A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu duas frentes no Congresso para frear os esforços da base governista pela regulamentação das redes sociais. O avanço em relação ao assunto foi uma das promessas de campanha do presidente e, na Câmara dos Deputados, a bancada que apoia o petista está se articulando para avançar rapidamente com o projeto de lei (PL) 2.630/20, popularmente chamado de PL das fake news, que cria regras para a moderação de conteúdo nas plataformas.
Uma das estratégias da oposição consiste em convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a criar uma comissão especial para debater o mérito e aperfeiçoar a proposta. O movimento está sendo conduzido pelo deputado federal Zé Vitor (PL-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista de Economia e Cidadania Digital.
Outra estratégia visa a coleta de assinaturas para o requerimento de urgência do PL 3.227/21, que propõe a reforma do Marco Civil da Internet e limita as hipóteses de suspensão ou exclusão de contas nas redes sociais, bem como o bloqueio ou remoção de conteúdo nas mídias. O plano é conduzido pelo deputado Mário Frias (PL-SP).
Embora dissociadas, as duas frentes têm o objetivo de travar a base de Lula de tentar mais uma vez votar o PL das fake news no plenário da Câmara.
Em abril de 2022, Lira pautou a votação de um requerimento que, se aprovado, permitiria a votação da proposta diretamente no plenário, em regime de urgência – ou seja, sem passar por comissões. Por 249 votos a favor da urgência, 207 contrários e uma abstenção, os deputados rejeitaram o requerimento. Para que fosse aprovado, eram necessários, no mínimo, 257 votos.
Agora, na nova legislatura, a base de Lula quer repetir o movimento e propor a votação de um novo requerimento.
Relator quer votar PL das fake news em março
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das fake news, se reuniu na quinta-feira passada (16) com o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para discutir o projeto. Sob o argumento de que a matéria está em debate há três anos, ele confirmou a intenção em votar o texto em plenário já em março.
"É hora de dar uma resposta, e a sociedade exige ainda mais depois dos fatos tristes vividos no Brasil no 8 de janeiro, então, eu creio que é urgente que nós possamos dar uma resposta e o debate aconteceu", disse em entrevista ao programa Jornal da Record.
Sobre a reunião com Moraes, Silva afirmou que o ministro "conhece a matéria" e "liderou" resoluções sobre o tema no TSE. "Nossa expectativa é que a lei brasileira incorpore as melhores experiências e aprendizados, inclusive vividos na eleição", acrescentou.
O deputado ganhou o aval do governo para discutir o tema após um acordo entre o governo e Lira de que qualquer assunto relacionado às fake news e regulamentação das redes sociais será debatido dentro do projeto relatado por Orlando.
O Palácio do Planalto pensa em regular por medida provisória (MP) a forma como as plataformas digitais devem monitorar e retirar das redes sociais conteúdos falsos. Lira, porém, se posicionou contrário à regulamentação por MP e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o articulador político do governo Lula, deu sinais de que recuaria dessa estratégia ao longo das últimas duas semanas.
Em 8 de fevereiro, na abertura da reunião do Conselho Político de Coalização no Palácio do Planalto, Padilha disse que a ideia é “aproveitar ao máximo aquilo que é iniciativa do Congresso”.
Contudo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, contrariou Padilha, Lira e Orlando ao dizer que ainda estuda a edição de uma MP para combater notícias falsas. “Estamos propondo ou o emendamento do projeto [da Câmara] ou a edição de um novo projeto ou quem sabe uma Medida Provisória, que avance no sentido das melhores práticas internacionais, marcadamente na União Europeia”, disse Dino em evento com investidores do banco BTG.
O que a oposição espera de suas estratégias contra o PL das fake news
Diante da intenção do governo e de sua base na Câmara, a oposição intensificou suas estratégias na última semana. O objetivo é não deixar opção para Lira pautar um requerimento de urgência ao PL das fake news.
É daí que vem a estratégia do deputado Mário Frias em propor a tramitação em regime de urgência do PL 3.227/21. Originalmente, a proposta para reformar o Marco Civil da Internet foi apresentada pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como uma medida provisória. O texto foi rejeitado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e devolvida ao Planalto. Em outra decisão envolvendo a MP, a ministra Rosa Weber, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a validade da matéria.
O objetivo do governo Bolsonaro com a medida era "combater a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores". A MP tentava dar uma solução legislativa para a liberdade de expressão nas redes sociais no Brasil e, uma vez rejeitada, sua redação foi reapresentada em formato de projeto de lei.
Entre quarta-feira (15) e sexta-feira (17), 112 deputados se disponibilizaram a assinar o requerimento de Frias, que ainda coleta as assinaturas. O deputado demonstra confiança de sucesso na estratégia.
"Esse é o contraponto que fazemos, de trazer o debate à tona e uma visão que a gente tem sobre a questão da liberdade de expressão nas redes sociais. Inclusive, tem gente de esquerda assinando o requerimento, que é muito positivo, pois hoje somos nós os limitados, os cerceados, amanhã podem ser eles", afirma.
Contudo, a proposta defendida por Frias é politicamente menos palatável no Congresso e carrega consigo a associação ao ex-presidente Bolsonaro. Por ter menor apreço no Congresso, membros da oposição entendem que a estratégia tem menos chances de vingar, mas poderia forçar Lira a procurar alternativas para o PL 2.630/20. E é aí que entra a estratégia encampada de pedir ao presidente da Câmara a instalação de uma comissão para a discussão da proposta.
"A esquerda sabe que não tem voto em plenário, acho que eles mesmos têm dúvida do que fazer com isso. Se levar ao plenário vai enterrar o projeto. É melhor montar comissão especial e avançar num [novo] texto", diz o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), cotado para assumir a liderança da minoria. "Da forma como está hoje, esquece", afirma.
O deputado Zé Vitor teve uma conversa informal com Lira ainda durante a campanha à reeleição e pediu uma reunião após o Carnaval para debater a instalação de uma comissão especial para o PL das fake news. "O Arthur tem sido muito positivo e se dispôs a dialogar", diz.
Como presidente da Frente Parlamentar de Economia e Cidadania Digital, ele entende que há temas sensíveis que precisam ser melhor debatidos em comissão especial, como a monetização e distribuição da informação.
"A esquerda quer 'tratorar' o assunto, mas não acho que o texto está pronto e maduro o suficiente para votar em plenário. Temos que escutar as big techs em um ambiente para a discussão. Há muitos deputados novatos que não participaram do debate. Temos que colocar as cartas na mesa para aprimorar esse texto. Do jeito que está, ele é confuso e não dá segurança para a gente votar, é preciso um ambiente mais democrático para a gente debater", destaca.
"É importante ter legislação clara", defende Lira
O próprio Lira se mostra a favor da tramitação do PL das fake news. "Não conseguimos votar no período pré-eleitoral pela polarização já sabida. Única maneira de termos regulação responsável das redes sociais é via projeto de lei", disse a jornalistas em 10 de fevereiro, em Vitória (ES).
O presidente da Câmara afirmou que a matéria será discutida na Câmara em conjunto com o Senado para evitar alteração quando o texto voltar ao Senado. "Vamos nos esforçar e envolver todo mundo para que esse problema tenha uma regulação mínima, inclusive das big techs, para que elas tenham comportamento responsável no Brasil. É importante ter uma legislação clara", destacou.
O deputado Evair de Melo (PP-ES) não rechaça totalmente o PL das fake news, mas defende que a pauta seja melhor debatida. Para ele, a pressa da base de Lula em votar a urgência reflete um incômodo.
"Historicamente, a esquerda acha que sempre monopolizou os veículos tradicionais de comunicação e está extremamente incomodada, pois não conseguiu dominar a produção de conteúdo nas mídias sociais, um campo que não conseguiu monopolizar. Ela quer botar cabresto curto nas mídias sociais e regulá-las. Tirar a liberdade das redes sociais é a mesma coisa que tirar a liberdade acadêmica, e não vamos permitir isso", acrescenta.
A deputada Bia Kicis (PL-DF) endossa o discurso e promete que vai trabalhar "muito forte e duro" contra os objetivos do governo e sua base, mas prevê desafios.
"O que eles querem é censurar os conservadores, isso é um movimento globalista, então, não vai ser fácil, mas a gente precisa se organizar e usar todas as ferramentas que o regimento nos permite para a gente tentar obstruir [a votação diretamente em plenário]", afirma.
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), por sua vez, entende que o argumento da oposição – de que a pauta precisa ser melhor discutida – é uma demonstração de que, na verdade, não querem que nada seja votado.
"Esse argumento é porque não querem discutir nada, é uma tática normal. Eles estão muito pressionados, estão acuados depois do 8 de janeiro naquela tentativa de golpe e estão sem discurso e vem com discurso de liberdade", diz o deputado petista.
O parlamentar também rechaça a tese da oposição de defesa da liberdade de expressão e defende uma regulação das redes sociais. "E não é censura, temos que ter uma regulação para impedir a disseminação de fake news, de postagens racistas, de postagens que estimulam a violência, não queremos que o Brasil seja os Estados Unidos, que sai dando tiro em supermercado", defende. A avaliação de Zarattini é que o projeto pode ser debatido mesmo em plenário, após "negociações de bastidor" dentro da Casa.
Já o deputado Zé Neto (PT-BA) entende que o PL das fake news não é uma prioridade, mas pondera que é um debate sobre o qual não se pode mais "vacilar". "Não podemos dar vacilo com relação a isso, o mundo todo está fazendo essa avaliação [de regulamentação de notícias falsas nas redes sociais] porque é uma coisa muito nova em nossas vidas", comenta.
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