parecer contrário aos pedidos das ações. No dia 7 de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) com posição neutra, nem a favor nem contra.  

Em 9 de outubro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, opinou a favor dos pedidos do Solidariedade e da AMB, inclusive para que somente a PGR pudesse pedir ao Senado impeachment de ministros do STF. 

Nesta quarta (3), numa decisão monocrática, Gilmar atendeu ao Solidariedade e à AMB. Além de impedir cidadãos de denunciar os ministros no Senado por crimes de responsabilidade, limitando essa prerrogativa apenas à PGR, também suspendeu regra que possibilitava ao Senado afastar os ministros durante o processo. Por fim, também proibiu a apresentação de denúncias baseadas em decisões dos ministros. 

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Senado acusa “manobra processual” e diz que ações misturam temas incompatíveis 

Na manifestação enviada ao STF em setembro, a advocacia do Senado contestou de forma direta a estratégia do Solidariedade para levar sua ação a Gilmar Mendes. Os advogados do Senado escreveram que o partido fez uma “manobra processual voltada à escolha do relator, em detrimento da regra da livre distribuição”. 

Para eles, ao questionar as regras do impeachment de ministros do STF, o Solidariedade inseriu um tema “absolutamente distinto e desconexo” — o afastamento de políticos nos 15 dias antes de eleições — “reunindo matérias incompatíveis em uma mesma demanda”.  

“Não se pode confundir a proteção do processo eleitoral, voltada à igualdade entre os candidatos e à liberdade do sufrágio, com a disciplina do processo de impeachment, que é instrumento de responsabilidade política de altas autoridades. São institutos que operam em planos normativos distintos e com finalidades diversas”, argumentou a advocacia do Senado. 

Para reforçar, o órgão lembrou que ministros do STF nem sequer podem disputar eleições sem antes se afastarem definitivamente da magistratura, o que torna impossível que se beneficiem da norma eleitoral invocada pelo Solidariedade. 

Por fim, observou que, por causa do envio da ação do partido a Gilmar, a ação da AMB também acabou caindo nas mãos do ministro. Por isso, pediu que as duas ações fossem novamente distribuídas, mas por sorteio. 

O que é a regra da prevenção, usada pelo Solidariedade para direcionar a ação 

O mecanismo que permitiu a concentração dos processos com Gilmar Mendes é conhecido como distribuição por prevenção — uma regra do Regimento Interno do STF que direciona novas ações ao mesmo ministro quando há coincidência total ou parcial de objeto com um processo anterior. 

Pelo regimento, a prevenção existe para evitar decisões contraditórias e garantir coerência quando diferentes processos tratam de temas relacionados. Nas ações de controle concentrado, como as ADPFs, o artigo 77-C estabelece que todas as ações com objeto igual ou parcialmente coincidente devem ser distribuídas ao mesmo relator. É o que ocorreu no caso das ações propostas pelo Solidariedade e pela AMB. 

Ao incluir na ADPF 1259 um pedido acessório sobre o art. 236, § 1º, do Código Eleitoral — o mesmo tema discutido na ADPF 1017, relatada por Gilmar — o Solidariedade abriu a possibilidade de o Supremo reconhecer a existência de objeto parcialmente comum. Com isso, o sistema de distribuição registrou prevenção e enviou a nova ação diretamente ao gabinete do ministro. 

A AMB, ao apresentar a ADPF 1260 com pedidos semelhantes aos do Solidariedade, também teve sua ação automaticamente apensada ao mesmo relator, conforme prevê o regimento para casos de “coincidência parcial de objetos”. 

Na prática, a prevenção fez com que todas as discussões sobre mudanças na Lei do Impeachment ficassem concentradas sob um único ministro — justamente aquele que já havia relatado a ação anterior usada como fundamento para vinculação. 

Solidariedade defende decisão de Gilmar Mendes 

A Gazeta do Povo questionou o Solidariedade sobre a manobra para direcionar a ação a Gilmar Mendes. O partido, porém, não respondeu ao questionamento inicialmente. Depois, enviou nota defendendo a decisão do ministro. 

Afirmou que o STF “deve julgar sempre com independência” e “sem a influência de qualquer maioria política”. “O STF, ou um ministro do Supremo em si, não pode ficar sujeito a sofrer impeachment por decisão da maioria simples do Senado Federal, mesmo que essa casa revisora seja pilar central da democracia brasileira”, afirmou, ao defender as restrições para pedidos de impeachment. 

“No Estado de Direito, não pode ocorrer afastamento de membro do Poder Judiciário em razão de mera discordância com o mérito de decisões judiciais”, afirmou o partido. 

A AMB também foi procurada, mas não deu retorno até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.

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