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Logo após ser empossado, o presidente americano Donald Trump fez uma série de anúncios e já assinou decretos que vão em desacordo com a agenda progressista e ambiental defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O republicano criticou aspectos da pauta ambiental que prejudicam o desenvolvimento dos Estados Unidos e está revogando estímulos econômicos destinados à luta contra a mudança climática, entre eles a participação dos Estados Unidos no Acordo de Paris.
A influência global das decisões de Trump nos Estados Unidos deve dificultar o projeto de Lula de realizar neste ano no Brasil o que ele classifica como a maior conferência do clima da história. Seu projeto era que o evento lançasse seu nome internacionalmente como grande representante da agenda verde.
No mesmo dia em que Trump revogava ações do governo de Joe Biden para o combate à mudança climática, Lula nomeava no Brasil o embaixador André Corrêa do Lago para presidir a COP 30. O governo brasileiro vem se esforçando para fazer propaganda de que o evento será realizado pela primeira vez na Amazônia (em novembro na cidade de Belém, no Pará).
Após tomar posse, Trump anunciou: “Com minhas ações de hoje, encerraremos o Green New Deal (conjunto de ações econômicas que visam combater a desigualdade e as mudanças climáticas) e revogaremos o mandato do veículo elétrico". De acordo com o presidente americano, a intenção é reindustrializar os Estados Unidos e impulsionar a produção de petróleo e gás do país – medidas que vão no sentido do oposto da chamada agenda verde.
Para analistas, a postura do republicano pode trazer impactos para o Brasil tanto econômicos quanto na agenda externa de Lula. "Os possíveis impactos, em geral negativos, vão da possibilidade de aplicação de tarifas a produtos brasileiros, como já aconteceu com o aço e o alumínio no primeiro governo Trump, às implicações que a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris provocarão na COP 30", avalia o ex-embaixador Rubens Ricupero.
Diplomata e ex-ministro, ele diz que, ainda que o Brasil não figure entre os principais focos de atenção de Trump, sua postura antagônica com o presidente Lula pode resultar em derrotas para o petista.
Até o último ano, o mandatário brasileiro tinha nos Estados Unidos de Joe Biden um aliado e um parceiro em temas relacionados à proteção do meio ambiente e também à transição energética. Biden era ainda a esperança de Lula para obter dinheiro para o Fundo Amazônia, uma iniciativa diplomática para arrecadar doações para a preservação da floresta. Donald Trump, por outro lado, é um crítico desta agenda.
Políticas de incentivo à transição energética e à redução de emissão de gases poluentes são algumas das apostas de Lula neste terceiro mandato. No último ano, por exemplo, o petista aprovou a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil, focando em fontes de energia renováveis brasileiras, como a eólica e o biodiesel. Uma de duas bandeiras é a produção do chamado hidrogênio verde, que ele afirma ser o combustível do futuro.
Lula também buscou incentivar a produção de carros elétricos no Brasil. Em 2024, o governo federal anunciou investimentos para apoiar o desenvolvimento de baterias para veículos elétricos fabricados no Brasil. Essas ações, conforme pontuam os analistas, fazem parte de uma estratégia mais ampla do petista para tentar se consolidar como um líder ambiental global.
Após a tentativa frustrada de se posicionar como mediador nas guerras no Oriente Médio e no Leste Europeu, Lula tem focado em questões ambientais para fortalecer sua liderança internacional. O cenário, contudo, não parece o mais favorável para o petista buscar protagonismo, tendo em vista que a agenda verde deve perder fôlego nos próximos anos com o retorno de Trump à Casa Branca.
Na avaliação de Leon Norking Rangel, gerente de Energia e Sustentabilidade da BMJ Consultores Associados, a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris (tratado internacional que estipula metas para redução do aquecimento global) já representa um retrocesso no avanço dos compromissos climáticos. O especialista ressalta ainda que o papel dos americanos na COP é uma incógnita, já que o país ainda tem um ano até se desligar completamente do Acordo de Paris.
"É preciso saber se eles vão ignorar completamente o evento – e as chances disso são altas –, ou se eles vão estar na COP para tentar minar o acordo climático", afirma Rangel. O sócio-diretor da Agroicone, Rodrigo Lima, explica ainda que a postura adotada pelo republicano pode dificultar a discussão de temas caros à presidência brasileira da COP 30.
Conforme pontua Lima, a COP 29, realizada em Baku, no Azerbaijão,foi marcada pela definição da meta de US$ 1,3 trilhão para serem investidos em ações ambientais. "Durante a presidência brasileira, a expectativa é de definir regras sobre a implementação e adaptação dos países para alcançar a meta", declara Lima ao ressaltar que a ausência de Washington nessas discussões dificultam o alcance de metas estabelecidas. Em outras palavras, Lula tentará convencer países desenvolvidos a financiar a preservação ambiental em países em desenvolvimento.
Durante a presidência brasileira da Conferência do Clima das Nações Unidas, o Brasil deve apresentar três pontos chaves:
- Indicadores para adaptação climática: Propor a criação de métricas para avaliar como os países estão avançando no cumprimento das metas do Acordo de Paris, especialmente no que se refere à adaptação às mudanças climáticas.
- Transição justa: Enfatizar a necessidade de uma transição energética que leve em conta as desigualdades entre os países. Isso reconhece que nações em desenvolvimento enfrentam maiores dificuldades para cumprir as metas ambientais, se comparadas às grandes potências econômicas;
- Implementação da meta de US$ 1,3 trilhão para ações climáticas: Discutir como serão definidos os recursos financeiros para o combate às mudanças climáticas, estabelecendo critérios para as doações e os recebimentos de verbas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Na avaliação de Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, a retirada dos Estados Unidos dos compromissos ambientais não vai paralisar ou interromper as discussões da agenda verde, mas vai deixá-las mais lentas. Lima explica que isso pode trazer reflexos no avanço dos tópicos definidos presidência brasileira na COP30, especialmente no que diz respeito ao alcance da meta de US$ 1,3 trilhão.
"Se a gente observar que os bancos multilaterais vão ter um papel muito grande no financiamento desses órgãos multilaterais e os EUA têm um papel enorme nesses bancos, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, esses organismos têm sua governança vão continuar financiando energias renováveis, mas talvez o que aconteça seja uma redução do financiamento [para ações de transição energética e proteção ambiental] e uma guinada para financiar petróleo também", pontua Lima.
Efeito Trump também pode influenciar outros países e esvaziar COP 30
Ainda que a agenda verde não seja interrompida, a ausência dos Estados Unidos nessas mesas de negociação podem deixar a COP 30 aquém do necessário e frustrar, mais uma vez, Lula em sua ambição de projeção internacional e de realizar a maior conferência do clima de todos os tempos. Além da perda de Biden como aliado, a postura de descrença em relação às políticas ambientais adotada por Donald Trump enfraquece a pauta climática global e pode incentivar outros líderes a seguir o mesmo caminho.
O presidente da Argentina, Javier Milei, é um exemplo disso. No último ano, o argentino ordenou que a delegação de seu país deixasse a COP 29 com a intenção de não endossar as determinações acordadas na cúpula. Existe também a preocupação de que Milei possa seguir Trump e abandonar o Acordo de Paris, um movimento que enfraqueceria ainda mais as pautas do combate ao aquecimento global e transição energética.
O analista Rodrigo Lima, da Agroicone, avalia que essas posturas acabam enfraquecendo o multilateralismo e as organizações internacionais, que vinham sendo usadas para enfrentar as mudanças climáticas de forma coordenada.
"Se você enfraquece o multilateralismo, você tem regras que valem para menos gente. O maior desafio da agenda climática é implementar as ações propostas pelos países, as metas e os avanços da energia renovável para substituir as fosseis, por exemplo. [Ao enfraquecer o multilateralismo] você pode reduzir o alcance de metas de mitigação porque se investiu menos e adotou menos ações, e para o Acordo de Paris isso é super prejudicial", pontua.
A situação também se agrava para Lula com a saída de outro aliado na América do Norte, o premiê canadense Justin Trudeau. Embora não fosse grande aliado político de Lula, Trudeau vinha sendo uma voz alinhada com as ideias do petista no cenário internacional, especialmente no que diz respeito às políticas ambientais.
Sob sua gestão, o Canadá adotou medidas ambientais ambiciosas, como a meta de zero emissões de carbono até 2025. Trudeau, contudo, renunciou após o desgaste de sua gestão e queda da sua popularidade. A expectativa é que o premiê seja substituído por Pierre Poilievre, líder do Partido Conservador e alinhado a Donald Trump, representando mais um desafio para o Brasil nas negociações da COP-30.
Trump revoga medidas ambientais de Biden e se posiciona como obstáculo a Lula
Em seu discurso de posse, Trump demonstrou que vai se posicionar como um obstáculo no avanço da economia verde e da transição energética. Em seu primeiro dia como presidente neste segundo mandato, o republicano assinou a primeira leva de cerca de 100 decretos de Joe Biden que ele prometeu revogar.
Entre eles estavam declarar emergência nacional para explorar mais combustíveis fósseis, revogar regras que facilitavam a transição da frota de carros a gasolina e diesel para veículos movidos a energia elétrica, acabar com as restrições para a exportação de gás natural e determinar que as agências parem de gastar recursos previstos na Lei de Redução de Inflação, uma legislação criada por Biden bilhões não só na transição energética.
Sob o bordão "drill, baby, drill" [perfure, baby, perfure, em inglês], Trump prometeu incentivar a produção de petróleo e gás americano, revertendo as políticas de transição energética emplacadas por Biden.
Trump prometeu impulsionar a produção de combustíveis fósseis, que são considerados altamente poluentes e revogar incentivos para fontes renováveis. "O ouro líquido está sob nossos pés. Exportaremos a energia norte-americana mais uma vez e produziremos [petróleo e gás] mais do que qualquer outro pais da Terra", disse Trump.
Durante seu mandato, Biden lançou uma série de iniciativas para impulsionar a agenda verde no país. Em contraponto ao republicano eleito, Biden lançou o Inflation Reduction Act (Lei Redução da Inflação, em inglês), um pacote que previa o investimento de bilhões para gastos e abatimento fiscal para combater as mudanças climáticas e incentivar o uso de energias renováveis.
No último ano, o democrata também liberou US$ 1,7 bilhão em subsídios para mais de dez fábricas que estavam fechadas ou em risco. Biden também estabeleceu regulamentações para restringir a produção de veículos a gasolina, estabelecendo metas anuais de redução de 13% nas emissões de poluentes por novos carros. O objetivo final era que, até 2032, 67% dos veículos vendidos nos Estados Unidos fossem elétricos.
Em contraste ao democrata, Trump prometeu fortalecer a indústria automobilística tradicional do país. “Vocês [eleitores americanos] poderão comprar o carro de sua escolha. Construiremos automóveis na América novamente a uma taxa que ninguém poderia ter sonhado ser possível há apenas alguns anos", declarou nesta segunda (20).
A postura de Trump reflete um movimento mais amplo de isolamento econômico, que busca reverter o processo de globalização. Durante anos, as montadoras americanas transferiram suas fábricas para a China e outros países, onde a produção era mais barata. Trump acredita, no entanto, que os Estados Unidos não precisam mais depender dessas cadeias de suprimentos globais e pode resolver tudo dentro de suas fronteiras ou com a ajuda de países próximos ou aliados.
Para o republicano, a solução está em resgatar setores estratégicos como o petróleo, o gás e a manufatura, sem depender de acordos multilaterais ou de cadeias logísticas internacionais. Essas mudanças têm impacto direto na agenda ambiental de Lula, que busca consolidar o Brasil como um líder global na proteção do meio ambiente enquanto o americano segue contra os avanços climáticos e a colaboração internacional.
Itamaraty diz ter escolhido presidente da COP 30 levando em conta cenário internacional
A escolha do embaixador André Corrêa do Lago como presidente da COP-30 foi anunciada após uma série de nomes serem ventilados para ocupar o cargo. Para analistas e diplomatas ouvidos em condição de anonimato, a escolha de Lago foi uma escolha que evou em conta o contexto de mudança do cenário geopolítico com o retorno de Trump à Casa Branca.
O entendimento é de que o Itamaraty tem as condições necessárias para conduzir as negociações acerca do evento de maneira diplomática e menos politizada. Para analistas, a condução por parte do Ministério das Relações Exteriores pode favorecer o contato com países que não têm uma relação próxima com a gestão Lula, como é que o caso dos Estados Unidos de Trump e da Argentina de Milei. André Lago reforçou o convite a Donald Trump para participar do evento.