O recente ingresso do ex-deputado Deltan Dallagnol (PR) no partido Novo suscitou a impressão de que a legenda poderá herdar do Podemos a alcunha de “Partido da Lava Jato”. A transferência simbólica se deve à migração de parlamentares do Podemos para o Novo, incluindo Dallagnol e o senador Eduardo Girão (CE), à retirada de cena de outros que não conseguiram êxito nas eleições e à postura pragmática adotada por ambos os partidos. Em paralelo, avançou o desmantelamento da maior operação anticorrupção do país, tanto pelo Judiciário quanto pelo Legislativo.
Deltan Dallagnol, ex-procurador e líder da força-tarefa da Operação Lava Jato, anunciou a filiação ao Novo com a intenção inicial de contribuir para o crescimento do partido nas eleições de 2024 e 2026. Ele afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan que “a batalha em 2026 começa no próximo ano”. Após a saída do Podemos, em 30 de setembro, o ex-deputado caracterizou a nova agremiação como “um grupo de idealistas e patriotas que lutam com coragem contra a corrupção e os abusos do Supremo Tribunal Federal (STF)”, entre outras frentes.
O presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, não evoca o título de “Partido da Lava Jato” para a legenda, mas reconhece essa associação como natural, devido à postura programática de defesa dos recursos públicos e combate sem tréguas à corrupção. “Este compromisso existe desde quando o Novo foi criado, em 2011, por uma turma indignada com a velha política. Neste sentido, consideramos a vinda de Dallagnol não como adesão, mas o seu retorno ao lar”, comentou o dirigente à Gazeta do Povo. Ele admitiu ter feito convite a outros parlamentares “lavajatistas” para também se filiarem.
No fim de 2021, o Podemos confirmou a reputação de “Partido da Lava Jato” quando o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro e Dallagnol anunciaram que concorreriam a cargos políticos no pleito de 2022. O ex-procurador persistiu na busca por vaga na Câmara pelo Paraná, enquanto Moro lançou a candidatura presidencial pelo Podemos de Dallagnol e, depois, pelo União Brasil, que não apoiou a pretensão. Moro, então, foi eleito senador por esse partido pelo Paraná. Já Dallagnol conseguiu uma vaga na Câmara com votação recorde - quase 345 mil votos -, mas, em 16 de maio de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu cassar o mandato.
Até 2022, o Podemos tinha como figura central o ex-senador paranaense Álvaro Dias, aliado de longa data de Moro e Dallagnol. Dias foi derrotado na tentativa de reeleição, curiosamente por Moro, de quem era o seu maior defensor. O Podemos tinha uma das maiores bancadas no Senado, que sofreu significativo recuo no início da atual legislatura, se recuperando nos últimos meses até alcançar agora sete senadores. Encerrando 2021 com oito senadores, o partido não elegeu novos e ainda perdeu dois, Álvaro Dias (PR) e Lasier Martins (RS), que não se reelegeram.
O Podemos tem sido controlado desde a fundação, em 1995, pela família Abreu: Dorival de Abreu, José Masci de Abreu e a deputada Renata Abreu (SP), presidente nacional da sigla. Em 2018, o então Partido Trabalhista Nacional (PTN) adotou o nome Podemos, inspirado no partido de esquerda da Espanha. No mesmo ano, incorporou o Partido Humanista da Solidariedade (PHS) e lançou Álvaro Dias à Presidência da República, com abordagem associada à Lava Jato, mas obteve só 1% dos votos esperados.
Receosos com o avanço nas pesquisas de intenção de voto para o pleito presidencial de 2026 do governador Romeu Zema (MG), político mais destacado do Novo, setores da direita se aliaram à esquerda no sentido de desqualificá-lo e associá-lo aos ex-postulantes da Presidência pelo PSDB, sobretudo o ex-governador João Doria. Esses grupos também fazem uma ligação negativa do Novo com o Movimento Brasil Livre (MBL), um dos que tiveram destaque na luta pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, e que mostraram simpatia pela candidatura presidencial de Moro. Eduardo Ribeiro descarta qualquer vínculo institucional do MBL à legenda, tendo ela, inclusive, sendo alvo de duras críticas do grupo em diferentes épocas.
Desmonte da Lava Jato tirou a cobiça partidária por sua marca
Assessores parlamentares consultados pela Gazeta do Povo informam que, na prática, não há mais qualquer disputa entre partidos pelo rótulo lavajatista. A razão disso está na série de desgastes sofridos pela Lava Jato nos últimos anos, imposta pelos sistemas judicial e político, incluindo anulações de condenações de réus confessos que devolveram centenas de milhões de reais aos cofres públicos e ameaças aos principais nomes da operação. No seu auge, a Lava Jato desfrutava de enorme apoio popular e ainda hoje tem uma marca de forte apelo político.
Uma prova disso seria o fato de o próprio ex-juiz Sergio Moro não ter cogitado migrar também para o Novo após ser eleito senador, continuando filiado a um partido do Centrão, o qual está situado na base de apoio do governo federal. Moro optou pelo pragmatismo, mas sem perder seu discurso e suas ações alinhadas à oposição.
No caso de Dallagnol, os servidores avaliam que a decisão de migrar de partido estaria relacionada à necessidade de encontrar espaço partidário após sua retirada do Parlamento, de modo a permanecer abrigado e engajado enquanto enfrenta incertezas em torno das suas próprias perspectivas políticas e eleitorais.
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