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Jair Bolsonaro durante coletiva com jornalistas. Presidente já sinalizou diversas vezes que pretende cortar publicidades estatais veiculadas na imprensa.
Jair Bolsonaro durante coletiva com jornalistas. Presidente já sinalizou diversas vezes que pretende cortar publicidades estatais veiculadas na imprensa.| Foto: Marcos Corrêa/PR

No domingo (6), associações de jornalistas do Brasil criticaram o chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, por declarações que sugeriram ameaça à liberdade de imprensa.

Wajngarten aconselhou anunciantes a serem mais cuidadosos na escolha dos meios de comunicação em que divulgam suas marcas. A recomendação, feita pelo Instagram, ocorreu depois que a Folha de São Paulo publicou uma reportagem levantando suspeita de que a campanha de Jair Bolsonaro para presidente tenha feito uso de caixa 2.

"Parte da mídia ecoa fake news, ecoa manchetes escandalosas, perdeu o respeito, a credibilidade e a ética jornalística. Que os anunciantes que fazem a mídia técnica tenham consciência de analisar cada um dos veículos de comunicação para não se associarem a eles, preservando suas marcas", disse Wajngarten na rede social.

A reportagem a que Wajngarten reagiu apresentava indícios de que o PSL usou um esquema com candidatas laranjas para financiar por caixa 2 as campanhas de Bolsonaro e do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

Duas associações de veículos jornalísticos, a Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais) emitiram uma nota conjunta, no domingo, criticando as observações do secretário. As associações lamentaram "a visão distorcida do secretário sobre mídia técnica, o que é preocupante vindo de quem tem a responsabilidade de gerir recursos públicos de publicidade”.

Marcelo Rech, presidente da ANJ, diz que a tentativa de interferência de Wajngarten na publicidade veiculada em meios de comunicação é comparável às investidas autoritárias de governos esquerdistas de países vizinhos.

"A gente já viu esse tipo discurso acontecer na própria América Latina. A Cristina Kirchner, na Argentina, o governo de Rafael Correa, no Equador, e Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, adotaram sistematicamente esse tipo de discurso, de pressionar anunciantes a não veicularem publicidade em veículos que não eram absolutamente alinhados com os regimes deles, com os governos deles. Isso é uma interferência muito além das responsabilidades inerentes a uma secretaria de comunicação de um governo", afirma.

Rech acha que Wajngarten "cruzou o limite, extrapolou a sua função de fazer a divulgação dos atos públicos federais". "No momento em que, mesmo que indiretamente, insinua um direcionamento da mídia privada a determinados tipos de veículos e não a outros, isso é uma interferência indevida numa relação privada, absolutamente privada, de natureza comercial de terceiros", diz.

Em nota, o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Daniel Bramatti, disse que a declaração do chefe da Secom "é típica de quem opta por seguir o roteiro da promoção do autoritarismo em vez do respeito à democracia", acrescentou Bramatti.

O que é mídia técnica?

Antes de ser veiculado, um anúncio publicitário costuma passar por um estudo sobre quais meios de comunicação oferecem as melhores condições para que uma marca atinja seu público-alvo. O jargão "mídia técnica" é usado para designar esse procedimento criterioso na publicação de campanhas.

No começo dos anos 2000, o governo federal começou a discutir o uso de critérios técnicos para a veiculação de publicidade oficial em veículos de comunicação. Em 2008, um decreto presidencial estabeleceu parâmetros para a mídia técnica do governo.

Ao propor que os anunciantes que "fazem a mídia técnica tenham consciência de analisar cada um dos veículos de comunicação para não se associarem a eles, preservando suas marcas", Wajngarten está sugerindo que tanto o governo como as empresas privadas evitem anunciar na parte da imprensa que, segundo ele, "ecoa fake news, ecoa manchetes escandalosas".

Mas, como explica editorial da Gazeta do Povo publicado na segunda-feira (7), a divulgação de acusações feitas por uma pessoa pública a outra pessoa pública é de interesse público e, portanto, a reportagem que motivou o comentário de Wajngarten não pode ser classificada como "fake news" ou "manchete escandalosa". Por isso, a recomendação pode ser lida como um ataque a qualquer meio disposto a veicular conteúdo crítico ao governo.

A importância da mídia técnica para a democracia

O principal benefício do uso de mídia técnica para a democracia é evitar que os recursos públicos reservados a campanhas governamentais sejam empregados de forma a enriquecer meios de comunicação favoráveis ao governo e encolher veículos contrários ao governo.

A tentativa de sufocar economicamente o jornalismo independente abandonando o uso da chamada "mídia técnica" é comum em ditaduras ou governos que flertam com o autoritarismo. Dois governos de esquerda latino-americanos frequentemente criticados por Bolsonaro seguiam esse padrão.

No começo dos anos 2000, o ex-ditador venezuelano Hugo Chávez fazia cortes em publicidade estatal para sufocar jornais que publicassem reportagens contrárias ao governo.

Durante seu mandato como presidente da Argentina, Cristina Kirchner fazia algo parecido. Jornais de pequeno porte favoráveis ao governo Kirchner tinham grande aumento em receita advinda de publicidade oficial, enquanto o Clarín, que fazia reportagens críticas ao governo, tinha queda nesse tipo de receita.

Para Marcelo Rech, o problema não está em ser crítico à imprensa, mas em tentar intimidá-la. "A crítica é um elemento natural e saudável nas relações sociais. Ninguém e nada está imune à crítica. Nós, os veículos de comunicação, fazemos críticas e, de uma forma geral, somos abertos à crítica. A questão é quando a crítica visa intimidar, silenciar, ou gerar uma agressividade que pode até ameaçar a integridade física de outras pessoas. Isso passa de uma fronteira. Ninguém está impedindo de fazer crítica. O problema é querer neutralizar eventuais reportagens, colunas e opiniões que veículos de comunicação ou jornalistas queiram fazer sobre o governo."

Orientação dada por Wajngarten é ilegal?

Gustavo Binenbojm, especialista em Direito Constitucional, diz que as declarações de Wajngarten só poderiam ser classificadas como ilegais se se adotassem alguma medida concreta na linha sugerida. "As declarações me parecem genéricas e ainda meramente no plano de cogitações. As consequências poderiam advir de uma implementação política disso", afirma.

Segundo o especialista, "a política de alocação de recursos na área cultural não pode ser uma política dirigista. Nem de esquerda, nem de direita, nem pró, nem contra o governo. Ela tem que ser pautada em critérios republicanos e impessoais que não desequilibrem o discurso público e não criem um viés favorável ao governo".

Binenbojm afirma que as declarações de Wajngarten são "uma sinalização ruim, uma sinalização inconstitucional". Segundo ele, "o governo não pode discricionariamente escolher fazer patrocínios ou alocar recursos para projetos de comunicação ou projetos artísticos ou culturais de acordo com o alinhamento ou desalinhamento político de quem quer que seja".

Outras ameaças do governo Bolsonaro à imprensa

Logo depois de ser eleito presidente, Bolsonaro fez ameaças à Folha de São Paulo e a outros meios que atuassem de forma parecida. "No que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal", disse, em outubro de 2018, em entrevista ao Jornal Nacional, da Globo.

Em agosto deste ano, Bolsonaro publicou a medida provisória 892, que acabou com a obrigação de empresas de capital aberto de publicar balanços em jornais. Em setembro, lançou a MP 896, que acabou com a exigência de publicar licitações e concursos em jornais.

As empresas precisavam pagar aos meios jornalísticos para publicar essas informações. O presidente disse que as medidas eram uma retaliação aos ataques que ele sofria dos jornais.

Para Rech, as duas medidas "visam claramente fragilizar os veículos". Ele recorda que o presidente "citou nomes de veículos, de jornais, que queria ver como iam sobreviver depois da medida provisória". "Há uma tentativa de enfraquecer, tirar de circulação, utilizando atos oficiais e pressões", afirma.

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