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Rompido ao mesmo tempo com o PT e o PL, que lidera a oposição ao governo Lula, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu um passo para tentar recuperar o controle político da Casa: reorganizou um bloco parlamentar com 275 deputados — maioria absoluta da Câmara — composto por partidos do centro e da centro-direita.
O movimento, que retoma a base que o elegeu em fevereiro, surge como uma tentativa de estabilizar sua gestão após semanas de desgaste público com os dois maiores polos da política nacional. A crise foi acentuada nos últimos dias, depois que o presidente da Câmara pautou o projeto da dosimetria e avançou com os processos de cassação de Carla Zambelli (PL-SP) e de Glauber Braga (PSOL-RJ). Ambos foram salvos, mas no caso da deputada do PL, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou "nula" a votação da Câmara e determinou que Motta desse posse ao suplente da parlamentar. A Primeira Turma confirmou a decisão de Moraes nesta sexta-feira (12).
Nos últimos dias, Motta rompeu com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), e também com o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), em uma escalada que expôs a deterioração de relações que, até então, tinham sido essenciais para sua eleição com 444 votos.
"Que [Motta] está mais enfraquecido, eu não preciso dizer, isso é um fato. As coisas estão saindo um pouco do controle por essa imprevisibilidade. Ele poderia facilmente ter construído uma agenda positiva nesses 15 dias. Ele arrumou uma agenda que eu não sei a quem ele agradou. Pelo que estou entendendo, nem o PL foi”, declarou Lindbergh Farias.
Sem o apoio das pontas — nem do governo, nem da oposição —, o presidente da Câmara passou a se apoiar em uma recomposição do “Centrão ampliado” para evitar um isolamento político que poderia comprometer seu comando à frente da Câmara.
Embora aliados de Motta defendam que ele tenta se colocar “acima da polarização”, especialistas avaliam que o movimento é menos sobre neutralidade e mais sobre construção de poder próprio. A leitura é compartilhada por Gabriela Santana, especialista em Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados.
“A narrativa de se posicionar "acima da polarização" é apenas uma justificativa pública. O objetivo primário é consolidar o poder do chamado Centrão como o verdadeiro árbitro da governabilidade”, afirma.
Ou seja, o novo bloco dá a Motta aquilo que ele vinha perdendo: capacidade de pautar, travar ou acelerar votações estratégicas, forçando tanto o governo quanto a oposição a negociar sob seus termos.
A reorganização do bloco ocorre após uma série de questionamentos sobre a capacidade de Motta de controlar a Câmara, especialmente depois da crise gerada pelo PL Antifacção — quando tanto governo quanto oposição passaram a criticá-lo.
Segundo Gabriela Santana, o novo bloco é também um mecanismo de defesa. “Motta tem sofrido críticas sobre uma possível falta de controle político da Câmara. Com esse bloco, ele controla melhor a pauta da Casa e consegue acelerar ou barrar projetos, funcionando como uma ferramenta de pressão nas negociações políticas e orçamentárias”, disse.
Embora numeroso, o bloco articulado por Motta não garante controle pleno. Ele dá ao presidente da Câmara poder para definir urgências, inversões de pauta e condução no Colégio de Líderes, mas não assegura maioria para aprovar grandes reformas sozinho.
“O grupo é extremamente forte em matérias procedimentais. Mas, para projetos complexos, como PECs, Motta precisa negociar com parte do PT ou do PL. Seu poder é mais de veto e de agenda do que de aprovação de reformas estruturais. Em uma crise aguda, a coesão pode se desfazer rapidamente, deixando Motta sem uma base firme”, explica Gabriela Santana.
Ruptura com líder do PT enfraquece o governo Lula na Câmara
O embate direto de Motta com o líder do PT, Lindbergh Farias, tem ainda potencial de impactar diretamente a agenda do presidente Lula na Câmara. O governo tenta contornar a crise para aprovar o Orçamento, que precisa ser votado até a próxima sexta-feira (19), para evitar o cenário que aconteceu neste ano, de atraso no repasse das emendas parlamentares.
Além disso, há o desejo de aprovar um projeto que amplie a tributação sobre bets e fintechs. A iniciativa é considerada importante para que haja o cumprimento da meta fiscal. Também está entre as prioridades a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, que reforça o papel da União na área.
A aliados, Motta sinalizou que o líder do PT atua de forma errática, não entrega votações prometidas e tenta atribuir ao comando da Casa responsabilidades que são da própria articulação do Palácio do Planalto. Para tentar contornar a crise, o Planalto escalou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e a ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, para retomar o diálogo.
“A crise que é propagada entre o presidente da Câmara dos Deputados e o líder do PT não pode ser caracterizada como uma crise do governo e do presidente Hugo Motta. Fizemos uma disputa acirrada na votação do PL Antifacção. Agora é sentar e discutir as prioridades do fim do ano”, minimizou Guimarães.
Apesar da tentativa de recomposição, a ausência de Motta na cerimônia de sanção do projeto da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e a inclusão do PL da dosimetria na pauta sem aviso prévio ao Executivo foram notadas como um sinal do estremecimento na relação do parlamentar com o governo federal. Apesar disso, a analista Gabriela Santana acredita que o rompimento não é definitivo, mas tem impacto imediato.
“Rupturas raramente são permanentes no presidencialismo de coalizão, mas elevam o custo da governabilidade. O governo se torna refém da boa vontade do novo bloco para aprovar qualquer matéria mais complexa”, disse.
Em meio ao acirramento das votações desta semana, o líder do PT, Lindbergh Farias, subiu o tom contra Motta em meio à votação do projeto da redução de penas para os condenados pelos atos do 8 de janeiro de 2023. “O senhor hoje mostra, para quem tem alguma dúvida, a sua verdadeira feição. O senhor, ao tentar votar este projeto, está definitivamente enterrando qualquer história vinculada à democracia”, afirmou.
Motta não respondeu imediatamente às críticas do líder petista e de outros parlamentares de esquerda no plenário, mas afirmou nas redes sociais que precisa “proteger a democracia do grito, do gesto autoritário, da intimidação travestida de ato político”.
Motta pauta PL da dosimetria, mas oposição segue insatisfeita
No outro lado do espectro político, o principal embate da oposição, liderada pelo PL de Jair Bolsonaro, diz respeito à resistência de Hugo Motta em avançar com os projetos da direita. Apesar da aprovação do PL da dosimetria, o grupo defende que o compromisso do deputado quando se lançou candidato à presidência da Câmara seria pela aprovação do projeto da anistia.
Depois da aprovação da urgência para a proposta, em setembro, o presidente da Câmara indicou o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) para relatar a matéria. O parlamentar, no entanto, transformou o texto em uma redução das penas, o que desagradou o campo conservador.
"Não é o ideal, mas é um alento para famílias que poderão ter seus parentes de volta em casa. Seguimos pela anistia, mas hoje demos um passo importante para devolver a liberdade a inocentes", disse Carlos Jordy (PL-RJ), vice-líder da Minoria. Já a deputada Caroline De Toni (PL-SC) afirmou que a versão aprovada da matéria não é "a justiça completa que sonhamos, mas é um passo fundamental de reparação".
Antes que o projeto fosse colocado em votação, integrantes do PL ouvidos pela reportagem alegaram que Motta não vinha respondendo há dias ao pleito da bancada para pautar o projeto. A principal queixa dos parlamentares era de que o presidente da Câmara descumpriu o acordo firmado em janeiro, durante sua eleição para o comando da Casa.
“Votei em Hugo Motta a pedido do presidente Jair Bolsonaro porque havia um acordo de pautar a anistia. Ele descumpriu esse acordo até aqui”, afirmou o vice-líder da oposição, Maurício Marcon (RS).
Já o líder da oposição, Luciano Zucco (PL-RS), disse ter enviado mensagens a Motta ainda no dia da prisão de Bolsonaro cobrando a pauta, mas não obteve retorno. Antes da anistia, o mal-estar com o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, escalou após Motta barrar a tentativa da oposição de retomar o trecho do PL Antifacção que equiparava facções criminosas a grupos terroristas.
Criticado por “ceder ao governo”, Motta reagiu e chegou a romper com Sóstenes, que posteriormente, minimizou o episódio alegando que houve apenas um “desentendimento”.
Para a especialista Gabriela Santana, o cenário expõe a vulnerabilidade política do presidente da Câmara. “Ao isolar o PL, Motta perde capacidade de mediar crises que emanem do bolsonarismo. Ele fica sem confiança da oposição e pressionado pelo governo”, disse.
A expectativa é de que a próxima semana seja marcada por novos embates entre Motta e oposição. O presidente da Câmara pretende pautar o pedido de cassação do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), condenado por tentativa de golpe de Estado pelo STF, e declarar a perda do mandato de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por faltas.
Aos seus aliados, Motta sinalizou que pretende encerrar as polêmicas em 2025 e "não quer ver defunto na frente" no ano eleitoral, quando espera colher os frutos de uma agenda mais propositiva.
Em reação, Eduardo Bolsonaro, que vive nos Estados Unidos desde fevereiro, disse que o presidente da Câmara "escolheu a desonra" e "ainda terá a guerra". O filho do ex-presidente Bolsonaro disse ainda que corre o risco de perder o mandato porque Motta não o reconhece como uma "vítima de perseguição política.
"Eu só tenho o número suficiente de faltas para a cassação do meu mandato porque o senhor, Hugo Motta, não reconhece o estado de perseguição que eu sofro. Porque você prefere cerrar fileiras com Alexandre de Moraes, cedendo às ameaças dele. Quando você faz isso, ele sempre vai te ameaçar. Eu não sei qual é essa sanha que as pessoas têm de serem "bonequinhas do Alexandre de Moraes"", disse.




