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PT entrou com o próprio pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro após evitar endossar ação semelhante encabeçada por outros partidos de oposição.
PT entrou com o próprio pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro após evitar endossar ação semelhante encabeçada por outros partidos de oposição.| Foto: Lula Marques/PT na Câmara/Flickr

A formação de uma frente única de oposição ao governo Jair Bolsonaro, que sofre desgaste por causa da pandemia de coronavírus e da tensão com os demais poderes, por enquanto não passa de um discurso. Mesmo com a crise de popularidade do governo, os partidos de esquerda não conseguem "falar a mesma língua".

Dois episódios recentes ilustram bem a situação: o endosso ao pedido de impeachment de Bolsonaro e às manifestações de rua. Partidos como PDT e PSB lançaram em abril o movimento Impeachment Já, com outros partidos, logo após o pedido de demissão do ex-ministro Sergio Moro. O PT foi convidado a aderir ao movimento, mas se recusou afirmando que ainda não era hora. Mas, no fim de maio, os petistas apresentaram um pedido de impeachment em separado, com apoio do Psol e do PCdoB.

O desentendimento sobre as manifestações ocorreu na quinta-feira (5) e mais uma vez teve o PT como protagonista. No dia anterior, diante do risco de haver novos casos de violência, partidos de oposição ao governo no Senado, incluindo o Partido dos Trabalhadores, recomendaram que as pessoas não fossem às manifestações previstas para o último domingo (7).

Mas, em nota assinada por lideranças petistas, o partido contrariou os colegas de oposição e aconselhou a ida às ruas. "São ações legítimas, protegidas pelo artigo 5º da Constituição, que garante de forma expressa o direito às liberdades de expressão, reunião e de associação”, segundo o comunicado assinado pela presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), pelo líder do partido na Câmara dos Deputados, Enio Verri (PR), e pelo líder da sigla no Senado, Rogério Carvalho (SE). No fim, os protestos ocorreram sem maiores problemas.

Para o cientista político Mário Sérgio Lepre, falta à esquerda alguém que personalize a oposição ao governo e unifique a oposição. “De certa forma o lado bolsonarista é o Bolsonaro. E quem é a cara da oposição? Não tem”, diz. “Você vê uma sociedade polarizada, com um apoio [ao presidente] que não cessa e uma oposição que cresce, mas não é representada”, resume.

A última pesquisa Datafolha, divulgada em maio (leia a metodologia no final deste texto), mostrou que 43% dos brasileiros consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo. Foi o percentual mais alto desde o início do mandato. Em abril de 2019, era 30% Em compensação, o percentual de eleitores que consideram o governo ótimo ou bom se mantém estável na faixa dos 30% desde 2019. Na última pesquisa, eram 33%.

Líder da oposição na Câmara, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) acredita que não é o momento de dar um rosto às pautas da oposição. “Nós não estamos personalizando nossas pautas, estamos trabalhando com as pautas. Não temos como, evidentemente, ficar reduzindo uma pauta à figura de uma liderança carismática”, disse. “Essa é uma estratégia de soma de vários partidos sem querermos atrelar isso a uma eventual liderança única”, completa.

Figueiredo destaca que há uma oposição organizada na Câmara e no Senado. “Nós temos tido uma posição praticamente uníssona no Parlamento e até extrapola a questão da oposição”, garante.

Além de acordos em torno de pautas referentes ao enfrentamento à Covid-19, o líder da oposição destaca que os partidos estão unidos contra ameaças às instituições democráticas. “Nós temos trabalhado dentro dessa perspectiva de somar força, mesmo não sendo do nosso campo ideológico, mas que tenha a pauta da defesa da democracia em suas bandeiras”, afirma.

Hegemonia do PT atrapalha oposição uníssona

Os partidos de esquerda tentam costurar alianças pragmáticas no Congresso desde o início do mando de Bolsonaro, mas o que se vê hoje são dois grupos distintos.

Um deles, liderado pelo PT, conta com apoio do Psol e do PCdoB. Outra frente é formada por partidos como PDT, PSB, Rede e PV. Apesar de esses grupos muitas vezes se alinharem na oposição ao governo dentro do Congresso, é muito pouco provável que consigam chegar a um acordo para uma candidatura única em 2022.

“Primeiro tem a questão do PT e a hegemonia do [ex-presidente] Lula. Esse ambiente em que o líder máximo não delega, você não tem uma capilaridade de lideranças no PT. Eles ficam na dependência de um líder que está inelegível”, explica o cientista político. Condenado em dois processos na Justiça por corrupção, Lula não pode se candidatar a nada por causa da Lei da Ficha Limpa.

“Existe uma divergência grande e é muito difícil ter unidade, mas muito disso vem do ambiente em que Lula é um líder e não consegue fazer frutificar novas lideranças”, lembra Lepre.

Figueiredo não vê os partidos de esquerda desunidos na oposição ao governo. Mas concorda que a estratégia do PT de sempre buscar a hegemonia atrapalha. “Eles sempre quiseram estar na linha de frente e outros partidos que se virem”, diz.

“O PT tem uma estratégia, a partir das declarações do presidente Lula, que está muito claro, que ele não quer somar outras forças do chamado centro nesse enfrentamento ao governo Bolsonaro”, diz Figueiredo.

“Nós já temos uma compreensão diferente. Achamos que existem forças que, sim, podem estar conosco nesse momento e quando for o período eleitoral, eventualmente, cada um segue seu rumo. Mas nesse momento é importante que todas as forças que defendem a democracia estejam unidas”, defende o líder.

Iniciativas da oposição são descentralizadas

Por enquanto, a esquerda tem adotado estratégias descentralizadas na oposição ao governo. Nem o pedido de impeachment foi uma unanimidade entre os partidos. O PT resistiu a aderir ao pedido coletivo de impeachment do presidente articulado por PDT e PSB, entre outros. No fim, apresentou um pedido em separado, com apoio do Psol e do PCdoB.

Lula também não quer assinar manifestos de juristas e personalidades contra Bolsonaro e ainda sugere que o PT também não assine o documento. Os manifestos suprapartidários em defesa da democracia foram articulados à revelia da oposição, pela sociedade civil.

"Li os manifestos e acho que tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora. Não se fala em classe trabalhadora, nos direitos perdidos", afirmou o ex-presidente sobre as iniciativas. Ele se disse incomodado com a presença de nomes nos manifestos que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"Sinceramente, eu não tenho mais idade para ser maria vai com as outras. O PT já tem história neste país, já tem administração exemplar neste país. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas", afirmou.

Outra ação de contraponto ao governo foi articulada por torcidas organizadas no dia 31 de maio. Os torcedores promoveram manifestações contra o governo, também à revelia de partidos de esquerda.

Para o líder da oposição na Câmara, porém, as iniciativas descentralizadas não atrapalham o contraponto ao governo. “Mais cedo ou mais tarde todas as forças que se contrapõem à pregação autoritária que vem do governo federal, naturalmente estarão no mesmo caminho, talvez definindo estratégias diferenciadas”, disse.

Figueiredo elogiou a criação de manifestos da sociedade civil que Lula se recusa a assinar. “A gente também saúda movimentos virtuais, como Estamos Juntos, Basta!, o que realmente é uma mobilização da sociedade civil de forma bem generalizada”, disse.

O movimento Estamos Juntos foi lançado recentemente e engloba empresas, organizações e instituições brasileiras em defesa da “vida, a liberdade e a democracia”. Já o Basta! foi lançado por profissionais da área do direito. Há, ainda, o movimento “Somos 70%”, que começou a ser mobilizado pelo economista Eduardo Moreira, em contraponto aos 30% de brasileiros que consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom.

“Mais cedo ou mais tarde nós repetiremos, talvez, o que foi feito na década de 80 com o Diretas Já! para que possamos ter um movimento suprapartidário e que envolva todos os setores da sociedade civil que sabem o valor que tem a democracia”, disse o líder da oposição na Câmara.

Falta de unidade não é problema só da esquerda

A falta de unidade em torno da oposição não é uma exclusividade da esquerda no Brasil, segundo Lepre. “Mesmo quando o PT estava no poder, a oposição, liderada pelo PSDB, também tinha dificuldade na construção de uma aliança que representaria o grupo”, lembra.

Isso acontece, segundo o cientista político, porque as relações políticas no Brasil são individualistas. Ele cita o exemplo de políticos como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), além de nomes como o de Ciro Gomes (PDT), que dificilmente abrirão mão de uma candidatura à Presidência em nome de uma grande aliança com outras siglas. “Hoje não vejo a menor possibilidade de ter uma aliança [entre eles]”, avalia Lepre.

“Vamos imaginar que o Ciro seja alternativa de centro esquerda, mas abandonar a prerrogativa de disputar [em nome de uma aliança maior] é algo que não existe no ambiente político brasileiro”, destaca o cientista político. O próprio pedetista já foi vítima desse "egoísmo" da esquerda e não perdoa Lula e o PT por isso até hoje.

Na corrida eleitoral de 2018, com a impossibilidade do ex-presidente petista se candidatar, Ciro Gomes estava melhor nas pesquisa eleitorais do que Fernando Haddad. O PT, porém, não quis apoiar a candidatura do PDT e ainda trabalhou nos bastidores para impedir que o PSB fizesse isso. A história mostrou que a estratégia foi acertada, pelo menos para o PT — Haddad chegou ao segundo turno —, mas Ciro nunca se conformou.

Lepre faz uma analogia com outros países que conseguiram construir alianças maiores. No Chile, uma coalizão de quatro partidos de centro e de esquerda, a “Corcertación”, governou o Chile por 20 anos desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet até 2010.

Na Espanha, houve o Pacto de La Moncloa. O pacto surgiu após a ditadura Franco (1936-1975), quando o país enfrentava uma forte crise econômica e social. O pacto foi oficializado em dois documentos e unia todos os partidos: esquerda, centro e direita.

Já em Portugal, a Geringonça uniu a esquerda no país por quatro anos, até 2019. A união dos partidos, que nunca haviam estado juntos no mesmo governo, aconteceu em 2015. “Isso no Brasil, no momento, não existe. Não sei se virá a existir”, ressalta Lepre.

Frente única para 2022 está descartada

Apesar de acreditar que um movimento suprapartidário deve crescer em oposição a Bolsonaro, Figueiredo não acredita que essa união vai se converter em aliança eleitoral para 2022.

“Isso só o tempo dirá. Talvez ocorram algumas alianças, mas não uma aliança única, pelo menos no primeiro turno. Talvez no segundo turno, em havendo um enfrentamento contra o que representa o Bolsonaro, aí sim essa união se repetiria”, avalia o parlamentar.

Lula já disse que não estará em uma chapa com Ciro Gomes e Marina Silva (Rede) em 2022. O petista afirmou recentemente que, nas próximas eleições, “cada um vai tocar o seu projeto”.

“Teremos duas candidaturas de esquerda, talvez três”, avalia Figueiredo em relação às eleições de 2022. “Uma apenas para constar, dos partidos mais extremados na esquerda; uma do PT; e uma de outro campo da esquerda que deve se juntar. Serão três candidaturas da esquerda e no segundo turno estaremos juntos com as forças de centro”, prevê o líder.

“Essa é nossa estratégia e não atrapalha, muito pelo contrário, pode até somar mais [apoio]”, avalia o deputado.

* Levantamento realizado pelo Datafolha e divulgado no dia 28 de maio. A pesquisa foi realizada entre os dias 25 e 26 de maio e ouviu 2.069 pessoas maiores de idade, por telefone. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais.

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