A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou provas da Odebrecht na Lava Jato ignorou um laudo de 321 páginas da Polícia Federal (PF) que atesta a integridade de dados entregues pela empresa em 2017 ao Ministério Público Federal (MPF), e onde estão contidas informações sobre pagamentos de propina a centenas de políticos, lobistas e doleiros denunciados.
Nessa perícia, a PF examinou tecnicamente 11 discos rígidos e dois pendrives contendo cópias dos sistemas Drousys e MyWebDay, criados pela Odebrecht e que eram armazenados em servidores na Suécia e na Suíça, pelos quais diretores gerenciavam e registravam os pagamentos.
O documento foi elaborado em 2018, a pedido do então juiz Sergio Moro, para certificar a validade das provas apresentadas pela empresa que embasavam uma das denúncias contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), relativa à doação de um terreno, pela Odebrecht, para o Instituto Lula. Nesse processo, o petista era acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, mas a ação penal foi encerrada neste ano pelo ministro Ricardo Lewandowski, agora já aposentado, que acolheu contestações da defesa de que não havia garantia da integridade das provas.
Pelo mesmo motivo, Dias Toffoli anulou todas as provas extraídas dos sistemas da Odebrecht, estendendo a decisão favorável a Lula a todos os outros réus ou investigados. O ministro considerou que a transferência dos dados da Odebrecht não passou pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), vinculado ao Ministério da Justiça, trâmite necessário em cooperações internacionais.
Como mostrou a Gazeta do Povo, uma sindicância do Ministério Público Federal também atestou a aprovação do órgão no caso, o que também foi ocultado por Toffoli em sua decisão.
Além de atestar a integridade e autenticidade dos dados usados nas denúncias, a perícia da PF também descreve como as cópias foram produzidas e chegaram ao MPF. Em março de 2017, antes de Moro homologar o acordo de leniência, a Odebrecht entregou ao MPF cópia do Drousys que estava armazenada em um servidor na Suécia. Em agosto, a empresa remeteu ao MPF cópia do MyWebDay, feita por um escritório de advocacia que contratou na Suíça. Tudo foi periciado em novembro e dezembro daquele ano por oito peritos das áreas de contabilidade e informática.
Eles não apenas conferiram os dados contidos nos sistemas, como também conseguiram executá-los, pela internet, com senhas fornecidas pelos ex-diretores da Odebrecht. Para mostrar como funcionava e registrava as propinas, extraíram imagens de telas e anexaram ao laudo, que também trouxe fotografias dos servidores que guardavam os dados no exterior. Todo o procedimento foi acompanhado por um técnico da Odebrecht. Documentos da empresa, também anexados, atestaram a transferência dos dados sem alterações.
Numa parte em que descreve a integridade dos dados do Drousys contidos em quatro discos rígidos vindos da Suécia, cada um com capacidade de 5 terabytes, os peritos informam que “o conteúdo dos arquivos de imagens forenses presentes nos Discos 01 a 04 estão íntegros”. “Ressalta-se que tais arquivos de imagem forense foram criados, de acordo com o descrito na Subseção III.1, pela equipe de TI da Odebrecht e posteriormente entregues ao MPF”.
A análise sobre os arquivos armazenados na Suíça, copiados pela Forensic Risk Alliance Group (FRA), empresa contratada pela advocacia da Odebrecht no país europeu, apontou “resultados idênticos, indicando que seu conteúdo se encontra íntegro”.
“Após o procedimento de verificação, foi constatado que grande parte do conteúdo dos arquivos recebidos para exame corresponde àqueles que estão de posse da empresa FRA. Tal resultado permite concluir que a maioria dos arquivos recebidos estão íntegros e que não houve qualquer alteração em seu conteúdo após seu envio até o momento dos exames”, atesta o laudo pericial da PF.
Num trecho adiante, para esclarecer algumas divergências, os peritos informam que considerando que foram encaminhados 1.781.609 hashes, a quantidade de inconformidades representa 0,034% do total de hashes encaminhados, indicando que 99,966% estão íntegros”. “Hash” é um tipo de algoritmo criptográfico utilizado para comprovar a integridade de dados.
Manifestação da ANPR
Essa mesma perícia da PF foi citada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) em nota divulgada após a decisão de Toffoli. A entidade ainda registrou que outra perícia, atestando a qualidade das provas da Odebrecht, foi produzida por técnicos da Procuradoria-Geral da República (PGR), o que também foi ignorado por Toffoli.
“Todo o procedimento de entrega e recebimento dos discos rígidos contendo os sistemas está documentado e foi atestado por relatórios técnicos elaborados pela Secretaria de Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República (SPPEA/MPF) e por laudo pericial elaborado pela Polícia Federal (LAUDO No 0335/2018 – SETEC/SR/PF/PR), ressaltando-se, inclusive, as menções feitas nesses laudos à tramitação das mídias recebidas de autoridades estrangeiras por intermédio do DRCI”, afirmou a associação.
A nota também cita documentos que registram a intermediação do DRCI na obtenção das provas, no âmbito de uma cooperação internacional. “O pedido, formulado em 17 de maio de 2016, foi encaminhado pelo DRCI para as autoridades suíças em 3 de junho de 2016, por meio da Official Letter 3300/2016/CGRA-SNJ-MJ, e, em 28 de setembro de 2017, o DRCI encaminhou ao MPF a resposta à solicitação (Ofício 7676/2017/CGRA-DRCI-SNJ-MJ).”
Apesar de ignorar esses documentos, Toffoli citou outros laudos da PF ligados à apreensão de computadores apreendidos com hackers que captaram, ilegalmente, conversas por celular dos procuradores da Lava Jato, em 2019. Os peritos da PF nunca atestaram que as conversas realmente ocorreram como foram apresentadas, inclusive na imprensa, mas somente confirmaram que o conteúdo das mensagens não foi alterado após a apreensão.
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