A oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro terá uma nova oportunidade de avançar em suas investigações quando o colegiado retomar os trabalhos em agosto, após o recesso do Congresso. Apesar de ser minoritária e enfrentar resistência do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de parte da mídia, os oposicionistas esperam apresentar evidências da possível omissão ou até colaboração do Planalto com os atos de vandalismo. Eles pretendem fazer isso por meio de requerimentos de informações aos órgãos federais, aprovados pelo colegiado na última terça-feira (11), após um descuido dos governistas.
A chance da oposição se dá por meio do acesso do colegiado aos planos de voo de Lula durante o fim de semana dos atos na Praça dos Três Poderes, bem como às imagens das câmeras de segurança do Ministério da Justiça. Esses pedidos estavam entre os quase 100 aprovados em bloco, por votação simbólica e acordo proposto pelo presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA).
Com a entrega desses materiais dentro de um prazo inicial de 10 dias, os oposicionistas esperam fortalecer a suspeita de omissão por parte de Lula diante da ausência das forças federais de segurança durante os ataques, apesar dos avisos dos serviços de inteligência, e do fato de ter deixado Brasília e se deslocado até Araraquara (SP) para acompanhar o resgate de vítimas após fortes chuvas.
Além disso, os parlamentares da oposição cogitam a possibilidade de os vídeos do Palácio da Justiça - sede do Ministério da Justiça e Segurança Pública - comprovarem a presença de Flávio Dino no local no domingo, conforme o próprio ministro revelou numa entrevista e depois negou.
A CPMI foi criada pela insistência da oposição, mas até agora não conseguiu estabelecer um caminho próprio de investigação devido à resistência dos governistas em ir além das apurações conduzidas pela Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os eventos ocorridos na Praça dos Três Poderes.
Presença de Dino e ausência de Lula serão investigadas
Após a base aliada perceber o que havia sido aprovado, incluindo os pedidos da oposição, a relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), solicitou que Maia revertesse a votação, mas não teve sucesso. Um dos requerimentos aprovados foi o do deputado André Fernandes (PL-CE), que busca obter detalhes sobre o plano de voo do presidente Lula, incluindo informações sobre mobilização e envio de segurança, especialmente durante os dias 6 e 8 de janeiro.
“A intervenção na segurança pública do Distrito Federal foi decretada pelo presidente a partir de Araraquara. Assim, é importante compreender as circunstâncias que antecederam as invasões e que o levaram a se deslocar para fora da capital”, argumentou Fernandes.
O deputado requereu documentos contendo a identificação de todos os servidores ou agentes públicos envolvidos, a descrição detalhada dos locais frequentados por Lula e por qualquer integrante de sua comitiva. Ele ainda quer os contatos do coordenador de segurança local do presidente e do chefe da Secretaria de Segurança Presidencial (SPR), da Presidência. “As informações são fundamentais”, sublinhou.
Ao pedir acesso à íntegra das imagens das câmeras internas e externas do Ministério da Justiça, das 6h da manhã de 8 de janeiro às 23h59 do mesmo dia, Fernandes destacou que é função da CPMI ajudar a identificar a individualização das condutas de cada um dos envolvidos na invasão e depredação dos locais.
Em complemento a isso, há o pedido do deputado Delegado Ramagem (PL-RJ) que requisitou à Força Aérea Brasileira (FAB) detalhes sobre os planos de voos da viagem a Araraquara.
“A CPMI deve desvendar tanto circunstâncias quanto responsáveis pelos atos que resultaram nos atos, seja por ação, seja por omissão”, justificou. Ramagem quer documentos que atestem a data e horário em que a solicitação do deslocamento (ida e volta) foi feita, a rota e as eventuais alterações de cronograma, incluindo as escalas e conexões previstas.
Oposicionistas veem avanços enquanto fazem novos pedidos
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) expressou satisfação com a aprovação de requerimentos “importantes para o avanço das investigações”. Ele ressaltou a importância das imagens do Ministério da Justiça e do plano de voo da Presidência da República, relacionando-os à provável omissão do governo no dia, apesar dos alertas da Abin, e ao fato de o presidente ter sido levado para São Paulo enquanto a Praça dos Três Poderes estava sendo atacada.
O senador mencionou ainda a importância do pedido de informações sobre os hóspedes dos hotéis de Brasília durante os atos para identificar possíveis infiltrados e de se compreender o paradeiro da Força de Segurança Nacional.
Girão lamentou, contudo, que outros requerimentos tenham sido retirados da pauta da CPMI, como a convocação de um fotógrafo de uma agência de notícias para esclarecer o seu papel ao registrar os invasores enquanto cometiam atos de vandalismo, e a identificação de servidores do GSI vistos nas imagens oferecendo água aos manifestantes durante a invasão do Palácio do Planalto.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirma que a CPMI deve focar nas omissões, cujas investigações não têm andado. Ele destaca a necessidade da quebra do sigilo telemático do ministro Flávio Dino, presente em muitos pedidos da oposição já rejeitados ou ainda não aprovados. Ele argumenta que, mesmo Dino tendo telefonado ao governador do Distrito Federal e ouvido dele que “tudo estava sob controle”, o ministro não tomou medidas com base nas informações que tinha desde sexta-feira e apesar de ter o Batalhão da Guarda Presidencial para proteger o palácio.
“Havia um plano de ação aprovado pelo Supremo, Congresso, Planalto e órgãos de segurança pública que não foi implementado, mesmo se sabendo que algo aconteceria”, observou.
Na avaliação do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), que também faz parte da CPMI, a Polícia Federal (PF) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) trabalham apenas em prol do governo nas investigações, buscando informações que justifiquem a narrativa da relatora. Para ele, o governo, Dino, a Abin e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tinham ciência do que ocorreria no domingo, o que sugere irresponsabilidade e negligência por parte dessas instituições.
O deputado diz ter uma dúvida a ser esclarecida: se Lula foi informado na noite do dia 7 ou se ele recebeu a informação na manhã do dia 8. Na opinião dele, Lula teria “fugido de Brasília”. Ele destaca a necessidade de investigar a viagem a Araraquara, considerando que uma operação desse tipo envolveria dezenas de pessoas. Para o parlamentar, o governo ocultou fatos, não agiu para impedir os atos e contribuiu para que o Brasil não conhecesse "a verdade sobre o 8 de janeiro".
Governistas querem investigar financiadores e blindar Flávio Dino
Por sua vez, os aliados de Lula e Dino apostam no cerco a financiadores das invasões do 8 de janeiro. Além disso, a maioria dos membros da CPMI está empenhada em incriminar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como mentor de uma suposta trama golpista. No entanto, os depoimentos até o momento não trouxeram informações novas e ainda levantaram suspeitas de abuso por parte das autoridades judiciais contra os de presos.
Em outra frente de atuação, Flávio Dino conta com o apoio de um grupo atuante dentro do colegiado, conhecido como “Bancada do Dino”, para se resguardar das investidas da oposição na CPMI. Esses membros próximos são importantes para proteger os interesses do governo e de Dino em debates e investigações da CPMI.
Além dos membros governistas, especialmente os de partidos de esquerda, o ministro da Justiça também conta com aliados próximos. Entre eles estão Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e os seis parlamentares maranhenses do seu grupo político, liderados pela relatora senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O grupo inclui a sua própria suplente, a senadora Ana Paula Lobato (PSB), bem como os deputados Duarte Júnior (PSB), Amanda Gentil (PP), Aluísio Mendes (Republicanos) e Rubens Pereira Júnior (PT).
Analistas apostam em surpresas antes do término do colegiado
Segundo políticos e analistas, mesmo apesar de já terem se passado dois dos seis meses da CPMI com muita incerteza, a comissão parlamentar ainda pode surpreender nos dois terços de duração que ainda restam.
Nesta segunda-feira (17), a Folha de S. Paulo informou que relatórios da Abin indicam que transportadoras, empresas envolvidas com garimpo ilegal e frotistas de caminhões participaram dos atos do 8 de janeiro em número superior ao de caminhoneiros autônomos. Documentos entregues à CPMI pela agência revelam que 272 veículos de transporte de carga entraram em Brasília a partir de novembro para atuar nas manifestações, sendo a metade pessoas jurídicas e o restante com participação societária em empresas agropecuárias. No relatório elaborado em março e distribuído a órgãos do governo federal, a Abin apontou conexões com um empresário que teria ajudado a promover arrecadação de dinheiro para os atos.
Após o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, principal ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, no qual ele permaneceu em silêncio na última terça-feira (11), os governistas agora esperam que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres seja ouvido na primeira semana após o recesso parlamentar. Eles veem essa oitiva como uma oportunidade de impulsionar a tese de suposta premeditação de um golpe de Estado, caso haja uma eventual confissão por parte de Torres ou a quebra de sigilos revele informações nesse sentido.
Além disso, há expectativa de convocação de familiares de Mauro Cid para prestar esclarecimentos à comissão. A relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), destacou que as oitivas estão seguindo uma sequência temporal dos acontecimentos que levaram aos atos ocorridos em 8 de janeiro.
CPMI
Proposta pela oposição, por iniciativa do deputado André Fernandes (PL-CE), a comissão teve a sua instalação impedida por várias manobras do governo em parceria com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com número suficiente de assinaturas e a pressão gerada pela revelação das imagens com a presença do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marco Gonçalves Dias, responsável pela segurança do Palácio, interagindo com seus invasores, o governo mudou radicalmente a estratégia e conseguiu impor maioria no instrumento das minorias.
Na formação da comissão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicou um aliado com capacidade de diálogo, o deputado Arthur Maia (União-BA), que vem buscando manter a neutralidade, impedindo danos maiores à atuação da oposição, mas garantindo o plano de trabalho da relatora governista, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Em 14 de junho, Maia se reuniu com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito que investiga os atos de 8 de janeiro, para solicitar o compartilhamento de dados das investigações da Polícia Federal (PF). Eliziane esperava que requerimentos subsidiassem a atuação da sua equipe, que reúne técnicos do Senado, da Receita e dois delegados federais. Entretanto, Moraes tem sido cauteloso na liberação. Os oposicionistas, por sua vez, se queixam de seletividade no envio de dados da Abin, apenas em favor do governo.
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