Existe uma pauta que coloca do mesmo lado o governo de Jair Bolsonaro, um dos principais líderes da oposição no Congresso Nacional e um deputado de primeiro mandato que comprou briga com seu partido por votar a favor da reforma da Previdência. A pauta é o avanço de projetos para reduzir a burocracia da administração pública e pela implementação de iniciativas de governo digital.
O governo Bolsonaro tem uma secretaria específica, vinculada ao Ministério da Economia, para tratar da desburocratização, gestão e governo digital.
Já o deputado oposicionista Alessandro Molon (RJ), líder do PSB, é o autor do projeto que cria a Lei de Eficiência Pública.
E o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) é o relator de uma proposta que cria o "GovTech", abreviatura para governo tecnológico, que busca o uso de ferramentas digitais para a superação da burocracia. Rigoni votou a favor da reforma da Previdência, contrariando orientação de seu próprio partido.
"Apoiamos as propostas, que trazem medidas importantes de melhoria da eficiência na administração pública e prestação digital dos serviços públicos. A aprovação destes projetos vai alinhar e promover práticas importantes em todos os poderes e também em estados e municípios", informa a Secretaria de Desburocratização, em nota enviada à Gazeta do Povo, sobre o projeto de Molon e a proposta relatada por Rigoni.
Os deputados também destacam suporte do governo para suas proposições: "Nosso relatório foi construído junto com o governo, junto com a secretaria, que está fazendo um excelente trabalho", diz Rigoni. "Já tivemos a sinalização por parte do governo de que não há resistência quanto ao projeto", acrescenta Molon.
O que preveem as propostas anti-burocracia e de e-gov
Alessandro Molon apresentou sua proposta anti-burocracia ainda em 2017, à época da gestão de Michel Temer. A proposição expande para estados e municípios, e também para os poderes Legislativo e Judiciário, procedimentos de desburocratização que já estão em vigor no governo federal. Por exemplo, a proibição de que um ente público exija de um cidadão a apresentação de um documento que seja expedido pelo próprio ente, ainda que por outra de suas subdivisões.
Também é criada, pelo projeto, a permissão para que a emissão de atestados, certidões, diplomas ou outros documentos seja feita pelo meio digital. Outra iniciativa é estabelecer que os órgãos públicos passam a ter o prazo de três anos, após o início de vigência da lei, para implantar sistemas informatizados de tramitação de seus processos.
Já a proposta que é relatada por Felipe Rigoni foi apresentada por um grupo de dez deputados: Tiago Mitraud (Novo-MG), Vinicius Poit (Novo-SP), JHC (PSB-AL), João H. Campos (PSB-PE), Luisa Canziani (PTB-PR), Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Mariana Carvalho (PSDB-RO), Paulo Ganime (Novo-RJ), Professor Israel (PV-DF) e Rodrigo Coelho (PSB-SC). À exceção de JHC e Carvalho, todos estão no primeiro mandato na Câmara.
O projeto também tem a digitalização como foco, mas o alvo se dá nos serviços prestados aos cidadãos. A meta é estabelecer o meio digital como o padrão para a prestação de serviços públicos. Para tanto, segundo a proposta, será criado um portal único na internet onde os cidadãos poderão solicitar serviços públicos e acompanhar o status de pedidos já realizados. A ideia se expande inclusive à telemedicina. A proposta prevê também a dispensa de algumas formalidades, como a exigência de reconhecimento de firma de assinturas em algumas ocasiões.
O que falta para a redução da burocracia virar realidade?
Os dois projetos superaram as etapas preliminares da Câmara e estão aptos a serem votados em plenário. Ou seja: basta serem colocados para votação por parte do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O deputado do Democratas é, segundo Molon e Rigoni, outro aliado no objetivo. "Rodrigo Maia indicou que deve colocar para votar nas próximas três ou quatro semanas", diz Rigoni. "Ele também está preocupado em melhorar a eficiência na gestão pública. Tenho certeza de que vai nos ajudar na aprovação da matéria", diz Molon.
Para o parlamentar, o fato de ser um membro da oposição ao governo de Bolsonaro não tende a interferir na apreciação do projeto por parte dos outros deputados. "Os vários campos políticos da Câmara dos Deputados reconhecem que a necessidade de melhorar a eficiência do serviço público prestado à população é maior do que eventuais disputas políticas. Ainda que com visões diferentes quanto ao papel do Estado na economia, por exemplo, todos concordam que o poder público pode e deve se tornar mais eficiente. Nesse sentido, temos convergência, e não divergência", afirma Molon.
"Não percebi a polarização entre direita e esquerda durante a tramitação do projeto. E não acho que ele motivará obstrução ou algo do tipo durante a votação em plenário", diz Rigoni.
Pandemia mostrou que digital "não é opção", diz governo
Molon e Rigoni lembram que a deflagração da pandemia de coronavírus fez com que as atenções do Congresso se voltassem ao combate à covid-19 e que, por isso, foi difícil avançar em outros temas.
Mas a crise da Covid-19 também deixou evidente como a burocracia pode ser reduzida por meio da informatização dos serviços públicos.
Na avaliação da Secretaria de Desburocratização do Ministério da Economia, "a pandemia tornou ainda mais clara a necessidade da transformação digital no governo e no setor privado". "A pandemia removeu a ideia de que o digital era uma opção, algo que poderia ser deixado para depois. A crise nos mostrou a realidade de que o digital é para agora. Isso fez com que a cultura burocrática fosse rapidamente adaptada no governo, que precisa acompanhar esses anseios", informa o órgão, na nota enviada à Gazeta.
Segundo a secretaria, desde o início da pandemia foi implantada a digitalização de 250 novos serviços. No total, contando desde janeiro de 2019, que foi quando se iniciou a gestão Bolsonaro, foram 833 serviços já digitalizados, que tiveram sua demanda intensificada desde o começo da pandemia. A meta do governo é chegar à gestão "100% digital" até o fim de 2022.
Outra ação de mudança da dinâmica dos serviços públicos que envolve digitalização durante a pandemia foi a divulgação de uma portaria para regulamentar o teletrabalho, ou home-office, para os servidores federais. As regras foram anunciadas na sexta-feira (31) e preveem que parte dos servidores possam passar a trabalhar em casa de forma permanente. Eles terão que cumprir algumas exigências, como a de sempre atender telefonemas e verificar emails; e não terão direito a banco de horas e nem a receber por horas extras. Atualmente, por causa da pandemia, 62% dos servidores públicos federais estão trabalhando de casa.
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