O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) adota um discurso de preservação do meio ambiente, afirmando que áreas na Amazônia não devem ser incluídas no processo de reforma agrária. Mas o movimento não só continua suas operações em estados amazônicos, como pode aumentar suas atividades de olho em recursos do Fundo Amazônia.
Um vídeo recente, que viralizou nas redes sociais, mostrou integrantes do MST ordenando que um homem se retirasse de uma fazenda produtiva que estava sendo invadida no Pará. As imagens foram gravadas durante a invasão da Fazenda Santa Teresa, em Parauapebas, em novembro. O Pará, que registrou ao menos 12 conflitos fundiários em 2023.
O movimento mantém um acampamento na mesma cidade, chamado Terra e Liberdade, tragicamente atingido por um incêndio na semana passada, resultando na morte de nove pessoas. A principal economia da cidade é a mineração, com atuação da Vale, mas no seu entorno há áreas de preservação ambiental e de disputas territoriais entre indígenas e não-indígenas.
O MST atua em 24 estados brasileiros. Mas o movimento distingue os Estados do Amazonas, do Acre e do Amapá como exceções. Os sem terra dizem que esses Estados são “área de conservação ambiental” e que “precisam seguir sendo conservadas”, portando não seriam alvo de invasões de terra. Contudo, isso é contraditório porque outros Estados que fazem parte da Amazônia Legal, como Roraima, Rondônia, Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso não são vistos da mesma forma.
“O MST entende que existe uma diferença entra a totalidade do bioma e a organização da floresta amazônica. O bioma é mais amplo que a própria floresta, e nos demais Estados do bioma nós temos grandes latifúndios improdutivos, e partir da ocupação desses, temos consolidados acampamentos e assentamentos”, afirmou o movimento. “Nos três estados citados [Amazonas, Acre e Amapá] existem latifúndios, mas são predominantemente organizados pela floresta amazônica. Para o MST não faz sentido realizar ocupação de terras em território de floresta”, pontuou o movimento em resposta para a Gazeta do Povo.
Os assentamentos e acampamentos do MST nos Estados da região amazônica não têm foco especial na recuperação das florestas da Amazônia, contrariando portanto o discurso de preservação ambiental do movimento. Assim como ocorre no resto do país, na Amazônia os sem terra escolhem terras, produtivas ou não, para invadir com o alegado pretexto de pressionar o governo por reforma agrária.
Já o MST diz que suas atividades na região têm o alegado objetivo de "produção de alimentos saudáveis, processos de formação, comercialização, organização da produção, organização de escolas, debates em torno da agroecologia, plantio de árvores".
O interesse do MST no bioma, porém, pode aumentar após um anúncio feito pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, sobre a possibilidade de acesso de movimentos sociais aos recursos do Fundo Amazônia. Segundo ele, três projetos com objetivo de restaurar áreas da floresta amazônica desmatadas ou degradadas poderão ser selecionados para acessar R$ 450 milhões do Fundo. Mercadante citou que o MST poderia concorrer, mas o movimento não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo sobre suas intenções de ter acesso ao Fundo.
O movimento diz tem entre seus projetos o "Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis". Iniciada em 2020, essa ação teria como objetivo o plantio de 100 milhões de árvores em dez anos. Para isso, teriam sido criados pelo menos 300 viveiros de mudas, de acordo com balanço apresentado em janeiro de 2023. Essa seria uma ação que, em teoria, o poderia atrair recursos do Fundo Amazônia.
Amazônia e Cerrado concentraram a maior parte dos conflitos fundiários em 2023
Na região amazônica, o número de casos de conflitos fundiários também chama a atenção. Em relatório emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), somente no estado do Pará foram registrados 12 casos de tensão, conflito ou disputa por terras desde o começo de 2023. Já no Maranhão, foram contabilizados 10 casos. Tensão, conflito e disputa são termos utilizados pelo Incra para prevenir, mediar ou resolver as questões fundiárias.
No Pará, a maior parte dos casos envolve as chamadas disputas, que podem ser qualquer ato ou fato que impeça o livre exercício da posse de um imóvel rural, ou ainda uma situação em que há disputa administrativa ou judicial sobre a posse ou direitos reais do imóvel rural, particular ou público.
Segundo o Incra, a Amazônia e o Cerrado concentram a maior parte dos conflitos fundiários no país em 2023. “Creio que 80% da nossa demanda ficou concentrada nestes quatro estados”, disse a diretora da Câmara de Conciliação Agrária do Incra, Maíra Coraci Diniz, em entrevista à Agência Pública. De acordo com Maíra, as disputas têm se concentrado nos Estados da Bahia, Maranhão, Pará e Rondônia.
Embora nem todos os conflitos possam ser atrelados à atuação do MST, o movimento assumiu invasões em alguns casos, como o de Parauapebas, no Pará. Em outro caso recente, ocorrido no Maranhão, o MST assumiu a invasão de uma fazenda no município de Governador Edison Lobão, que fica próxima da divisa com o Pará. Esta invasão, ao contrário da anterior, foi desmobilizada pela atuação de produtores rurais que se uniram no chamado movimento Invasão Zero.
Assentamentos são focos de desmatamento
Um estudo publicado pela Climate Policy Initiative, em setembro de 2023, aponta que o desmatamento em assentamentos é altamente concentrado. Os pesquisadores afirmaram que, mesmo ocupando somente 8% do território, 28% do desmatamento da Amazônia aconteceu nos assentamentos, entre 2012 e 2022.
Além disso, o estudo indica que no bioma concentra-se 70% da área assentada e 63% dos assentados do país. A área de assentamentos da modalidade chamada de "ambientalmente diferenciados" no estudo aumentou de 1,7 para 12,4 milhões de hectares entre 2004 e 2012. Estes assentamentos seriam caracterizados por seu foco em atividades compatíveis com a floresta, incluindo, entre seus objetivos, a preservação da Floresta Amazônica. “Desde então, a expansão de qualquer tipo de assentamento no bioma tem sido modesta, com um crescimento de apenas 1% da área assentada no bioma entre 2012 e 2022”, afirma a publicação. A criação desse tipo de assentamentos, no entanto, não barrou o desmatamento.
Não é possível associar todos os assentamentos de reforma agrária do país ao MST. Porém, é sabido que a atuação e a influência do movimento garantiram que muitos dos acampados do MST fossem assentados em projetos de programas do governo. Nos governos de esquerda, o movimento tem um histórico de reivindicações atendidas e ausência de repressão contra ilícitos cometidos.
Para o advogado agroambiental e ex-superintendente do Incra no Pará, Miguel Gualberto, as invasões de terras que dão origem aos acampamentos do MST acabam propiciando ilícitos ambientais. “Eles sempre estão em busca da melhor área, e nem sempre são áreas de floresta, a não ser que tenha uma viabilidade, como um manejo florestal”, esclarece o advogado sobre a escolha das áreas pelos integrantes do MST. Ou seja, é mais trabalhoso invadir áreas de floresta.
Gualberto alerta ainda que, enquanto atuou como superintendente do Incra, foi possível identificar que nas áreas regularizadas os índices de desmatamento são mais baixos.
“Onde as áreas são estipuladas para um nome, um CPF ou um CNPJ, há baixíssimos índices de desmatamento. Porque você consegue identificar quem está desmatando e aí embarga a propriedade daquela pessoa, a atividade daquela pessoa e pode emitir multas, por exemplo. No entanto, quando não há a regularização fundiária necessária, você permite que qualquer pessoa atue de forma ilegal e não tem como chegar nessa pessoa”, explicou o advogado.
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