A obstrução da oposição no Congresso, iniciada há duas semanas, não foi suficiente para barrar a aprovação de projetos de interesse do governo federal, mas serviu como um pontapé inicial para que os parlamentares fizessem pressão contra o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (STF). A avaliação é positiva e a tendência, segundo o líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-SP), é de que o movimento continue nas próximas semanas, com o intuito de, ao menos, atrasar votações e sessões das comissões.
A obstrução é um recurso utilizado pelos parlamentares para impedir o prosseguimento dos trabalhos e, assim, ganhar tempo para uma ação política. Entre as ferramentas que eles têm à disposição estão: pedidos de adiamento da discussão e da votação, pronunciamentos e não registrar presença nas sessões, para que as votações não possam ser realizadas por falta de quórum.
O movimento atual foi iniciado pela bancada do agro, na semana seguinte ao STF ter rejeitado a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Outras frentes parlamentares, como a evangélica e a católica, declararam apoio à iniciativa para pressionar os ministros da Corte a não julgarem temas como descriminalização das drogas e do aborto até a 12ª semana de gestação – pautados recentemente no STF, mas sem decisão final. A oposição abraçou a causa, mas o Partido Liberal e Novo foram as únicas legendas que declararam apoio formal à obstrução.
Nesse período, duas pautas importantes para a oposição avançaram: o projeto de lei (PL) que regulamenta o marco temporal para demarcação de terras indígenas, aprovado no Senado e enviado para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como uma resposta da bancada do agro ao STF; e uma proposta de emenda constitucional (PEC) que limita decisões monocráticas dos ministros do STF, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quarta-feira (4).
Na Câmara dos Deputados, a oposição ainda conseguiu derrubar sessões deliberativas de comissões, como a da CCJ e da Agricultura, por falta de quórum. Mas o movimento não foi forte suficiente para barrar votações em plenário.
A rápida aprovação do marco temporal no Senado, logo no primeiro dia, reduziu o movimento pela obstrução por parte de deputados e senadores de oposição. Nesta semana, por exemplo, os deputados aprovaram dois projetos de interesse da base governista: o marco das garantias, que reformula regras sobre garantias dadas em empréstimos, como hipoteca ou alienação fiduciária de imóveis; e a prorrogação da cota mínima de exibição de filmes brasileiros nos cinemas.
Jordy reconhece que, sozinhos, PL e Novo, apesar de contarem com o apoio de frentes parlamentares que apoiam a obstrução, não têm número suficiente de votos para impedir o andamento de votações, já que os demais partidos não declararam a obstrução oficial.
O líder da oposição na Câmara explica que a estratégia, então, é usar o chamado "kit obstrução", que permite que os parlamentares demorem a dar quórum para iniciar as sessões - o regimento da Casa prevê que 257 deputados precisam registrar presença para que uma sessão seja aberta -, façam questões de ordem, pedidos de retirada de pauta, discussões e outros instrumentos que dificultam e alongam tanto o início quanto a duração das sessões deliberativas.
Um exemplo dessa manobra ocorreu durante a votação de uma Medida Provisória que concedia crédito para o setor agropecuário. Normalmente, uma matéria como esta é votada simbolicamente, e o processo dura cerca de 15 a 20 minutos. Com os artifícios utilizados pela oposição, a votação se estendeu por quase três horas, numa sessão que já foi iniciada no começo da noite e que impediu o avanço de outras matérias em pauta.
Parlamentares da base de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reconhecem que a obstrução, apesar de ser um instrumento regimental e legal, tem dificultado o andamento das sessões. O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), chegou a afirmar que a obstrução "é um direito da oposição". Já o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), tem tentado fazer acordos para garantir o prosseguimento pautas fundamentais para a gestão petista.
Parlamentares apoiam obstrução e reforçam insatisfação com ativismo judicial
A oposição ainda deve continuar com a obstrução, a fim de pressionar pelo avanço de propostas que tratam da redução de poderes do STF, do fim do foro privilegiado para autoridades, da reforma administrativa e de temas da chamada pauta de costumes, que incluem questões como a proibição do aborto e a criminalização da posse e porte de drogas.
Outros deputados que não participam formalmente da obstrução concordam que o movimento tem fôlego para continuar e é legítimo. Augusto Coutinho (Republicanos-PE) afirma que "a obstrução faz parte de um mecanismo legítimo da democracia, e demonstra a insatisfação do Congresso Nacional com a interferência do Supremo em matérias eminentemente legislativas".
O deputado José Nelto (PP-GO) também endossa a insatisfação dos parlamentares com o que classifica como "invasão de competências do Supremo no Legislativo", e acredita que "ainda há fôlego para continuar [com a obstrução]".
Para o deputado Kim Kataguiri (União-SP), os avanços em relação a pontos sobre os quais a oposição se rebelou, como a mudança no entendimento na questão da demarcação das terras indígenas, mostram que, por enquanto, a obstrução tem dado resultados.
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