A ministra Damares Alves postou, às 21h do sábado (6), um vídeo em que respondia a uma pergunta sobre qual seria seu animal predileto. "Eu sempre gostei de gato, de cachorro, mas hoje com certeza é pavão", afirmou a titular da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Como pano de fundo do vídeo, a música "Pavão Misterioso", sucesso do cantor Ednardo lançado nos anos 1970.
A postagem de Damares na noite do sábado foi mais uma manifestação da expectativa criada no meio político – em especial entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL) – para o "#showdopavão", prometido para o dia seguinte. A hashtag dizia respeito a postagens de um perfil no Twitter chamado Pavão Misterioso, de autoria desconhecida, que havia publicado mensagens pela primeira vez no dia 16 de junho e prometera o retorno para o último domingo (7).
Os alvos do Pavão Misterioso: a esquerda e o Intercept
O Pavão Misterioso tem como alvo políticos de esquerda e jornalistas do site The Intercept Brasil, que ganhou notoriedade após divulgar conversas atribuídas ao ministro Sergio Moro e a integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Na primeira jornada de mensagens, a do dia 16 de junho, o Pavão Misterioso relatou um suposto "esquema" para a venda do mandato do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), que teria repassado a vaga na Câmara para o colega de partido David Miranda, marido de Glenn Greenwald, repórter do The Intercept. O processo envolveria transações em bitcoins e até empresários russos.
Para embasar as supostas "denúncias", o Pavão exibia supostos printscreens de conversas dos envolvidos no aplicativo Telegram – procedimento parecido ao utilizado pelo Intercept para os diálogos atribuídos a Moro, o procurador Deltan Dallagnol e outros citados.
PODCAST DO DIA: O Pavão misterioso e a reação bolsonarista ao The Intercept. Ouça agora!
Na semana passada, duas semanas depois das primeiras "denúncias" do Pavão, veio à tona a informação de que o deputado José Medeiros (Pode-RN) havia pedido à Polícia Federal para investigar a suposta venda do mandato de Jean Wyllys para David Miranda.
Já o segundo "#showdopavão" incluiu os deputados federais Marcelo Freixo (PSol-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS), além do jornalista Leandro Demori, outro membro do Intercept.
Nos supostos diálogos apresentados, havia "acusações" de que Freixo não simpatizava com a ex-vereadora Marielle Franco, morta em 2018, e uma frase atribuída a Demori com grosserias direcionadas ao jornalista Diogo Mainardi, responsável pelo site O Antagonista, veículo crítico da linha editorial do Intercept.
Todos os citados pelo Pavão Misterioso negam a veracidade das conversas, e afirmam que os printscreens apresentados pelo perfil são montagens. O Twitter suspendeu o perfil no domingo (7). Ainda assim, as postagens do Pavão continuaram circulando pelas redes sociais e a influenciar a política brasileira.
Afinal, quem é o Pavão Misterioso?
A pergunta mais feita desde o dia 16 é a respeito da identidade do Pavão Misterioso. Nenhuma pessoa assumiu ser o responsável pelo perfil. Algumas publicações e adversários do governo Bolsonaro citam que o filho vereador do presidente, Carlos, poderia ser o comandante do Pavão. Carlos foi um dos responsáveis pela estratégia digital que esteve entre os fatores que levou Bolsonaro à vitória nas eleições presidenciais do ano passado.
Na tarde de domingo (7), Carlos escreveu: "Os donuts estão desesperados crendo que eu seria o tal pavão misterioso. Pelo desespero gerado em minha timeline percebo que a padaria está pegando fogo. Fazer uma militância burra e empenhada agir é fácil! Tirem os senhores suas conclusões! Ah, e cadê o pavão?".
A Gazeta do Povo procurou, por meio de sua assessoria, o vereador Carlos Bolsonaro. Mas não recebeu resposta.
Dois influenciadores digitais ligados a Bolsonaro – Bernardo Kuster e Allan dos Santos – foram também citados nas redes sociais como possíveis responsáveis pelo Pavão Misterioso. Ambos negaram. "O mais bizarro é @demori e @ggreenwald achando que eu sou o Pavão", escreveu Santos em seu perfil no Twitter, fazendo referências aos jornalistas Demori e Greenwald.
Bolsonaristas usam o caso como 'antídoto' anti-Intercept
Integrantes da base de apoio de Jair Bolsonaro tratam o Pavão Misterioso com ressalvas. Ao mesmo tempo que identificam um "fundo de verdade" nos relatos do perfil, pedem cautela pelo fato de o autor das mensagens não ter a identidade comprovada. E usam esse caso para pedir o mesmo cuidado que, segundo eles, deve ser dispensado às reportagens do Intercept – que estão sendo elaboradas a partir de informações repassadas por uma fonte anônima.
"Eu quero acreditar que seja verdade, mas não vou botar 100% de credibilidade. Assim como não coloco credibilidade no que o Intercept divulgou. Mas sou policial, e um policial não descarta nenhuma prova", diz o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP). Segundo o parlamentar, o conjunto de deputados federais do partido tem tomado atitude semelhante à sua em relação ao tema.
De fato, a euforia da ministra Damares e da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que também "celebrou" a série de mensagens do Pavão Misterioso, não encontrou eco dos mais fortes entre os integrantes do PSL. Parlamentares como Carla Zambelli (SP), Filipe Barros (PR) e Joice Hasselmann (SP) fizeram menções tímidas ao tema em suas redes sociais. Outros não chegaram a citar o assunto em nenhuma ocasião, como Delegado Pablo (AM), Luiz Lima (RJ) e o líder do partido na Câmara, Delegado Waldir (GO).
Distanciando quem estava longe
O caso do Pavão Misterioso serviu também para reforçar a distância entre o "núcleo duro" bolsonarista e outros grupos que, embora tenham apoiado a eleição do presidente, têm contestado alguns atos do chefe do Executivo.
O músico Lobão escreveu em seu perfil no Twitter: "Um país que se rende a um factoide cretino, histérico, infatiloide como o Pavão Misterioso está condenado ao eterno suplício da cegueira, de vulgaridade e da submissão. Nada justifica essa farsa. Nada". Lobão pediu votos para Bolsonaro, mas entrou em atrito com o presidente por, entre outros fatores, ter uma visão distinta sobre o regime militar brasileiro.
Quem também contestou o Pavão Misterioso foi o Movimento Brasil Livre (MBL). Em um vídeo divulgado no dia 18 de junho, um dos coordenadores do grupo, Renan Santos, chamou o perfil de "pavão dos factoides".
Em entrevista à Gazeta do Povo, Santos endossou a análise: "o Pavão é um espetáculo de polarização, não algo a ser levado a sério. Tem muita ficção no meio". O coordenador do MBL também criticou o anonimato do perfil: "Nós, do MBL, sempre que fazemos alguma coisa, colocamos nossa cara".
O MBL entrou em rota de colisão com o bolsonarismo principalmente à época das manifestações de 26 de maio, convocadas por apoiadores do presidente. O movimento descartou a participação nos atos, por entender que entre os organizadores da ação havia grupos que defendiam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos atos do dia 30 de junho, de apoio ao ministro Moro, o MBL esteve presente – mas alguns integrantes do movimento foram hostilizados por bolsonaristas.
Esquerda entre o desprezo e a raiva
Na esquerda, o grupo político atacado pelo Pavão Misterioso, as reações também foram divididas: parte dos citados pediu investigações contra o perfil no Twitter e ameaçou processar os responsáveis, enquanto outros trataram as "denúncias" como deboche.
Já Glenn Greenwald e David Miranda não levaram muito a sério as mensagens do perfil. O jornalista norte-americano ironizou erros gramaticais cometidos em inglês (sua língua nativa) na primeira leva de mensagens do Pavão que foram citadas como sendo de sua autoria. E o deputado brincou com o uso da expressão nordestina "mainha", atribuída a ele nos diálogos – Miranda disse ser "carioca da gema" e, portanto, não empregar a palavra (que significa "mãezinha").
O deputado Marcelo Freixo está no primeiro grupo. Ele chamou o Pavão Misterioso de "farsa tosca" e disse que iria "denunciar essa fraude à Polícia Federal para sabermos quem é o responsável por esse perfil".
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião