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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, espera encerrar seu mandato em 2024 com a consagração da independência total da autoridade monetária.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, espera encerrar seu mandato em 2024 com a consagração da independência total da autoridade monetária.| Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O embate público entre o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, em torno do atual nível da taxa básica de juros (Selic), considerada exagerada pelo governo, ganhará dimensão ainda maior com o possível avanço no Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para dar autonomia também financeira e administrativa ao BC, convertendo a autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda em uma empresa pública de direito privado.

A leitura na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do relatório da PEC 65/2023, elaborado pelo senador Plínio Valério (PSDB-MA), pode ocorrer na próxima semana, caso haja consenso entre seus membros. Essa perspectiva de início formal da tramitação da matéria acirrou ânimos de seus defensores e críticos nos últimos dias.

De um lado, a proposta tem o apoio de parlamentares conservadores, membros do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), e economistas liberais, incluindo o próprio presidente do BC e alguns de seus antecessores como Gustavo Loyola e Henrique Meirelles. Para estes, a medida é a conclusão do gradual processo de independência da autoridade monetária.

Do outro lado, o PT e suas legendas aliadas, além de economistas de viés progressista e desenvolvimentista e parte dos servidores do banco, como o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), resistem à ideia de autonomia absoluta do BC e fazem protestos. Eles temem que a PEC de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) faça com que os interesses do mercado "capturem" o Banco Central e enfraqueçam sistemas de controle administrativo, fiscalização e resultem em privatizações - como por exemplo a eventual transferência do sistema PIX de transferências financeiras para instituições privadas. Eles se opõem também à possível perda de benefícios estatais que os servidores do banco podem sofrer.

PEC imunizaria de vez o BC das ingerências políticas, dizem apoiadores

O Banco Central possui autonomia operacional, que deu ao presidente da autarquia mandato fixo de quatro anos. Nesse cenário inédito, Lula ainda não pôde realizar a mudança do titular do cargo, tendo que conviver com o indicado de Bolsonaro, Roberto Campos Neto, até o fim deste ano.

Se a emenda da autonomia total for aprovada, o BC ainda teria plena liberdade para definir, por exemplo, planos de carreira e salários dos funcionários, contratações e reajustes salariais. O financiamento das atividades da instituição seria feito a partir da receita com emissão de moeda (senhoriagem), como fazem os bancos centrais dos Estados Unidos, Suécia, Austrália, entre outros.

“A autonomia orçamentária e financeira do BC implica em importante consequência fiscal para o governo, com impacto para as metas de resultado primário, pois o BC não mais necessitará de transferências orçamentárias do governo e será autorizado a usar suas receitas para pagar suas próprias despesas. Significará um alívio fiscal para o governo federal com impacto positivo no resultado primário”, disse o relator, senador Plínio Valério, ao defender a PEC.

Campos Neto, embora tenha evitado dar declarações públicas sobre o tema para não gerar atritos com o governo, é a favor da proposta e gostaria de ver a independência completa do BC até o fim do seu mandato, em dezembro.

Opositores da PEC, como o presidente do sindicato dos funcionários do BC, Fábio Fuad, dizem que a autonomia financeira, necessária principalmente para melhorar os mecanismos de fiscalização e definição de política financeira, poderia ser obtida por meio da aprovação de lei complementar específica, sem a necessidade de uma PEC.

Governo tentará retardar a tramitação da PEC da autonomia do BC no Senado

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), decidiu não incluir a PEC na pauta de quarta-feira (19), mas deixou aberta a possibilidade de leitura do relatório desde que houvesse concordância entre os integrantes do colegiado.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), havia indicado na terça-feira (18) que o Palácio do Planalto deve se opor à leitura do relatório da PEC 65/2023. O objetivo é impedir a sua aprovação ainda neste semestre.

O texto superou com folga o endosso necessário para avançar na pauta, somando 42 assinaturas dentre 81 senadores. Caso passe na CCJ, a PEC precisará de 49 votos em dois turnos de votação no plenário. Depois disso, precisará passar por duas votações na Câmara – também com apoio mínimo de três quintos (308 deputados) em cada etapa.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem sinalizado apoio à iniciativa. Nesta terça-feira (18), ele lembrou durante evento público organizado pela TV CNN Brasil que a autonomia operacional do BC, estabelecida por lei em 2021, no governo Bolsonaro, “aumentou a credibilidade da política monetária” e colocou o país na “direção correta”.

Em abril, o relator avisou que concluiria o seu texto até o fim de maio, diante da falta de manifestação do governo, apesar de suas claras reservas ao avanço.

Sindicato de funcionários é contra PEC da autonomia do BC

Desde o último dia 3, o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) iniciou campanha ostensiva contra a PEC, conclamando senadores a votarem contra. O presidente da entidade, Fabio Faiad, espera a retirada da proposta da pauta da CCJ e argumenta que tornar o BC uma entidade independente é problemático por transformar a autarquia em uma instituição de direito privado.

"Essa questão deve ir além da rivalidade entre o governo atual e o anterior e focar na relação do Banco Central com qualquer governante eleito, independentemente de sua ideologia", disse à Gazeta do Povo.

Segundo Faiad, a autonomia é vantajosa desde que bem formulada, mas a independência retira do poder eleito o direito de coordenar a política econômica, tradicionalmente a cargo do ministro da Fazenda. Para ele, a proposta "facilita a captura da autoridade monetária pelo mercado, estimula a terceirização e privatização de algumas de suas atividades e remove os controles rígidos do Estado sobre ela".

O sindicato classifica o projeto de inconstitucional e prevê insegurança jurídica e uma enxurrada de ações na Justiça. Faiad enfatiza ainda que os limites do BC já são claros e devem ser mantidos sob qualquer perfil de governante. Ele argumenta que o aumento do liberalismo ou não do Banco Central não deve ser a questão central, mas sim sua autonomia frente a qualquer novo contexto.

Apesar do posicionamento contundente do Sinal, uma parte dos servidores do BC já baixou resistências e admite mudanças. A Associação Nacional dos Analistas do Banco Central (ANBCB) entende que a autonomia orçamentária pode ser vista como uma evolução natural, em favor da missão do banco perante o país. A única ressalva é o pedido para que se crie uma transição entre regimes, preservando direitos. 

A diretoria do BC, mesmo os diretores indicados por Lula, tem convalidado a ampliação da independência do órgão. Para a maioria dos analistas de mercado, a alteração do regime jurídico do BC é a chance de o órgão agir definitivamente sem interferências políticas, algo que o governo e os partidos de esquerda não aceitam, alegando risco de confronto entre as políticas fiscal e monetária, o que na prática já vem ocorrendo.

PT vai à Justiça para denunciar postura política de Campos Neto à frente do BC

Nesta semana houve uma escalada de tensões no relacionamento entre governistas e o presidente do Banco Central. A bancada do PT na Câmara entrou com ação popular na Justiça Federal em Brasília para que Campos Neto não promova manifestações de cunho político-partidário ou deixe de se pronunciar sobre eventual candidatura a futuros cargos enquanto estiver à frente do BC.

A razão disso é que Lula insinuou ter havido um acordo entre o chefe da autoridade monetária e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), envolvendo a sua escolha para ser ministro da Fazenda em um eventual conquista da Presidência da República em 2026.

A ação na Justiça contra Campos Neto foi liderada pela presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR). Ela foi proposta no dia em que o Comitê de Polícia Monetária (Copom) decidiu por unanimidade manter a taxa básica de juros do país em 10,5%. Também ocorre após Lula dizer que o presidente do BC trabalharia para prejudicar o país, sinalizando que indicará um sucessor “imune aos nervosismos momentâneos do mercado”. Curiosamente, o diretor Gabriel Galípolo, um dos cotados para suceder Campos Neto, também votou pela manutenção da Selic e suspensão dos cortes.

Uma das vozes mais críticas a Campos Neto, Gleisi elogiou em sua conta no X (antigo Twitter) os ataques do chefe do Executivo, definindo o presidente do BC como “um político que trabalha para sabotar o país”.

As declarações deram novo impulso de valorização do dólar. De acordo com o diretor-geral do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Arruda, o governo parece não entender que uma frouxidão na política monetária agora pode representar perda de credibilidade, descontrole da inflação e, consequentemente, a necessidade de apertos ainda maiores no futuro, com taxas de juros ainda mais elevadas.

Uma amostra do grau de animosidade gerada pelas falas mais recentes de Lula contra Campos Neto está nos discursos de sindicalistas e políticos ligados ao governo.

O deputado Pedro Uczai (PT-SC) chamou o presidente do BC de “criminoso”, “bandido” e “agente do bolsonarismo e dos interesses do capital especulativo”. O deputado federal Merlong Solano (PT-PI), por sua vez, apresentou requerimento para convidar o chefe da autoridade monetária para falar na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso.

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