Os militares acolheram bem a possibilidade de o ex-ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro assumir o Ministério da Defesa no governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A opção foi bem avaliada por militares que o conhecem pessoalmente ou que têm conhecimento de suas qualidades – embora parte deles desconheçam Múcio. Isso tranquilizou a caserna e os militares da reserva e reformados.
Múcio tem um perfil "conciliador" e de diálogo que é elogiado por militares. Mesmo aqueles sem muito conhecimento sobre o ex-ministro do TCU dizem que a escolha foi bem acolhida. "Não me lembro de ter visto algo desse ministro, mas o que ouvi foi positivo. Todo mundo que eu ouvi e li de comentário do pessoal [da caserna] foi positivo, não ouvi ninguém se queixar, nem nada de negativo, pelo contrário", afirma o general reformado Paulo Chagas.
O general da reserva Santos Cruz elogia o ministro aposentado. "Eu tive oportunidade de falar com José Múcio por duas vezes, quando ele era ministro do TCU. Eram assuntos que não tinham nada a ver com Defesa. É uma pessoa educada, atenciosa, com um marcante senso de humor e de equilíbrio", destaca.
O coronel da reserva Raul Sturari, presidente do Instituto Sagres, diz não ter conhecimento sobre o ministro ou seu perfil, mas avalia que pode ser bem recebido pelos militares. "De maneira muito superficial, creio que ele não enfrentaria muita resistência, porque já circulou em amplo espectro político-partidário", diz. Sturari entende que o próximo ministro não tem o perfil de um quadro da esquerda radical, o que é bem visto na caserna. Múcio, além de ex-ministro do TCU, também foi deputado por cinco mandatos, eleito inclusive por partidos de direita.
Quem também tem boas expectativas pelo ex-ministro do TCU é o vice-presidente (e general) Hamilton Mourão (Republicanos). "Tenho muito apreço e respeito pelo ministro Múcio, com quem tive excelente relação quando ele estava no TCU. Julgo que será um nome positivo para o cargo", afirmou Mourão ao jornal O Estado de São Paulo.
O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) elogiou o possível ministro da Defesa em evento de despedida de Múcio do TCU, em 2020. "José Múcio, me permite, eu sou apaixonado por você. Gosto muito de vossa excelência, passamos momentos bons, épicos na Câmara, e também maus momentos", disse Bolsonaro, que foi colega de Múcio como deputado. "Mas vossa excelência tem comportamento sempre conciliador, amigo, buscando cada vez mais o consenso", acrescentou o presidente.
O que militares esperam de José Múcio como ministro da Defesa
A expectativa dos militares é que Múcio assegure uma boa interlocução com as Forças Armadas e represente a caserna junto ao governo em temas considerados sensíveis, como mudanças na Previdência militar e na questão de currículos e promoção de oficiais. Por esses motivos, o perfil conciliador do próximo ministro da Defesa é visto como positivo.
A possibilidade de Múcio ser o novo ministro da Defesa também tranquilizos os militares que chegaram a suspeitar da hipótese de Lula não respeitar o critério da antiguidade para a escolha dos próximos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Faz parte da tradição o presidente indicar para o comando das três forças um dos oficiais-generais com mais tempo no topo da carreira. Lula já havia sido aconselhado por interlocutores a respeitar a tradição, visto como um gesto importante para a construção de uma boa relação com as Forças Armadas.
A decisão é bem avaliada por Chagas. "Com relação à escolha dos mais antigos, é uma decisão acertadíssima. É a melhor solução que tem, porque é isenta de qualquer tipo de preferência. Isso repercute positivamente nas Forças Armadas", diz.
Para o Exército, Lula tem quatro nomes para escolher que preenchem o critério de antiguidade. São eles:
- General Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste.
- General Valério Stumpf Trindade, chefe do Estado-Maior do Exército.
- General Julio Cesar de Arruda, chefe do Departamento de Engenharia e Construção (DEC).
- Estevam Theophilo, comandante de Operações Terrestres.
Caso Lula opte pelo mais antigo, o futuro comandante do Exército será o general Arruda, que chegou ao posto de "quatro estrelas", a mais alta patente, em março de 2019. O general Paiva seria, porém, o favorito entre alguns no gabinete de transição pela proximidade que tem com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB). Paiva foi ajudante de ordens do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Militar? Civil? O que pensam militares sobre a escolha para a Defesa
A escolha de um ministro civil não gera constrangimentos nas Forças Armadas. Desde a criação da pasta, em 1999, a Defesa foi chefiada por 10 ministros civis. Apenas nas gestões do ex-presidente Michel Temer (MDB) e de Bolsonaro que o cargo foi ocupado por militares. Temer nomeou o general Joaquim Silva e Luna para o cargo. E Bolsonaro teve três generais no comando do ministério: Fernando Azevedo e Silva, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira.
Os militares não escondem a preferência por um oficial-general de "quatro estrelas" para assumir a Defesa e ser o principal interlocutor do governo federal com as Forças Armadas, dada a experiência e o conhecimento da caserna. Mas eles afirmam que respeitam as instituições e a Constituição, que estabelece o presidente da República como a "autoridade suprema" das Forças Armadas. Por isso, independentemente de ser um civil ou militar, costuma haver um respeito institucional ao ministro da Defesa – ainda que eles prefiram um ministro com autonomia e um "alinhamento" mínimo com a caserna.
Desde a criação do Ministério da Defesa, houve casos de ministros que não contavam com o prestígio entre militares ou que desgastaram a relação com as Forças Armadas ao longo do tempo. Foi o caso, por exemplo, do embaixador Celso Amorim, visto entre militares como "ideológico" de esquerda. Outro ministro que chefiou a pasta e é mal visto por militares é Nelson Jobim, tido como "competente", mas "arrogante" entre alguns militares.
Para o general Paulo Chagas, Jobim "é uma pessoa arrogante e que acha que é líder". "A primeira condição do líder é ser humilde, e ser humilde não é ser subserviente e baixar a cabeça. Humilde significa colocar-se e comportar-se como um ser humano normal, não se achar melhor que qualquer um. E ele sempre se comportou como alguém que fosse 'super maravilhoso', melhor que os outros. Ele tem atitudes arrogantes, que podem ser boas para outras funções, mas não para ser ministro da Defesa ou querer, como ele quis, ser o 'líder militar' que nunca conseguiu ser", critica.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) é outro que chefiou a pasta e não é bem quisto entre a maioria dos militares por ser "petista raiz" e por ter nomeado a médica Eva Chiavon como secretária-executiva da pasta. Ela foi responsável por protagonizar um episódio polêmico ao pedir o encaminhamento à então presidente Dilma Rousseff (PT) do Decreto 8.515, que delegava ao ministro da Defesa a competência para assinar atos relativos a pessoal militar, como transferência para a reserva remunerada de oficiais superiores, intermediários e subalternos, bem como a reforma de oficiais da ativa e da reserva.
Celso Amorim, Nelson Jobim e Jaques Wagner chegaram a ser cotados para a Defesa no novo governo Lula – até mesmo por já terem experiência na função. Outro que também foi cotado é o ex-ministro Aldo Rebelo (PDT), que enfrentou resistências internas no entorno de Lula e até dentro das Forças Armadas. Chagas lamentou as resistências a Aldo. "O Aldo é muito bom, mas tem uma ala burra das Forças Armadas que rejeita sob a alegação de ser comunista [Aldo já foi filiado ao PCdoB]. Mas ele nos admira, é um cara nacionalista, como nós somos nacionalistas", diz.
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