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Pazuello e Bolsonaro durante o ato de apoio ao presidente, no Rio de Janeiro.
Pazuello e Bolsonaro durante o ato de apoio ao presidente, no Rio de Janeiro.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Militares da ativa das Forças Armadas que ocupam cargos no governo federal podem ter que deixar seus postos se a chamada "PEC do Pazuello", protocolada oficialmente na semana passada na Câmara, for aprovada. E a perspectiva hoje é de que a ideia avance; e não que seja engavetada. E que há chance de ser aprovada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 21/2021, apelidada de PEC do Pazuello, veda aos militares da ativa a ocupação de cargo de natureza civil na administração pública nas três esferas do poder.

De autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), o texto é visto como uma espécie de "antídoto" contra a possível politização das Forças Armadas quando oficiais da ativa passam a integrar (e a defender) um governo. Também seria uma forma de "blindar" a imagem das Forças Armadas contra malfeitos de militares que participam do governo. A proposta foi apelidada de PEC do Pazuello em referência ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que é general da ativa.

A PEC foi protocolado na quarta-feira (14) e está agora Mesa Diretora da Câmara. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vai dar encaminhamento à matéria nos próximos dias e permitir que ela tramite. Por ser uma PEC, a primeira etapa é enviá-la à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Ainda em junho, Lira disse a líderes partidários que, tão logo a proposta conseguisse o número de assinaturas para ser apresentada (uma PEC exige a adesão mínima de deputados), daria encaminhamento à matéria – o que é uma praxe. A CCJ vai avaliar a constitucionalidade da matéria. Depois, a PEC do Pazuello será discutida numa comissão especial criada especificamente para analisar o mérito da proposta.

Se passar na comissão especial, a PEC segue para o plenário – onde precisa dos votos de três quintos dos deputados, em dois turnos de votação. A última etapa é a votação no Senado, que também precisa aprová-la, com um mínimo de três quintos de votos, em dois turnos.

Quais são as chances de a PEC do Pazuello ser aprovada na CCJ

Na CCJ da Câmara, existe atualmente uma tendência de aprovação da PEC do Pazuello. Dos 66 integrantes titulares do colegiado, 26 assinaram favoravelmente à apresentação da proposta. Além disso, nos bastidores, a pauta tem ganhado apoio entre líderes e bancadas partidárias. Mesmo entre governistas existe a avaliação de que o texto será aprovado.

O deputado Aluísio Mendes (PSC-MA), líder de seu partido na Câmara e membro da CCJ, é um dos governistas que acredita na possibilidade da comissão aprovar a admissibilidade do texto – embora ele seja contra a proposta.

"Mesmo eu tendo posição divergente [à PEC], acho que tem muita chance de prosperar. Em conversas com outros líderes eu percebi que, de fato, existe um sentimento muito favorável a colocar um limite na posição dos militares na atividade civil", afirma Mendes.

Além de líder de seu partido, Mendes também é 1.º vice-líder do bloco Pros, PSC e PTB na Câmara e vice-líder do governo no Congresso Nacional. O deputado afirma que a avaliação dos líderes não é muito diferente da de seus liderados. "Há um sentimento muito favorável nas bancadas. Não é mais um debate de caráter ideológico, mas político. Grande parte das assinaturas coletadas pela Perpétua é de deputados de partidos da direita e do centro", diz ele.

Segundo Mendes, dois fatos políticos recentes criaram o clima favorável para a tramitação da PEC: as suspeitas de irregularidades envolvendo militares reformados e da reserva no Ministério da Saúde durante a gestão de Pazuello; e a nota conjunta assinada pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e os comandantes das Forças Armadas após declarações do presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).

"A experiência que vivenciamos no Ministério da Saúde com essa equipe de militares foi muito negativa e isso acabou impactando nesse sentimento. E também acho que algumas notas expedidas pelo ministro da Defesa e pelos comandantes [das Forças Armadas] acabou contaminando esse sentimento de que o lugar dos militares é nos quartéis", diz o vice-líder do governo.

A análise do deputado Fábio Trad (PSD-MS), vice-líder do partido e membro da CCJ, não é muito diferente. De perfil independente ao governo, ele não descarta, contudo, a possibilidade de o texto ser derrubado se essa for a vontade do Palácio do Planalto. "Se você quantificar quem é independente, governista e oposição, qualquer placar vai ser apertado. Mas se o governo assumir abertamente a oposição ao projeto, aí ele tem base coesa para derrubar", diz.

Qual a posição de governistas sobre a PEC do Pazuello

O deputado Aluísio Mendes afirma que, apesar de acreditar haver uma tendência favorável à PEC do Pazuello, ela é discriminatória. "Acho que impedir militares ocuparem cargos é um pouco de discriminação", diz o vice-líder do governo no Congresso.

Ele afirma ainda que a oposição e deputados independentes usam o momento em que a presença de militares em atividades civis é vista com desconfiança e de forma negativa por parte da sociedade para generalizar a atuação de militares.

"Esse fato contaminou o clima. Tivemos a questão do [ex-]ministro Pazuello, que deixou um legado até questionável junto com seu staff de militares que, realmente, não correspondeu às expectativas do presidente [Jair Bolsonaro], nem da sociedade. A gestão não foi condizente com o que se esperava", avalia Mendes.

O deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), vice-líder do partido e integrante da CCJ, também classifica a matéria como uma tentativa de tipificar o preconceito ao militar na Constituição. "É a PEC da 'militarfobia'. Ninguém suporta militar trabalhando bem nos ministérios", diz.

Diferentemente de Mendes, Tadeu acredita que a PEC não tem chances de prosperar e será rejeitada na CCJ. "Podem colocar para colocar em votação sem problema algum porque não vai ter voto", diz.

Um dos motivos apontados por Tadeu é a própria constitucionalidade da matéria. "É inconstitucional. O militar é um servidor público federal como qualquer outro. A cessão de funcionários de um órgão para o outro é lei", justifica. "É uma discriminação fora do comum com os militares, são pessoas especializadas, competentes e tem uma característica que raramente a gente encontra por aí, que é honestidade", complementa.

Qual é a avaliação de deputados independentes

Parlamentares independentes do governo são favoráveis ao texto. O deputado Enrico Misasi (PV-SP), líder do partido, afirma que o assunto tem de ser discutido. "Principalmente neste momento histórico, merece ter toda a atenção da CCJ, da sociedade como um todo e do próprio Exército. Estamos em um contexto em que é possível construir um belo consenso em torno desta matéria", afirma Misasi.

O deputado considera que o tema não é trivial e defende a realização de audiências públicas para uma discussão sobre a constitucionalidade da matéria. "Eu não me oporia. Se a presidente [da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF)] e a maioria dos coordenadores de bancada entenderem serem necessárias [as audiências públicas], não devemos temer fazê-las", diz.

O líder do PV torce para que a pauta seja debatida com rapidez e que seja aprovada na CCJ, a fim de ser discutida na comissão especial. "Ainda não conversei com meu partido sobre o assunto. Não sei qual é a opinião dos meus liderados, mas estou aberto a ouvir os argumentos, inclusive contrários. Essa discussão interna tende a se espraiar para outros deputados e lideranças em um processo natural", avalia Misasi.

Embora torça pela aprovação, ele evita analisar o peso que os fatos políticos recentes envolvendo militares no governo podem trazer a favor da admissibilidade. "Não sei avaliar se dificultam, polemizam mais ou atrapalham. O que eu sei é que colocam o tema na mídia e ajudam a debater."

O deputado Fabio Trad concorda e acha que uma aprovação do texto é possível, mas seria por um placar estreito. "Hoje, eu arriscaria uma aprovação por um placar apertado pela admissibilidade da PEC. Mas é preciso ver como ela será tratada no âmago do Centrão. É ali que veremos se flui ou se fica obstruída", justifica.

Autor de um projeto de lei que trata sobre a "quarentena" eleitoral para juízes, procuradores, promotores, policiais e militares, Trad é a favor do texto. "Tenho uma certa identidade com o tema, sou um dos coautores. Eu vejo com bons olhos o fato de que ela está muito bem prestigiada, principalmente com a assinatura de cinco ex-ministros da Defesa colocando sua importância, e o fato de que ela na sua essência, agora no aspecto de mérito, é absolutamente correta e justa", afirma Trad.

Qual o entendimento da oposição

A oposição apoia em peso a PEC do Pazuello. Das 185 assinaturas válidas para que o texto fosse protocolado, 106 são de deputados de partidos da esquerda. "É imperativo constitucional que as Forças Armadas se mantenham apolíticas, como instituições de Estado que são", disse a autora, Perpétua Almeida, em publicação no Twitter.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), membro da CCJ, também pelo Twitter, classificou a PEC como uma "medida fundamental" para "separar governo e instituições de Estado".

O PT também é a favor da pauta. Afinal, o partido apresentou redação semelhante em uma emenda à reforma administrativa, a PEC 32/2020. O partido obteve 171 assinaturas na última sexta-feira (9) para propor o destaque.

Coordenador da bancada do PT na comissão especial da PEC da Reforma Administrativa, o deputado Rogério Correia (PT-MG) defende que o debate sobre a emenda petista e a PEC do Pazuello tramitem paralelamente.

O que o governo pode fazer para derrubar a PEC do Pazuello

Diante do clima político desfavorável, o governo tem na deputada Bia Kicis, presidente da CCJ, a peça-chave para derrubar a PEC do Pazuello. É ela quem escolhe o relator. E a liderança do governo vai articular com a presidente da CCJ um relator alinhado com o Planalto – ou seja, que apresente um parecer minimamente diferente do texto original.

Os deputados mais próximos de Bia Kicis afirmam que ela vai colocar a PEC para tramitar tão logo o texto chegue à CCJ. Mas dizem que a ideia é inserir a matéria na pauta do dia somente quando o governo tiver os votos para derrubar a proposta. De toda a forma, os aliados alertam que ainda caberia ao governo articular junto à base o arquivamento da pauta.

O governo precisaria obter 34 votos contrários ao relatório dos 66 integrantes CCJ, uma vez que o empate é pró-relator. Ou seja, ainda que o parecer do relator seja diferente da redação original, uma votação final com 33 votos contrários e 33 favoráveis levaria a proposta a ser admitida pela CCJ. A aprovação da admissibilidade constitucional levaria o texto a ter seu mérito discutido em comissão especial.

Lira e ex-ministros da Defesa apoiam a proposta

Segundo apurou a Gazeta do Povo, Arthur Lira é favorável ao debate sobre a PEC do Pazuello. Inclusive, ele não faz objeção quanto à inclusão da "quarentena" eleitoral a militares, policiais e membros do Ministério Público (MP) e do Judiciário no relatório da comissão especial – o que não faz parte da proposta protocolada.

Outro apoio de peso à proposta é o de vários ex-ministros da Defesa. Uma nota conjunta assinada por cinco ex-ministros tem sido usada como argumento a favor da matéria. São signatários: Nelson Jobim, Celso Amorim, Jaques Wagner, Aldo Rebelo e Raul Jungman.

Os ex-ministros destacam que as Forças Armadas "não se confundem com os governos", uma vez que "sua razão de ser é a defesa da pátria e da soberania". E entendem que a PEC 21/21 propõe, "em boa hora", a "regulamentação da participação de militares da ativa em funções de governo".

Para os ex-ministros, a PEC separa as funções "de natureza técnica e que podem ser atribuídas a militares daquelas que permitam o risco da politização das Forças Armadas com consequências nocivas para estas instituições e para o país".

"A tramitação da matéria, em frutífero diálogo entre o Parlamento e as Forças Armadas, fortalecerá a democracia. Conclamamos o Congresso Nacional a assumir o papel que lhe cabe e que nos une: a defesa das nossas Forças Armadas, dos serviços que prestou ao país e de sua condição de instituições de Estado, conforme determina nossa Constituição Federal", dizem os ex-ministros.

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