Em paralisação parcial desde janeiro, servidores federais da área ambiental estão ameaçando uma greve diante da falta de avanço nas negociações sobre reestruturação de carreiras com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Até agora, as mobilizações da categoria resultaram na redução do número de fiscalizações e de multas aplicadas, e também tiveram impacto na emissão de licenças ambientais, segundo os próprios servidores. Além do potencial de atrasar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a dificuldade do governo em lidar com a situação evidencia as dificuldades de Lula 3 na área ambiental.
Desde outubro de 2023, servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) passaram a priorizar o trabalho interno, sem fazer atividades externas, também chamadas de "trabalhos de campo". Em janeiro, a paralisação (também chamada de "operação padrão") começou, com a reivindicação de uma revisão dos níveis salariais existentes e alterações no vencimento básico e nas gratificações de desempenho e de qualificação. O governo federal ofereceu um reajuste de 9% em duas parcelas para 2025 e 2026, mas os servidores continuam insatisfeitos com a contraproposta.
“Sem avanços, em abril teremos uma paralisação geral de até duas semanas. Se ainda assim não formos atendidos, pode haver greve”, disse o presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), Cleberson Zavaski.
Apesar dos discursos de valorização da pauta ambiental, o governo petista tem dificuldades de emplacar ações e conquistar o almejado protagonismo internacional no tema. Neste sentido, aproveitando a passagem do presidente francês, Emmanuel Macron, no Brasil, os servidores organizaram manifestações para chamar a atenção para suas reivindicações.
"Chegou a hora de contarmos ao mundo que o país que sediará a COP-30 não valoriza seus servidores ambientais", diz uma publicação feita nas redes sociais de associações de servidores, referindo-se à 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será sediada em Belém, no Pará, em novembro de 2025.
Além da ameaça de greve no Ibama e no ICMBio, o governo tem deixado a desejar em outras pautas de sua agenda ambiental e indígena. É o caso do recorde de queimadas no Brasil no mês de março, especialmente na Amazônia; e do aumento das mortes de indígenas Yanomami no seu primeiro ano de mandato – de 343 em 2022 para 363 em 2023, mesmo com a destinação de recursos bilionários para ações no território Yanomami.
Paralisação faz multas por crimes ambientais despencarem
Na semana passada, Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) divulgou dados sobre os efeitos da paralisação da categoria. Os números de infrações, que tiveram um salto no primeiro ano do governo Lula, estão em queda nos primeiros meses de 2024.
Desde a paralisação de atividades em campo pelos agentes de fiscalização do Instituto Chico Mendes, as multas por crimes ambientais cometidos em unidades de conservação caíram 57,6%. Na Amazônia, a redução foi ainda mais significativa: 83,7% – considerando-se apenas o mês de março, a redução já chegou a 92% na região amazônica.
Ainda de acordo com a Ascema Nacional, no mesmo período do ano passado, os fiscais lavraram 471 autos de infração na Amazônia. Já em 2024, o acumulado é de 77 multas. Para efeitos de comparação, esse número é inferior a todo mês de janeiro de 2023.
Paralisação do Ibama afeta desde a fiscalização ambiental até a importação de veículos
Além da queda no número de infrações registradas desde o início da “operação padrão”, diversas áreas estão sendo afetadas. Os servidores do Ibama são responsáveis, por exemplo, pelo licenciamento ambiental.
Dados divulgados pela associação da categoria apontam que o órgão emitiu 54 licenças ambientais em janeiro de 2023. No mês de 2024, o número caiu para 19, o que corresponde a uma queda de 64,8%.
“A Ascema Nacional destaca ainda que as licenças e autorizações concedidas em janeiro de 2024 são de análises concluídas pelos servidores ainda em 2023 e que apenas aguardavam aprovação final na cadeia hierárquica. Isto sugere que a queda observada em janeiro de 2024 tende a ser ainda mais acentuada nos meses subsequentes”, diz a nota divulgada pela associação.
Ainda no que diz respeito ao licenciamento ambiental, a paralisação do Ibama e do ICMBio impacta no andamento das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciadas pelo governo Lula. De acordo com Zavaski, há cerca de três mil obras que precisam passar pela análise de servidores do Ibama.
Com a paralisação, os trabalhos que vão além das análises burocráticas permanecem sem andamento. “Além do trabalho burocrático, é preciso realizar vistorias, audiências públicas e avaliação no local das obras”, explicou o presidente da associação de servidores.
Setores como os de importação e exportação de diversos produtos também estão sendo afetados. Na importação de veículos, por exemplo, servidores do Ibama atuam na avaliação de conformidade com as regras e parâmetros ambientais brasileiros.
Associação indica “desconexão” do governo com pauta ambiental
Os servidores do Ibama e do ICMBio buscam reestruturação da carreira, alegando que o último acordo foi firmado em 2015. Duas reuniões com integrantes do Ministério da Gestão e Inovação (MGI) já ocorreram, mas as contrapropostas do governo não atenderam às expectativas deles.
“A remuneração [oferecida pelo governo] está muito aquém da proposta dos servidores apresentada em 09/10/2023 e é incompatível com o que vem sendo apresentado para outras carreiras”, diz a nota divulgada pela associação dos servidores após a última reunião, que foi realizada no dia 28 de fevereiro. Na oportunidade, o governo reafirmou a proposta do reajuste de 9% em duas parcelas para os próximos dois anos, sendo a primeira em maio de 2025 e a segunda em maio de 2026.
Diante do não atendimento das exigências, os servidores têm demonstrado insatisfação. O presidente da Ascema Nacional, Cleberson Zavaski, disse que os servidores rechaçaram a contraproposta do governo.
“Há um fervilhamento da base. Consideramos essa última proposta um escárnio. Estamos sentindo que o governo está desconectado da retomada de políticas na pauta ambiental”, pontuou Zavaski.
Dentre as mobilizações organizadas pelos servidores, ocorreram atos durante a passagem do presidente da França, Emmanuel Macron, pelo Brasil. Em Belém, uma manifestação reuniu servidores com cartazes em português e em inglês e apitos. "Não tem Amazônia sem servidor ambiental valorizado" e "Amazônia on risk" diziam os cartazes. Em Brasília, com cartazes em francês, grupos também buscaram chamar a atenção em frente à Embaixada da França e na Esplanada dos Ministérios.
Questionado pela reportagem sobre a ameaça de greve dos servidores ambientais, o Ministério da Gestão se limitou a reafirmar sua proposta de 9% reajuste em duas parcelas.
Enquanto isso, outras carreiras já conseguiram obter acordos com o governo federal, como é o caso dos servidores da Funai, da Agência Nacional de Mineração e da carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais. No atual governo de Lula, 11 acordos para reestruturação de carreiras já foram fechados.
Porém, ainda há sete mesas de negociação específicas abertas, além da dos servidores do Ibama e ICMBio. O Sindicato Nacional dos Servidores da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), por exemplo, anunciou a deflagração de greve nacional por tempo indeterminado a partir da quarta-feira (3).
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