O eleitor do presidente Jair Bolsonaro (PL) e até mesmo os opositores verão em 2022 uma "versão" diferente da do presidenciável de 2018. Eleito há três anos com uma série de "bandeiras" e como o catalizador de diferentes sentimentos da população, ele vai tentar a reeleição com a exclusão de algumas pautas e a calibragem de outras.
O então candidato Bolsonaro chamou a atenção do Brasil ao defender o combate à corrupção, uma agenda liberal na economia, o armamento da população, o antipetismo, o nacionalismo e se posicionando contra o presidencialismo de coalizão como um candidato "antissistema". Para muitos, foi tido como o "Trump brasileiro", uma referência ao então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Do Palácio do Planalto ao Congresso, de deputados da base mais ideológica aos do Centrão, todos esperam em 2022 um Bolsonaro com semelhanças, mas também diferenças em relação ao que se posicionou como candidato em 2018. "O que é natural em qualquer reeleição", diz um interlocutor palaciano.
Desde a redemocratização, Jair Bolsonaro é o quarto presidente a tentar a reeleição, mas é provável que seja o que apresentará as maiores modificações na retórica e nas bandeiras defendidas. Em alguns casos, os ajustes nos discursos serão sutis. Em outros, no entanto, as mudanças serão mais drásticas.
Auxílio Brasil deve marcar mudança no discurso de Bolsonaro
A defesa do Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família, será a principal mudança feita por Bolsonaro em sua tentativa de reeleição em 2022. Em 2017, já em ritmo de campanha, ele disse que não seria demagogo e não defenderia a ampliação do Bolsa Família para "agradar quem quer que seja".
"Para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família. Então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia e agradar quem quer que seja para buscar voto", disse, na ocasião. Em 2010, Bolsonaro já havia associado o Bolsa Família a "bolsa-farelo".
A desconfiança de como ele trataria o programa social foi utilizado pelo adversário Fernando Haddad (PT) em 2018 para acusar Bolsonaro de que, se eleito, acabaria com o programa social. A acusação levou Bolsonaro a se posicionar de forma enfática a favor do Bolsa Família e, inclusive, a defender até o pagamento de uma 13º mensalidade. "É um programa que temos que manter e, por questões humanitárias, olhar com muito carinho", declarou o então candidato.
Agora, em 2022, o Auxílio Brasil é apontado como um dos principais carros-chefes do presidente pela reeleição, admitem interlocutores no Planalto e parlamentares.
Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores, prevê no novo ano a "versão" mais populista de Bolsonaro desde que foi eleito. "O governo vai jogar as fichas para as medidas mais populistas a fim de se mostrar competitivo porque sabe que, se não conseguir isso, vai sofrer uma desidratação muito grande", avalia.
Uma previsão é de que Bolsonaro amplie até abril do próximo ano uma série de agendas e viagens em outros estados para percorrer o país e entregar obras antes de maio, quando o calendário eleitoral proíbe uma série de condutas que poderiam afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos.
Em "casa" no Centrão, Bolsonaro abandona críticas ao "toma-lá-da-cá"
Bolsonaro tende a trabalhar em seus discursos as realizações de seu governo com o apoio de aliados no Congresso. Por isso, outra grande mudança esperada na campanha à reeleição será o trato com lideranças do Centrão.
Em 2018, Bolsonaro pregou discurso de "nova política", disse que não se curvaria ao "toma-lá-da-cá", fez críticas ao presidencialismo de coalizão e disse que não negociaria com os partidos, mas com frentes parlamentares, em uma promessa clara de ser o candidato "antissistema".
Foi pela escolha das bancadas ruralista e da saúde que ele escolheu, por exemplo, a deputada federal Tereza Cristina (DEM) para assumir o Ministério da Agricultura e o ex-deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM) para comandar o Ministério da Saúde.
Mesmo aliados alertaram Bolsonaro que a estratégia era equivocada, mas o presidente manteve uma postura quase irredutível em relação à negociação de emendas parlamentares e cargos com líderes do Centrão. Ao fim de 2019, pressionado por caciques partidárias e lideranças políticas no Congresso, ele cedeu e negociou a primeira "turbinada" nas emendas de relator, as RP9, no Orçamento de 2020, com anuência inclusive do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A aproximação de Bolsonaro com os partidos e a negociação de emendas parlamentares em 2020 rendeu a ele a governabilidade e o apoio do então deputado federal Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, que começou a ser uma fonte de oposição ao então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), então figura forte no DEM e hoje sem partido.
Agora no PL, Bolsonaro afirmou em sua assinatura de filiação ao partido presidido por Valdemar Costa Neto – que já foi criticado pelo presidente da República por ter sido condenado por corrupção no escândalo do mensalão – que estava se sentindo "em casa" e admitiu que a escolha foi difícil.
"Estou me sentindo em casa [no PL]. Estou me sentindo dentro do Congresso Nacional. Vocês me trazem lembranças agradáveis, de luta e de embate. Mas, acima de tudo, momentos que juntos fizemos muito pelo Brasil. Eu vim do meio de vocês. Eu fiquei 28 anos como deputado. Existem muitas semelhanças entre nós. Confesso que a decisão [de filiação] não foi fácil. A filiação é um casamento; não seremos marido e mulher, seremos uma família", disse Bolsonaro.
Além de emendas parlamentares, Bolsonaro negocia desde 2020 a acomodação de cargos do governo a apadrinhados políticos do Centrão. Cedeu ministérios a integrantes de partidos políticos e postos estratégicos na administração pública federal direta e indireta.
Em que pontos Bolsonaro pode manter os discursos, mas com alguns ajustes
A proximidade com o Centrão entregou ao presidente maior governabilidade no Congresso e, nas eleições, dará a ele uma estrutura partidária capaz de fazer sua voz ecoar com maior força. Graças à capilaridade nos municípios oferecida pelo PL e pelo PP, o partido presidido por seu ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que deve ficar com a vice na chapa presidencial.
Entretanto, essa simbiose com o Centrão também tira de Bolsonaro a potencialidade de apresentar discursos de maior impacto junto ao eleitorado igual ao que ocorreu em 2018, como o armamento da população, por exemplo. Por ser uma pauta de desagrado junto aos partidos políticos de centro, que entendem não agregar voto, sobrará ao presidente dizer que fez o que estava ao seu alcance.
"Ele vai falar que fez o que podia, que tentou regulamentar por decretos, mas não terá espaço político para defender o armamento de forma enfática, nem culpar o Congresso. No máximo, vai poder dizer que o Supremo [Tribunal Federal] não deixou", aponta um interlocutor do Planalto. A ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu trechos de decretos de Bolsonaro que ampliam o acesso a armas, mas o Congresso não teve vontade política de discutir o projeto que amplia o porte de armas para mais categorias do serviço público (PL 6.438/19).
O mesmo é esperado para pautas de costumes, como defesa da família e dos valores conservadores. Bolsonaro terá fundamentos para argumentar que procurou evitar a agenda da esquerda nas escolas e que tentou regulamentar o homeschooling, por exemplo, uma das prioridades do governo que não chegou a ser aprovada, bem como uma série de outros projetos da agenda conservadora.
O alcance da agenda liberal que Bolsonaro pode vir a defender fica igualmente fragilizado pela associação aos partidos políticos. Pautas como privatizações e reforma administrativa, por exemplo, podem perder força no discurso. Em setembro, por exemplo, o PL enviou um vídeo a associados em que diferencia o "liberalismo social", que defende, ao "liberalismo puro", o econômico defendido por Paulo Guedes.
A agenda de privatizações e a reforma administrativa são exemplos de pautas que deixaram de tramitar no Congresso devido a resistências não apenas da esquerda, mas também da base do governo, que chegou na reta final de 2021 sendo obrigado a negociar emendas de relator caso quisesse aprovar essas matérias.
Outra bandeira que continuará no discurso de Bolsonaro é o combate à corrupção. Entretanto, o cientista político Enrico Ribeiro, diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, entende que o presidente não conseguirá imprimir no discurso o mesmo tom em relação a 2018, quando se posicionava como o "antipolítico".
"Ele vai falar 'meu governo não teve caso de corrupção, não teve escândalo em Petrobras', isso e aquilo, só que agora ele vai ter, de um lado, alguém que esteve dentro do governo [Moro] e vai apontar as fragilidades, citar que a a CPI da pandemia mostrou que integrantes do governo usaram sua posição para situações pouco republicanas, bem como situações envolvendo os filhos. Há fatos fáticos que serão jogados contra ele", analisa Ribeiro.
O que Bolsonaro tende a manter inalterado em seu discurso são as bandeiras do antipetismo e do nacionalismo. Outra característica que tende a ser mantida é o perfil de populista de direita, caracterizado pelo discurso moralista com apelo religioso e de posicionar suas defesas pessoais como as pautas defendidas por todo o povo.
O impacto que as mudanças no discurso podem causar
Todas as mudanças previstas na postura de Bolsonaro em comparação a 2018 não representam riscos para o presidente. Na verdade, podem até ajudar a abocanhar uma parte do eleitorado que ele ainda não tem. O fim das críticas ao presidencialismo de coalizão tira dele os votos do eleitorado "antissistema", que pode migrar para Moro, mas pode entregar a ele uma fatia do eleitor médio, mais pragmático e menos ideológico, analisa o cientista político Enrico Ribeiro.
"Ele perde por um lado, mas, por outro, ganha numa máquina que vai ter para trabalhar em prol dele muito maior do que teve em 2018, que vai chegar para aquele eleitor que sofreu mais com a pandemia, o eleitor que mais perdeu, e a gente não pode se enganar, prefeitos têm um poder capilar enorme", analisa. "Ele estar em um grupo que tem muitos prefeitos é o que pode fazer uma diferença para ele chegar nesse eleitor menos escolarizado, que está mais propenso a fake news e onde ele pode virar o jogo contra o Moro ou ampliar a margem e garantir a ida dele ao segundo turno", analisa.
Algum impacto, contudo, Ribeiro acredita que Bolsonaro possa ter em 2022. "Hoje, ele tem o poder da caneta, a força do Orçamento e da mídia, mas, diferentemente de 2018, quando era pedra, ele passou a ser vidraça. Há três anos, ele já estava eleito, não tinha o compromisso de mostrar resultados, mas de mostrar discursos. O cenário é outro", pondera o diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.
O deputado Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), ex-ministro do Turismo de Bolsonaro, discorda que o presidente perca votos para Moro no discurso de combate à corrupção e mostra confiança de que ele estará no segundo turno. "O presidente consegue consolidar essa bandeira [combate à corrupção] à medida em que apresenta um governo há três anos sem nenhum ato de corrupção identificado. Ele entrega, realmente, aquilo que prometeu como bandeira em 2018, ele chega fortalecido no combate à corrupção", sustenta.
O ex-ministro do Turismo acredita que, em 2018, havia certo receio da sociedade com Bolsonaro sobre sua capacidade de gestão que, hoje, foi dissolvido pelo governo. "Hoje, ele já mostra essa capacidade de gestão do país. O presidente apresenta números fantásticos, apesar de dois dos três anos ter enfrentado a pandemia. O presidente conseguiu avançar várias pautas, conseguimos aí a reforma da Previdência, marcos regulatórios, o auxílio emergencial, o Auxílio Brasil, a digitalização de várias ações", diz.
"Acho que o Bolsonaro de 2018 reunia essas condições e anseios de grande parte da população brasileira, que era ter uma economia liberal e ser conservador nos costumes", complementa Álvaro Antônio. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é, para ele, uma prova que o governo nunca deixou de lado sua bandeira de lutar por um Brasil conservador. "Hoje, acho que ele agrega a capacidade de gestão e resultados, há as próprias estatais que deram aí lucros bilionários. Essa capacidade de gestão eu acho que ela vai agregar muito ao perfil do presidente para a eleição de 2022", diz.
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