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Após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a decisão da Câmara no caso da então deputada Carla Zambelli (PL-SP), o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), passou a trabalhar em uma alternativa para os processos de Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A estratégia envolve uma saída negociada, com possível renúncia dos dois deputados, para evitar nova derrota do Legislativo no STF. A expectativa é de que ambos os casos sejam discutidos nesta quarta-feira (17), mas a oposição tenta postergar a decisão para 2026.
Ambos os deputados do PL estão nos Estados Unidos e enfrentam risco iminente de perda de mandato, embora por caminhos distintos. Eduardo Bolsonaro pode ser afastado por acúmulo de faltas, enquanto Alexandre Ramagem está na mira da Câmara após condenação pelo STF por tentativa de golpe de Estado. Nos bastidores, aliados de Motta afirmam que a prioridade é encerrar os impasses ainda em 2025, antes do recesso parlamentar, reduzindo o desgaste institucional às vésperas do ano eleitoral.
Na semana passada, Hugo Motta indicou que o caso de Eduardo Bolsonaro pode ser resolvido diretamente pela Mesa Diretora da Câmara, com base no acúmulo de ausências não justificadas — procedimento semelhante ao adotado em abril deste ano na cassação do mandato de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ). Nesta segunda-feira (15), o presidente afirmou que “o prazo está correndo” e concedeu até quarta-feira (17) para que a defesa do parlamentar apresente justificativas formais para as faltas.
Já a situação de Alexandre Ramagem vinha sendo tratada, até recentemente, como passível de votação em plenário, o que exigiria 257 votos favoráveis à cassação, como ocorreu com Carla Zambelli. Nesta segunda, porém, Motta sinalizou a líderes partidários que não pretende submeter o tema ao plenário e que a decisão ficará a cargo da Mesa Diretora.
Segundo aliados, a mudança reflete diretamente o entendimento fixado pelo STF no caso Zambelli. Após a Câmara rejeitar a cassação da deputada, o ministro Alexandre de Moraes anulou a votação, classificando-a como “nula” e de “evidente inconstitucionalidade”, além de determinar que a Mesa apenas declarasse a perda do mandato. A decisão foi referendada pela Primeira Turma da Corte. No domingo (14), Zambelli apresentou carta de renúncia.
Interlocutores do presidente da Câmara afirmam que a decisão do STF colocou Motta em situação delicada, já que a ordem foi direcionada nominalmente a ele, com risco de responsabilização por eventual descumprimento.
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A possibilidade de retirada do caso de Ramagem do plenário irritou integrantes da oposição, sobretudo do PL, que acusam Motta de agir de forma “subserviente ao Supremo”. O líder do partido na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), criticou a condução do processo e pediu que a cassação não seja pautada nesta semana.
“Não tem clima. É um desgaste a mais. O processo dele não tramitou nas comissões como o da Carla, e acho uma decisão precipitada”, afirmou Sóstenes durante almoço com jornalistas em Brasília.
O PL defende que o caso seja encaminhado inicialmente à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e sustenta que tem votos suficientes para barrar a cassação, como ocorreu com Zambelli — embora reconheça que o STF poderia novamente invalidar a decisão, já que o processo de Ramagem transitou em julgado.
O tom do partido se acirrou após a decisão de Moraes. Na semana passada, Sóstenes chamou o ministro de “ditador psicopata”, enquanto o deputado Luiz Lima (Novo-RJ), vice-líder da Minoria, afirmou que há um “jogo desigual” entre direita e esquerda no tratamento dado pelo Judiciário.
Diante do impasse, a renúncia passou a ser tratada como alternativa concreta, especialmente no caso de Alexandre Ramagem. O próprio Sóstenes afirmou que o deputado avalia deixar o mandato em 2026, caso avance o pedido de asilo político nos Estados Unidos.
“Ele [Ramagem] disse que pode até pensar numa futura renúncia no próximo ano, porque está tramitando um pedido de asilo político nos Estados Unidos, e neste momento a manutenção do mandato é importante para ele”, afirmou o líder do PL.
Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a renúncia pode reduzir o desgaste político, mas não afasta necessariamente os efeitos jurídicos da condenação. Para a doutora em Direito Público Clarisse Andrade, a instabilidade jurídica torna a permanência de Ramagem “politicamente custosa e arriscada”. “A renúncia pode ser uma estratégia para evitar desgastes adicionais e preservar alguma margem de mobilidade internacional”, afirma.
Já o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) Luiz Augusto Módolo pondera que a renúncia não impede a aplicação das sanções decorrentes de condenação transitada em julgado. Ele cita o precedente do ex-presidente Fernando Collor, que renunciou durante o processo de impeachment sem conseguir preservar seus direitos políticos. “A renúncia não tem o condão de afastar os efeitos da condenação”, diz.
Já o professor e constitucionalista Alessandro Chiarottino destaca que a renúncia poderia ser percebida como uma ação estratégica para preservar sua imagem pública e facilitar negociações futuras, tanto no plano nacional quanto internacional.
“Se Ramagem conseguir avanços em seu pedido de asilo político, a renúncia torna-se ainda mais provável. A combinação de riscos jurídicos, pressões políticas internas e oportunidades externas cria um cenário em que a saída voluntária do cargo é vista como a opção mais racional”, descreve.
Caso Eduardo Bolsonaro amplia tensão com STF e o PT de Lula
No caso de Eduardo Bolsonaro, além do processo interno por faltas, há pressão direta do PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Judiciário. O líder da sigla na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), acionou o STF nesta terça-feira (16) com pedido liminar para a perda “imediata” do mandato do deputado, sob a acusação de omissão da Mesa Diretora.
“O deputado federal Eduardo Nantes Bolsonaro participou de apenas 13 dias de sessões deliberativas no ano, tendo registrado uma ausência justificada e 57 ausências não justificadas, em um total de 71 dias com sessões realizadas, o que corresponde a 80,28% de ausências não justificadas”, destacou o pedido enviado ao STF.
Após a decisão de Motta de deliberar ainda nesta semana sobre a perda do mandato de Eduardo, o parlamentar reagiu nas redes sociais e afirmou que o presidente da Câmara “escolheu a desonra”. “Eu só tenho o número suficiente de faltas porque o senhor não reconhece o estado de perseguição que eu sofro. Você prefere cerrar fileiras com Alexandre de Moraes”, disse, acrescentando que Motta “ainda terá a guerra”.
Para aliados do presidente da Câmara, a judicialização do caso Eduardo Bolsonaro reduz ainda mais a margem de manobra política da presidência da Casa. Com o pedido do PT já sob análise do STF, cresce o receio de que a Corte volte a impor uma decisão direta à Mesa Diretora, repetindo o roteiro do caso de Zambelli e esvaziando qualquer tentativa de solução interna negociada.
Durante encontro com líderes, Motta defendeu que Eduardo renunciasse ao mandato, mas integrantes do PL sinalizam que o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro não considera essa possibilidade.
O desfecho do caso pela Mesa Diretora enfrenta entraves, pois nem todos os integrantes do colegiado concordam com a suspensão imediata do mandato, como o representante do PL, Altineu Côrtes (RJ). Apesar disso, aliados de Motta afirmam que o presidente quer encerrar as controvérsias ainda neste ano e evitar que 2026 comece com novos focos de crise institucional.







