Em mais uma guerra de nervos entre oposição e base governista, deputados e senadores se mobilizam para derrubar os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a matérias aprovadas pelos parlamentares e vetadas pelo chefe do Executivo, na próxima sessão do Congresso Nacional, marcada para esta quinta-feira (14). Os oposicionistas se articulam com o Centrão e garantem: não admitem negociar nem o marco temporal, nem a desoneração da folha de pagamento.
Esses temas são considerados prioritários para deputados e senadores, principalmente de partidos de oposição ao governo, que consideram os vetos infundados e preocupantes.
O vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Evair de Melo (PP-ES), disse à Gazeta do Povo que “não há nenhum tipo de acordo no Congresso que permita manter o veto de Lula ao marco temporal”. Lula vetou partes do projeto, que após passar pela Câmara seguiu para o Senado e foi aprovado poucos dias após a derrubada da tese da demarcação pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Já o projeto que prorrogou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, como indústria e serviços, entre outros, foi aprovado pelo Senado em outubro, e permitia que estes setores ficassem isentos ou tivessem redução de impostos e encargos até dezembro de 2027. Neste caso, o presidente da República decidiu vetar o texto integralmente, o que provocou insatisfação e críticas entre os setores atingidos pelo veto e a classe política.
Presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), é um dos que lideram a mobilização pela derrubada do veto. “Nós não abrimos mão. Tem dois pontos aí que para nós, não adianta nem conversar: marco temporal e desoneração da folha, isso não tem conversa, não tem acordo, não tem meio termo”.
Marco Temporal: polêmica sobre demarcação de terra se arrasta desde o início do ano
No caso do marco temporal, por exemplo, a polêmica vem desde o início deste ano, quando a Câmara dos Deputados aprovou, em maio, o Projeto de Lei 490/2007, que fixou a data de 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição Federal – como data limite para a demarcação de terras indígenas no Brasil, se antecipando à análise do tema pelo plenário do STF.
Em setembro, a Corte derrubou a tese e decidiu que a demarcação independe do fato de que as comunidades indígenas estivessem ocupando ou disputando a área na data da promulgação da Constituição de 1988.
Menos de uma semana após a decisão do STF, numa reação ao que chamaram de ‘usurpação’ de poderes do Legislativo, deputados e senadores iniciaram um movimento de obstrução no Congresso, paralisando as atividades dos plenários da Câmara e Senado no primeiro dia, com apoio de diversas frentes parlamentes, entre elas a da Agropecuária, uma das mais influentes no Parlamento, e aprovaram o marco temporal no Senado Federal.
Este texto, enviado para sanção do presidente, teve trechos vetados, entre eles artigos que tratam da obrigatoriedade de indenização a proprietários de terra em disputa; a necessidade de indenizar benfeitorias realizadas em áreas em disputa; e a permissão para que não-indígenas, que tivessem posse da área demarcada, pudessem usufruir da terra objeto da demarcação até que fosse concluído o procedimento demarcatório e indenizadas as benfeitorias; entre outros pontos.
O mal estar em torno dos vetos aumentou nos últimos dias, com a declaração do presidente Lula, durante a COP-28, em Dubai, que ao admitir a possibilidade de derrubada do veto ao marco temporal, disse que “a gente tem que se preparar para entender que ou nós construímos uma força democrática capaz de ganhar o poder Legislativo, o poder Executivo, e fazer a transformação que vocês querem, ou nós vamos ver acontecer o que aconteceu com o Marco Temporal".
"Querer que uma raposa tome conta do nosso galinheiro é acreditar demais. E nós temos que ter consciência do papel da política que a gente tem que fazer”, afirmou o petista.
Em resposta, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) divulgou nota em que afirma que as falas de Lula criminalizam o Legislativo. O presidente da bancada, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirma ter os votos necessários para derrubar o veto.
Desoneração da folha: Frentes lançam manifesto em defesa da prorrogação
Em outra frente, deputados e senadores também marcaram posição sobre a necessidade de derrubada do veto do presidente Lula à prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. Reunidas, 11 frentes parlamentares, como a de Comércio e Serviços, Empreendedorismo, e Construção Civil lançaram manifesto pela derrubada.
O manifesto diz que a desoneração “tem sido fundamental para a manutenção e geração de empregos em setores chave da economia, que a manutenção de empregos e o estímulo à atividade econômica também geram receitas por meio do consumo e do recolhimento de outros impostos" e que “a derrubada do veto é o caminho mais acertado para dar segurança e garantir os empregos”.
O presidente da Frente do Empreendedorismo, Joaquim Passarinho, afirma que “esse veto prejudica o emprego no Brasil e nós vamos defender sempre a geração cada vez maior de emprego”. Segundo o deputado, foram meses tratando do tema no Congresso, e o governo nunca viu problemas no texto, até vetar integralmente o projeto aprovado, prometendo que a Fazenda se encarregaria de nova proposta.
Nesta segunda-feira (11), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que a proposta alternativa, que continua sendo um mistério, seria apresentada após a votação da reforma tributária na Câmara dos Deputados.
O texto vetado por Lula, que foi aprovado tanto pelos deputados quanto pelos senadores, estende a desoneração, que vence no próximo dia 31 de dezembro, até 2027, permitindo assim que as empresas que integram os 17 setores beneficiados pela medida, e as que mais empregam no país, substituam a alíquota previdenciária de 20% sobre os salários por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
Um dos setores prejudicados pelo veto do presidente Lula à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos é o de serviços, onde se inserem as empresas de comunicação, responsáveis por empregar milhares de pessoas, e que poderá sentir os impactos negativos da medida caso o veto não seja derrubado.
Para a deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), que relatou o projeto na Câmara, "é sempre importante reforçar que estes 17 setores são responsáveis por cerca de 9 milhões de empregos. O Congresso Nacional não permitirá que o governo coloque na rua milhões de trabalhadores às vésperas do Natal.”
Segundo cálculos dos setores afetados, acabar com as alíquotas significa mais pessoas na fila do desemprego, uma vez que as empresas não conseguirão absorver essa carga, passando a demitir.
Impasse em torno de vetos tem adiado sessão do Congresso desde novembro
Desde o início de novembro, líderes tem tentado, sem sucesso, emplacar uma sessão conjunta do Congresso Nacional, que reúne deputados e senadores, para analisar outros vetos presidenciais. Depois de dois adiamentos, a sessão deve ocorrer nesta quinta-feira, quando devem ser analisados 39 vetos, parciais e totais, e outros 20 projetos de lei do Congresso Nacional (PLNs) – proposições que tratam de matéria orçamentária de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo relacionadas especialmente à abertura de crédito suplementar e especial no Orçamento.
Além dos vetos ao marco temporal e a desoneração da folha de pagamento, Lula também vetou trechos do arcabouço fiscal e do projeto que reestabeleceu o voto de qualidade no Conselho Administrativo Fiscal (Carf), matérias determinantes para o cumprimento da meta fiscal, e priorizadas no primeiro semestre do ano na Câmara dos Deputados, com empenho pessoal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e muita negociação entre parlamentares e governo.
No caso específico do Carf, o deputado Joaquim Passarinho lembra que ao ser costurado o acordo para aprovação da matéria, no início de julho, o governo se comprometeu a parcelar as dívidas do contribuinte, em caso de empate, em 12 vezes, sem juros nem correção monetária, e depois vetou essa parte. Para Passarinho, o governo deverá tentar um acordo no sentido de deixar passar o marco temporal, como aprovado, e em troca, manter o veto do Carf.
Lula também vetou partes do marco fiscal aprovado pelos parlamentares que estabelecia "travas" para que o governo não pudesse eliminar despesas para equilibrar suas contas. “É simples, você não pode tirar a conta de luz para equilibrar as contas da casa. E ele vetou isso. Aí é fácil, os programas sociais não contam no balanço, aí é fácil equilibrar meu balanço tirando despesa, e não economizando”, completa o deputado.
O parlamentar admite que sobre esses temas é possível conversar, mas sobre marco temporal e desoneração da folha “não tem conversa”. Os vetos de Lula serão derrubados com a maioria dos votos dos parlamentares de cada casa – 257 deputados e 41 senadores.
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