Membros da cúpula do Exército ouvidos pela Gazeta do Povo consideram abusivos os métodos usados na operação desta quinta-feira (8) da Polícia Federal, que teve como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados - entre eles 16 militares da reserva e do serviço ativo. Mas altos oficiais ouvidos pela reportagem afirmaram que, apesar do ativismo judicial e da alegada orientação política que embasaram a ação, crimes foram realmente cometidos e devem ser investigados e punidos.
Uma das fontes, que pediu para não ter o nome revelado, resumiu o clima nas altas esferas militares dizendo que “o juiz está errado em seus métodos, mas um crime possivelmente aconteceu". Ou seja, segundo a fonte, não se pode relativizar um crime só para atacar o julgador, por mais errado que ele esteja.
De forma geral, os militares consideram abusiva a alta concentração de poder no Supremo Tribunal Federal (STF), o fato de o ministro Alexandre de Moraes atuar ao mesmo tempo como vítima, investigador e juiz, além da alegada leniência do órgão ao tratar de crimes de corrupção.
A posição adotada pelas Forças Armadas em relação à operação Tempus Veritatis é colaborar com as investigações e não oferecer apoio político aos militares acusados, a menos que as acusações das autoridades se provem falsas. Oficialmente, o Exército divulgou a seguinte nota:
"O Centro de Comunicação Social do Exército informa que o Exército Brasileiro (EB) acompanha a operação deflagrada pela polícia Federal na manhã desta quinta-feira (8 de fevereiro de 2024), prestando todas as informações necessárias às investigações conduzidas por aquele Órgão”.
O Ministro da Defesa, José Múcio, disse que "cabe às Forças cooperarem com as investigações”.
A investigação da Polícia Federal afirma que militares que pertenciam ao núcleo político de Bolsonaro teriam participado, ao lado de civis, de tarefas como divulgar notícias alegadamente falsas sobre a lisura das eleições presidenciais de 2022, escolher militares de alto escalão que deveriam ser atacados nas redes sociais por resistirem às “investidas golpistas”, incentivar protestos na frente de quartéis e participar de um “núcleo de inteligência paralela” para apoiar um suposto golpe de Estado.
Outra fonte de alto escalão militar afirmou à reportagem que se as afirmações da PF, da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal (STF) forem comprovadas, então elas serão mais uma prova de que o Exército não é golpista, por não ter aderido ao suposto plano. A autoridade militar também afirmou que isso não significa que a cúpula da instituição aprova os métodos de investigação e o ativismo judicial que envolvem o caso. Disse também que não faltaram motivos para descontentamento e para motivar a suposta ação desse grupo investigado, mas que a quebra da ordem institucional não era uma opção.
No ano de 2022, o Alto Comando do Exército (colegiado de 16 generais de Exército, órgão máximo da instituição) chegou a debater a interpretação do artigo 142 da Constituição, que parte da sociedade acreditava ser suficiente para justificar uma intervenção militar na política. Houve comandantes contrários e outros a favor da tese - que é uma interpretação equivocada da Constituição. Não houve uma votação no Alto Comando, mas após ouvir posicionamentos contrários e a favor, o então comandante, general Marco Antônio Freire Gomes, decidiu que não poderia ocorrer intervenção militar. Ao menos quatro membros do Alto Comando foram favoráveis à intervenção.
Uma das fontes do Exército ouvida pela reportagem explicou ainda que as tropas hoje são mais disciplinadas do que eram nas décadas de 1960 e 1970, por isso a decisão de não aderir a nenhum tipo de intervenção tomada pelo comandante do Exército prevaleceu, apesar de resistências internas.
Um general da reserva, que também pediu para não ter o nome revelado, disse que os militares já esperavam uma ação forte do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Federal contra Bolsonaro e seu núcleo militar. A percepção é de que a operação aconteceria próximo de 31 de março, efeméride do início do regime militar iniciado em 1964. Mas a operação pode ter sido antecipada por conta de lives e discursos recentes de Bolsonaro que teriam sido entendidas pelo Supremo como “desafiadoras”. Percepção similar foi constatada entre parlamentares.
As fontes ouvidas pela reportagem divergem, porém, em relação ao nível de envolvimento de figuras-chave do núcleo militar de Bolsonaro. Poucos duvidam do envolvimento de coronéis da reserva e do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, em possíveis crimes.
Mas o envolvimento direto do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno Pereira, é visto como improvável pela maioria das fontes ouvidas. A Polícia Federal usa um vídeo apreendido com Cid para tentar culpar Heleno.
O vídeo não é apresentado na íntegra, apenas a transcrição de uma frase atribuída ao general: "O que tiver que ser feito, tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”, teria dito o ex-ministro. Mas não é possível saber se ele está se referindo ao alegado golpe ou a outro tipo de ação. Outro ponto não esclarecido é uma suposta oferta de Heleno de usar agentes de inteligência para monitorar campanhas eleitorais. Mas não se sabe em quais circunstâncias.
Outra investigação que surpreendeu as fontes militares foi acusação contra o general Estevam Theóphilo Gaspar de Oliveira. Ele era membro do Alto Comando e, segundo a PF, teria afirmado que usaria forças especiais do Exército para realizar prisões de autoridades caso Bolsonaro assinasse um decreto autorizando a intervenção.
O que as fontes ouvidas pela reportagem também concordam é que as denúncias contra miliares da reserva de alto escalão tem um potencial muito elevado para piorar a imagem pública do Exército. A instituição acaba sendo criticada tanto por parcela da população que era favorável a uma a uma intervenção militar na política quando pelas pessoas que eram contrárias a essa possibilidade.
Uma das fontes da cúpula militar disse à reportagem que quem queria a intervenção era motivado possivelmente por indignação, ingenuidade, ignorância ou má-fé.
Mourão diz que investigação ataca honra e integridade de chefes militares
Alguns parlamentares e militares da reserva também questionam os métodos utilizados na operação deflagrada nesta quinta (8). O ex-vice-presidente e atual senador, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que também foi membro do Alto Comando do Exército, afirmou que a Polícia Federal está procurando "pelo em ovo" com as investigações em andamento. A afirmação foi feita durante discurso no Senado Federal.
"O país vive uma situação de não normalidade. Inquéritos eternos buscam pelo em ovo, atacando, sob a justificativa de uma pretensa tentativa de golpe de Estado, a honra e a integridade de chefes militares que dedicaram toda uma vida ao Brasil. Enquanto isso, os ladrões de colarinho branco são anistiados e a bandidagem comum aterroriza a população que vive sob o signo da total insegurança", disse Mourão.
"O que se vislumbra nessa onda de apreensões deflagradas hoje é a intenção de caracterizar as manifestações da população como fruto de uma conspiração golpista, desqualificando toda e qualquer forma de protesto”, afirmou o ex-vice-presidente, que também pediu que a sociedade "cobre de forma pacífica e dentro da lei esses arbítrios que o STF vem cometendo".
Por meio de suas redes sociais, o deputado federal e tenente-coronel Luciano Zucco (PL-RS) declarou estar "atônito e preocupado" com as ações autorizadas por Moraes. "Dadas as incertezas e nebulosidades do momento, não há muito o que dizer e nem mesmo se pode falar muito. Como todos os brasileiros, estamos atônitos e preocupados. Mas pedimos a compreensão e a confiança de todos, pois não estamos inertes. Oremos pelo Brasil e pelos brasileiros", disse.
Já o líder da oposição no Senado, o senador Rogério Marinho (PL-RN), fez críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes. “Não é possível nós assistirmos uma investigação em que claramente aquele que é a pretensa vítima dessa ação é quem conduz o inquérito. Não é possível imaginarmos que há imparcialidade neste processo”, disse Marinho, referindo-se a Moraes.
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