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Ministro das Comunicações de Lula, Juscelino Filho teria tido as diárias de compromissos particulares pagas pela União.| Foto: José Cruz / Agência Brasil

A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalha com duas estratégias para engrossar a pressão contra o governo federal e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), que voou em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para participar de um evento de leilões de cavalo e omitiu a declaração de R$ 2 milhões em cavalos de raça ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um dos planos envolve o pedido de impeachment do ministro.

A oposição não chegou a uma unanimidade em torno da estratégia, mas é consensual o entendimento sobre a necessidade de fiscalização em relação às denúncias contra o ministro.

As denúncias relacionadas ao uso de aviões da FAB e a omissão dos cavalos de raça para a Receita foram reveladas pelo jornal O Estado de S. Paulo. O parlamentar também foi acusado em uma reportagem da Folha de S.Paulo de receber diárias do governo federal por dias sem agenda de trabalho em São Paulo, Maranhão, Portugal e Espanha. Ele teria viajado com muita antecedência para compromissos no exterior e recebido verbas para despesas pessoais nesses dias.

Uma ala entre os opositores defende a aprovação de um requerimento de convocação de Juscelino Filho, após a instalação das comissões permanentes, para que o ministro esclareça as denúncias.

O deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES) destaca que as denúncias são "muito graves e contundentes" e sugerem um "desvio de conduta realmente lamentável" para um ministro. Mas sustenta que o primeiro procedimento a ser adotado é convocá-lo, e depois tomar outra decisão após ouvir os esclarecimentos. A convocação de um ministro de Estado prevê a obrigação de comparecimento sob pena de incorrer em crime de responsabilidade.

"O ministro [Juscelino Filho] está em viagem internacional e as comissões não estão instaladas. Assim que forem instaladas, o procedimento vai ser a convocação dele. Diante da performance, a oposição vai decidir que ação adotar como consequência [das denúncias]", afirma Melo. Cotado para assumir a liderança da minoria, um espaço de oposição, o parlamentar considera que a suspeita de uso da aeronave da FAB para fins pessoais "mancha o currículo de qualquer pessoa que está na vida pública e envergonha a classe política brasileira".

A estratégia tem o apoio do deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), que defende uma permanente prestação de contas por membros do Executivo ao Parlamento. "Na convocação, ele seria obrigado a falar e se explicar. E acho que a explicação vai dar repercussão, que dificilmente seria positiva", pondera. Quanto a um pedido de impeachment, ele discorda. "É inócuo, o PGR [procurador-geral da República, Augusto Aras] é velho amigo dos petistas, e no Supremo [Tribunal Federal] não vejo nenhum clima. Pode gerar mídia e like aos bolsonaristas, mas não gera resultado", diz.

Outra ala da oposição é reticente à ideia de convocação em razão do ministro das Comunicações ser deputado federal licenciado e ter proximidade com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA). Soma-se a isso a hipótese de a base governista se articular para substituir o requerimento de convocação por um de convite, o que, se aprovado, desobrigaria o comparecimento à Casa. Caso o ministro não comparecesse na condição de convidado, opositores dizem que não haveria dificuldades em convocá-lo.

Em razão da discordância sobre a estratégia de convocação, um imediato pedido de impeachment contra o ministro das Comunicações é defendido por outra parcela da oposição. O deputado federal Paulo Bilynskyj (PL-SP) é quem elabora a ação e sua meta é protocolá-la ainda nesta quarta-feira (1º) na Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele conta com o apoio de opositores de seu partido e de outros para avançar com a estratégia.

O deputado explica que a oposição tem dividido o trabalho de fiscalização e enfrentamento ao governo de acordo com temas que cada um tem mais afinidade e consegue "abraçar". Pela experiência como delegado da Polícia Civil de São Paulo, corporação onde atuou por 10 anos, ele se prontificou a propor os pedidos de impeachment. "Vou convidar todos os meus colegas que tenham interesse em subscrever a peça a participar", diz Bilynskyj.

Publicamente, alguns deputados têm se posicionado criticamente sobre as denúncias no Twitter. "Que diferença dos ministros do Bolsonaro", comentou Nikolas Ferreira (PL-MG). "Ele ainda é ministro de Lula", endossou Carla Zambelli (PL-SP). "O governo comunista mal começou e já temos mais um escândalo pra conta do amor", disse Júlia Zanatta (PL-SC). "Brasil é o país da piada pronta. O único projeto de Juscelino Filho em 2022 como deputado foi o Dia do Cavalo", criticou Luiz Lima (PL-RJ).

Pedido de impeachment de Juscelino Filho está amparado na lei de responsabilidade

A abertura de processo de impeachment de ministros de Estado está prevista na Lei 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade. Na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ela foi usada pela oposição ao então governo para pedir o impeachment de ex-ministros, como Ricardo Salles e Abraham Weintraub, então ministros do Meio Ambiente e da Educação, respectivamente.

Agora, o objetivo da atual oposição a Lula é fazer o mesmo. O deputado Paulo Bilynskyj já pediu o impeachment dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, por nepotismo cruzado após a mulher do chefe da equipe econômica ser nomeada para um cargo no Ministério da Saúde.

O deputado entende que as denúncias contra Juscelino Filho são graves e, em razão de o ministro ter foro privilegiado, elas precisam ser analisadas pela PGR, para que as medidas cabíveis sejam adotadas, como pedido de abertura de inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF). O pedido de impeachment sugere que o auxiliar de Lula feriu "ao mesmo tempo" os cinco princípios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

"Os fatos narrados se comunicam entre si e configuram crime de responsabilidade", diz. O deputado já está redigindo um argumento jurídico para embasar um pedido de impeachment. Antes disso, porém, Bilynskyj destaca que oficiou o ministro, em 15 de fevereiro, para prestar esclarecimentos sobre a denúncia de ter enviado 1 mil chips de celular para serem utilizados nas operações humanitárias que ocorrem na terra indígena Yanomami, em Roraima.

A denúncia aponta que os chips não funcionam dentro da área demarcada por não haver cobertura da operadora de telefonia móvel. Segundo o deputado, Juscelino Filho não respondeu ao ofício. "Ele não respeita os princípios da administração pública, ele não se enxerga como um servidor, um ministro", critica o deputado da oposição.

Bilynskyj reforça a expectativa de protocolar o pedido de impeachment ainda nesta quarta, mas destaca que o objetivo é elaborar uma ação detalhada que não dê margem para ser rejeitada e arquivada pela PGR. "O documento precisa ser bem construído, minha experiência jurídica diz que uma coisa é eu fazer um ofício para a PGR dizendo: 'acho que houve crime de responsabilidade'. Outra coisa é eu amarrar de uma forma tão bem escrita e colocada que ela não tenha como se desvencilhar, esse é o meu objetivo", diz.

Além dessas questões, há mais um pedido de investigação contra o ministro. O deputado Sanderson (PL-RS) enviou uma representação à PGR para que Juscelino Filho seja investigado pelo suposto crime de tráfico de influência junto à Superintendência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevafs) do Maranhão. O pedido do parlamentar gaúcho cita informações divulgadas pela imprensa de que o ministro teria pedido a contratação de uma empreiteira para a execução da um contrato de
R$ 54 milhões em obras com a Codevafs.

Denúncias constrangem Lula, PT e União Brasil, mas cautela é pregada

As denúncias contra o ministro das Comunicações geraram constrangimento a Lula e integrantes do governo — entre eles lideranças do PT. O sentimento é partilhado por dirigentes do União Brasil, o partido de Juscelino Filho. Incomodados, alguns dirigentes defendem a exoneração do ministro, mas a maioria ainda prega cautela.

O discurso no governo é de permitir que Juscelino Filho possa ter tempo para se defender e apresentar suas explicações sobre as denúncias. "Acho que não podemos prejulgar ninguém. Temos que esperar a revelação dos fatos, a investigação, pra saber se tudo que estão falando é pertinente ou não", comentou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), ao jornal O Estado de S. Paulo.

O senador evitou, contudo, sair em defesa do ministro e esclareceu não ter "posição pessoal" sobre o tema e que espera "a avaliação que se faz no centro do governo, na Casa Civil".

A análise é semelhante no União Brasil. Há um entendimento de que as denúncias sugerem que o ministro produziu provas contra si próprio ao usar o avião da FAB para ir a leilão de cavalos sendo ele dono de um suposto haras, porém, dirigentes pregam que as autoridades responsáveis assumam investigações sobre o caso e ele possa se explicar no decorrer de possíveis investigações.

Sobre as articulações da oposição, contudo, União, PT e o governo estão alinhados e rebatem as estratégias encampadas por opositores. Para integrantes das cúpulas, a oposição mira Juscelino Filho para desgastar Lula por narrativa política, uma vez que não há conexão entre as denúncias contra o ministro e o presidente da República.

União Brasil rechaça retaliação de Lula após denúncias de Juscelino Filho

No que depender da análise política do Planalto para uma possível exoneração de Juscelino Filho, é incerto cravar quando e se ocorreria. Dirigentes do União Brasil apontam que a relação entre o partido e o governo ainda não está pacificada e que a exoneração do ministro da Comunicações poderia gerar constrangimento entre a legenda e o Palácio do Planalto.

Um membro da Executiva Nacional da sigla avalia, de forma reservada, que uma possível retaliação a Juscelino Filho apenas daria mais munição para o partido "crescer para cima" do governo. A indicação de Juscelino Filho não é reconhecida por deputados do União Brasil como uma escolha da bancada na Câmara.

A nomeação é atribuída a uma influência do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que também é apontado como o responsável pela indicação dos ministros da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, e do Turismo, Daniela Carneiro — pivô do primeiro escândalo do governo.

Originalmente, por sinal, a indicação do governo para o Ministério das Comunicações foi feita ao deputado Paulo Azi (União Brasil-BA), que rejeitou o convite. Juscelino Filho é apontado na Câmara como um "plano B" de Alcolumbre a Lula.

O deputado Kim Kataguiri admite que deputados do União Brasil rechaçam o titular da pasta das Comunicações como uma indicação da bancada na Câmara e concorda com o dirigente de seu partido que, ainda assim, o governo não tem motivos para promover retaliações a membros da legenda. "Ainda não passou por nenhum desafio, não sabe o quanto tem de voto e sabe que não tem maioria consolidada", destaca. "Fora os os partidos de esquerda, o MDB e o PSD, não vejo outros cujas bancadas estejam satisfeitas com as nomeações", afirma.

Dos 37 ministérios de Lula, 24 são indicados por Lula ou pelo PT, pondera Kataguiri. "O governo está muito frágil, eles tomaram passos demais e estão demorando muito para fazer nomeações de segundo ou terceiro escalão, ainda passa muita coisa por filtro, eles estão com a imagem do poder de 2003 sem ter a noção de dois terços da população não votaram no Lula", comenta o parlamentar, que é de oposição ao governo.

Até o momento, o presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar, ainda negocia cargos e os termos da governabilidade junto ao Planalto. Dirigentes da legenda dizem que Lula e ministros encampam uma falsa imagem de que o partido esteja na base, quando, na verdade, não está.

Kim Kataguiri defende PL que prevê regras para uso de aviões da FAB

Em relação ao uso indevido de aeronave da FAB por Juscelino Filho, o deputado Kim Kataguiri entende que o momento é oportuno para avançar a tramitação do Projeto de Lei (PL) 3392/2021, de sua autoria, que prevê regras para o uso de aeronaves oficiais, próprias da União ou alugadas.

A intenção do projeto é moralizar o uso de aviões da FAB por agentes públicos, não apenas ministros de Estado. "O projeto trata do uso pelos presidentes da República, do Senado, da Câmara, do Supremo, e outros agentes públicos que o acompanhem, em caso de missão oficial", comenta.

O objetivo é regulamentar o uso e limitar o acesso por ministros e servidores de um serviço que, hoje, não é transparente. "Esse é um projeto que eu pessoalmente trabalhei muito na revisão", diz. Em caso de aprovação e sanção presidencial, a redação prevê que todas as informações precisariam ser claras e transparentes, como o nome dos passageiros, o órgão, o itinerário, a aeronave usada, a justificativa da missão e os responsáveis pela autorização da viagem.

O texto está parado na Comissão de de Viação e Transportes da Câmara e Kataguiri promete empenho para que a medida possa avançar. Contudo, reconhece que é uma missão desafiadora. "O meu projeto já poderia ter sido aprovado há muito tempo, agora, infelizmente, falamos de um ministro deputado. Há um corporativismo, dificilmente a Câmara vai punir os seus [membros]", afirma.

"A gente fala também de um presidente da República que falou que o orçamento secreto é o maior escândalo, mas chamou para a equipe ministerial deputados e senadores que [fizeram indicações de destinação de verbas] do orçamento secreto [para comandar pastas no Palácio do Planalto]. Não tenho a menor perspectiva de que Lula fique constrangido com um escândalo desses, [que envolve] um avião da FAB", complementa.

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