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Ativismo judicial

Oposição se mobiliza contra novo projeto de Pacheco que pode dar mais poderes ao Judiciário

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Senador Rogerio Marinho (PL-RN) é um dos críticos do PL do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) sobre processos estruturais (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

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Parlamentares de oposição iniciaram uma mobilização para barrar o Projeto de Lei 3/2025, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em seu último dia como presidente do Senado. A proposta, em tese, tem como objetivo disciplinar os chamados processos estruturais, mas a oposição considera que se trata de uma ameaça à independência entre os poderes e argumenta que a medida tende a ampliar a influência do Judiciário na formulação de políticas públicas.

Os processos estruturais são ações judiciais, geralmente apresentadas por minorias ou grupos sociais, para tratar de casos em que direitos coletivos foram violados. Um exemplo é a ação sobre o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, que começou a tramitar em 2015 e resultou na elaboração do plano Pena Justa, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado com uma série de medidas controversas para diminuir a superlotação de presídios.

A proposição apresentada por Pacheco regulamenta essa prática, que já vem sendo aplicada em ações coletivas ou ações civis públicas não somente no STF, mas também em outras instâncias do Poder Judiciário. O projeto permite, por exemplo, que o juiz dirija as partes para a elaboração de um plano de atuação estrutural (artigo 9º), faça recomendações quando o consenso não for alcançado (artigo 10, § 2º) e, em casos complexos que exijam ações urgentes, permite que as decisões temporárias sejam tomadas sem ouvir todos os envolvidos (artigo 10, § 4º).

O senador mineiro, que é advogado e já demonstrou interesse em assumir uma vaga de ministro no STF, argumenta que a proposta tem ênfase "no consenso e na construção compartilhada de soluções para litígios coletivos complexos", ampliando o contraditório e a participação dos grupos impactados nos processos estruturais e garantindo a segurança jurídica para todos os envolvidos. 

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, porém, apontam que a proposta pode ser mais uma fonte de insegurança jurídica, com potencial de agravar o ativismo judicial. Para o advogado constitucionalista Georges Humbert, o projeto está "repleto de textos normativos de conceitos jurídicos indeterminados, que dão margem a interpretações diferentes para uma mesma situação".

Ele também avalia que o projeto "potencializa o indesejado e o inconstitucional ativismo judicial, que tomou os tribunais, de forma mais acentuada, a partir de 2019, em detrimento dos poderes legitimados” – o Legislativo e o Executivo. 

Parlamentares de oposição reforçam o posicionamento de que, se o PL 3/2025 for aprovado, boa parte das políticas públicas com algum grau de controvérsia poderá ser decidida pelo Judiciário.

“Sempre que houver uma ação que eles [Judiciário] entendam que é coletiva e que tenham interesse, uma urgência, que seja algo que deve ser decidido rapidamente, haverá um processo estrutural. É uma mudança na estrutura dos Três Poderes, ferindo a independência entre eles”, disse a deputada federal Bia Kicis (PL-DF).

Líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN) afirma que “STF virou um superpoder que tudo decide”. “Você assiste ao Supremo Tribunal Federal discutindo o preço de jazigo de cemitério em São Paulo, de altura do muro na Cracolândia, da forma como é utilizada uma câmera corporal numa abordagem policial, a maneira como se combatem incêndios no Brasil, chegando ao detalhamento do número de brigadistas que precisam ser empregados em cada uma dessas contingências”, listou o senador.

O PL 3/2025 foi elaborado a partir dos trabalhos de uma comissão de juristas criada por Rodrigo Pacheco em 2024, sob a presidência do ex-procurador-geral da República Augusto Aras. A proposta ainda não teve andamento no Senado, mas Marinho já afirmou que está mobilizando a bancada contra o texto.

“Estarei na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça do Senado] para barrá-la”, disse o líder da oposição em entrevista ao jornalista Cláudio Dantas.

Analistas alertam para subjetivismos e captura por lobbies 

Os questionamentos levantados pelos analistas ouvidos pela Gazeta do Povo estendem-se para os elementos que caracterizariam os problemas estruturais. Na proposta, os itens listados são a multipolaridade, o impacto social, prospectividade, natureza incrementada e duradoura das intervenções necessárias, complexidade, existência de situação grave de contínua e permanente irregularidade, por ação ou omissão; e intervenção no modo de atuação de instituição pública ou privada. 

Para Humbert, esses critérios não são objetivos, o que dá ampla liberdade para que os juízes decidam quais processos são estruturantes ou não. Ele cita como exemplos de critérios objetivos causas acima de um determinado valor, ou que envolvam mais de um ente da federação, e reforça que os subjetivismos do projeto resultarão em "mais ativismo judicial e menos densidade do legislador e do Poder Executivo”.

A proposta de Pacheco, segundo o especialista, também estaria repleta de pontos que podem ocasionar insegurança jurídica. Ele cita, por exemplo, a redação do artigo 1º, onde se lê que “os problemas estruturais são aqueles que não permitem solução adequada pelas técnicas tradicionais do processo comum, individual ou coletivo”.

“Quem vai dizer se o problema permite ou não ser solucionado pelas técnicas comuns? E o que são técnicas comuns ou incomuns?”, questionou Humbert.  

Na avaliação do professor de Direito Constitucional Alessandro Chiarottino, a proposta tem pontos positivos, como dar maior colegialidade às decisões de questões complexas que envolvem um grande número de pessoas, com a oitiva de órgãos da sociedade civil. Mas ele pondera que, no cenário de ativismo judicial instalado no país, a proposta pode gerar mais problemas.

“Há demandas que precisam de uma solução unificada, um diálogo com agentes participantes, com a sociedade civil. Tudo isso é bastante desejável em certos casos, mas temos essa situação em que o ativismo é muito presente e existe o temor do Poder Legislativo sobre os efeitos dessa norma”, disse Chiarottino. Ele salientou que nesse contexto o "Judiciário vai traçar políticas, desenhá-las, acompanhar seu desempenho e aplicar multas parece excessivo".

O projeto ainda traz a possibilidade de “oitiva de pessoas e entidades, públicas ou privadas, bem como de representantes do grupo afetado”. Nesse trecho, Chiarottino alerta para o risco de captura de pautas por lobbies, a exemplo do que ocorre no STF quando partidos pequenos entram com ações que atacam alguma política pública.

Os analistas ouvidos pela reportagem também afirmam que já existem regras para nortear os processos judiciais, sejam eles estruturais ou individuais, como referências à Lei de Introdução ao Direito Brasileiro e ao Código de Processo Civil.

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