Apesar de ainda estar em debate, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas já lança preocupações pela possibilidade de se transformar em um novo escândalo de corrupção semelhante ao "petrolão". Passados 15 anos, o “ouro negro” descoberto na Bacia de Campos (SP), no início dos anos 2000, corresponde atualmente a 78% da produção de petróleo no país. No entanto, a Operação Lava Jato mostrou ao país que a exploração do pré-sal foi marcada por desvios, que custaram milhões à Petrobras.
Os depoimentos colhidos de investigados na operação em 2015, tanto pela Polícia Federal quanto no Congresso, revelaram que a empresa estatal Sete Brasil, criada para explorar o pré-sal, era o epicentro do pagamento de propina em troca de contratos da empresa para construção de 28 navios-sonda para a Petrobras. De acordo com o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, os contratos renderam ao PT cerca de US$ 133 milhões em propina.
O escândalo ficou marcado por envolver o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e homens-fortes de seus governos anteriores, como o ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci. Em delação premiada ao então juiz Sergio Moro, o braço direito de Lula disse que o petista estimulou o esquema de corrupção após a descoberta do pré-sal. "Ele até chegou a encomendar que os diretores a partir daí fizessem mais reservas partidárias”, afirmou Palocci à época.
Se o esquema pode ser repetido no caso da Foz do Amazonas, ainda é uma incógnita. Mas o potencial de lucro da região e a volta do PT ao comando da Petrobras acendem nos especialistas uma dúvida sobre como os recursos obtidos, em caso de exploração, serão geridos pela administração petista.
Estimativas do Ministério de Minas e Energia (MME) apontam que a exploração poderá render 10 bilhões de barris, US$ 200 bilhões (R$ 1 trilhão) em arrecadação e 350 mil empregos.
É importante ressaltar que a exploração da Foz do Amazonas ainda não teve o martelo batido. O processo entre o estudo ambiental, o estudo de viabilidade sobre a exploração e a instalação de plataformas petroleiras é um processo que pode levar anos e pode nem ser iniciado no governo Lula. No caso do pré-sal, por exemplo, a descoberta ocorreu em 2006, mas exploração só foi iniciada em 2010.
PT de volta na Petrobras
Passados 15 anos da descoberta do pré-sal e com o PT de volta ao poder, a Petrobras muda o rumo dado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), e continuado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A tentativa de alteração da Lei das Estatais, que abre a possibilidade de indicações políticas, pode reforçar o modus operandi petista de loteamento de cargos na administração pública.
O Projeto de Lei 2896/2022, que muda a Lei nº 13.303/2016, foi protocolado pelo governo de transição em dezembro e aprovado pela Câmara dos Deputados. No entanto, a proposta se encontra travada no Senado. Na época, o objetivo era facilitar a nomeação do atual presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante.
O ex-ministro da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff tinha atividades político-partidárias no PT pouco antes de ser nomeado para o cargo, o que, em teoria, era vedado pela lei. Ele era presidente da Fundação Perseu Abramo, entidade ligada ao PT. No entanto, um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) abriu caminho para Mercadante assumir o cargo no BNDES.
A flexibilização da Lei das Estatais é um risco em potencial, pois não há evidências até o momento de que seja usada para apontar gestores da Petrobras.
Outro ponto que mostra uma mudança de rumo em relação à política adotada por Temer e Bolsonaro é a tentativa de reversão da venda de refinarias controladas pela petroleira. Ela foi defendida pelo presidente da empresa, Jean Paul Prates, e mostra que o governo deseja manter espaços de controle e reafirma a política estatizante que marcou os governos de Lula e Dilma.
A reabilitação das empresas condenadas por corrupção na Lava Jato, como Odebrecht (atual Novonor), Andrade Gutierrez e UTC é outro ponto de desconfiança sobre a nova gestão da petroleira. De acordo com a estatal, as empresas passaram a constar na lista de fornecedores pré-qualificados.
O resultado de nove meses da nova gestão da petroleira foi anunciado no início de agosto: queda de 47% do lucro neste segundo trimestre em comparação ao mesmo período de 2022. O lucro líquido saiu de R$ 54,3 bilhões para R$ 28,78 bilhões.
Nesse ínterim, a mudança na Diretoria de Governança e Conformidade também gera preocupações sobre os rumos da companhia. Em maio, Prates nomeou o especialista em compliance regulatório Mario Spinelli para a diretoria. Ele substituiu Salvador Dahan, que teve o mandato encerrado em maio.
Analistas dizem que o presidente da estatal trouxe um nome mais próximo ao governo petista. Spinelli é ex-controlador-geral do estado de Minas Gerais e visto como próximo ao PT mineiro.
Para o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), e que chegou a ser cotado para assumir a presidência da companhia no ano passado, o risco de uma esquema de corrupção - a exemplo do "petrolão" - ainda existe.
"O risco existe. Agora, a sociedade precisa estar mais atenta. Não podemos deixar de explorar petróleo por conta do risco de corrupção. Mas os ingredientes estão aí. O atual governo não se livra dos erros do passado e Lula quer voltar a comandar o setor de petróleo pelo retrovisor. À medida que você estuda a exploração de petróleo na margem equatorial, você tem todos os elementos para volta à situação de lá de trás", disse.
"Acho que o PT precisar entender que o Brasil mudou. Temos que ficar atentos. A Petrobras teve a maior dívida corporativa do mundo e esteve nas páginas policiais", disse o economista.
Ele disse que a Petrobras deveria manter o acordo que fez com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), pelo qual deveria vender refinarias para controlar apenas metade da capacidade de refino atual.
"A Petrobras precisa focar em explorar petróleo e gás, porque você tem margem de lucros muito mais altos. Refinar, por outro lado, é uma atividade industrial, onde a margem não é grande. Não faz sentido a Petrobras ter 80% da capacidade de refino do Brasil. O modelo da concessão, da partilha, não é ruim. Mas a tradição do PT é usar a Petrobras para segurar a inflação e ajudar os "amigos do rei"", disse.
O advogado Rodolfo Viana, especialista em compliance, destaca que o Brasil possui um histórico marcante relacionado à corrupção, o que nos coloca em uma posição desfavorável no cenário internacional e explica escândalos como o do "petrolão".
"Se pegarmos, por exemplo, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), vemos que o Brasil segue uma linha histórica em que o nível de pontuação é muito ruim. O Brasil atinge menos de 40 pontos, historicamente, em um índice de até 100 pontos. Isso mostra que, em termos gerais e em termos comparados, o Brasil é, sim, um local em que há um risco de corrupção alto", disse o advogado.
Por outro lado, ele afirma que a Petrobras mudou, o que dificultaria novos esquemas de corrupção semelhantes ao "petrolão".
“Não há dúvida de que a Petrobras hoje não é a mesma Petrobras da época do "petrolão". Ela instituiu práticas de compliance, práticas de governança que não existiam anteriormente. Em termos gerais, os controles sobre práticas de corrupção são mais fortes do que eram antes de ocorrer o escândalo do "petrolão".
A reportagem entrou em contato com a Petrobras sobre as questões levantadas na matéria, mas não houve retorno da empresa até a publicação da matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
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