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Quarentena é uma medida extrema que pode ser adotada pelo poder Executivo, obrigando que todas as pessoas permanecem em suas casas por um período determinado.
Quarentena é uma medida extrema que pode ser adotada pelo poder Executivo, obrigando que todas as pessoas permanecem em suas casas por um período determinado.| Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

Uma pesquisa divulgada no último domingo (22) pelo Datafolha mostrou que 73% dos brasileiros são favoráveis a uma quarentena com isolamento forçado em casa por causa do coronavírus. O poder Executivo tem autoridade para decretar uma quarentena quando quiser, mas o presidente Jair Bolsonaro já demonstrou em discurso na TV, na terça-feira (24), que não endossa essa estratégia. Já o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse nesta quarta-feira (25) que a quarentena "é um remédio extremamente amargo, extremamente duro" e que "vai ter hora que a gente vai precisar" aplicá-la.

A decisão sobre uma eventual quarentena nacional entrou em debate com mais força depois que estados como Rio de Janeiro e São Paulo decretaram calamidade pública por conta da disseminação do coronavírus, fechamento estabelecimentos que prestam serviços não essenciais e recomendando que as pessoas fiquem em casa. Na prática, as restrições impostas por esses decretos são semelhantes à definição técnica de quarentena da Lei 13.979, sancionada em fevereiro deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro.

Essa lei fala em “restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes (…) de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus”.

A maioria dos especialistas em epidemiologia entrevistados pela Gazeta do Povo diz que a situação de expansão do contágio por coronavírus no Brasil já respalda uma decisão nesse sentido, mas pondera que a decretação de uma quarentena nacional é um assunto que envolve questões sociais e políticas que não podem ser ignoradas nessa decisão.

Rogério Baptistini, sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, lembra que estamos em “um país em que boa parte dos cidadãos vivem em condições precárias e não têm as estruturas mínimas para se manter em isolamento”.

Diferenças regionais e sociais devem ser levadas em conta

Ivan França, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, afirma que “não existe um número mágico” de pessoas doentes para embasar o estabelecimento de uma quarentena nacional. “A gente não sabe o momento exato. A ideia é conseguir que a população saudável não ande com as pessoas doentes”, diz.

Ele destaca que é necessário levar em conta as grandes diferenças entre as metrópoles e os municípios do interior do Brasil antes de decretar uma quarentena. “Tem que ver o quanto que é viável. É fácil a gente falar sobre São Paulo, onde as pessoas podem ficar em casa, porque você tem delivery de tudo, praticamente. Mas a gente sabe que essa não é a mesma situação em outros estados, em cidades mais longínquas. Há pessoas que dependem da cidade vizinha para tudo.” Para França, “em cidades e estados que têm poucos casos, é necessário pesar os riscos e benefícios de se fazer uma ação como essa”.

Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz, lembra que “o Brasil é um país continental” e que “as medidas podem ser diferenciadas de uma região para outra”. Para ela, a forma como São Paulo tem promovido medidas semelhantes às de uma quarentena é correta, levando em conta as características do estado.

“Eu acho que o momento é agora. O momento é para o comércio estar fechado. Essas medidas têm o nosso total apoio, porque elas asseguram o isolamento social, que é a única arma atualmente existente para prevenção e tratamento dessa epidemia”, diz.

França afirma que, no caso de metrópoles, o contágio é mais fácil, e a quarentena é uma medida mais necessária, mas pondera que, neste momento, “não é viável fechar um país como o Brasil, com uma dimensão continental”.

Tipos de quarentena

Divergindo dos outros especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo, o médico Fábio Jung se diz favorável à adoção do que está sendo chamado de “quarentena vertical”, com o confinamento somente dos grupos de maior risco. “Você isola e protege preferencialmente esses grupos”, diz.

Em discurso transmitido pela TV na terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro causou polêmica ao defender que o Brasil pode adotar, desde já, essa restrição seletiva, com foco em idosos e pessoas com doenças crônicas, que são o grupo de risco da Covid-19.

A fala foi criticada pela Sociedade Brasileira de Infectologia, que afirmou em nota que Bolsonaro pode passar uma "falsa impressão à população de que as medidas de contenção social são inadequadas e que a Covid-19 é semelhante ao resfriado comum".

No Brasil, até agora, há uma quarentena horizontal, que prevê a imposição de restrições à sociedade de forma indiscriminada, com fechamento de comércio e restaurantes e a restrição de atividades independentemente de faixa etária e de nível de risco. Esse tipo de quarentena tem o respaldo do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Para Jung, é prudente começar com uma abordagem mais abrangente, que é a horizontal, “para se organizar”. Depois, no entanto, ele defende a adoção da quarentena vertical, que, segundo ele, tem sido bem-sucedida em Israel.

Ele alega que, em uma quarentena vertical, os idosos das camadas mais vulneráveis da população brasileira terão mais facilidade de praticar o isolamento, já que, em alguns lugares pobres, a aglomeração de jovens tende a ser maior quando boa parte deles não precisa sair para trabalhar.

Aspectos legais da quarentena

Há duas leis que embasam a possibilidade de decretação de uma quarentena no Brasil.

Um decreto sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005 e alterado em 2010 dispõe sobre situações emergenciais e sobre a decretação de estado de calamidade pública. Acácio Miranda, especialista em Direito Penal e Constitucional, explica que um problema de saúde pública como a preparação para uma situação de emergência está inserido nas circunstâncias previstas por esse decreto e, por isso, ele já dispõe indiretamente sobre a quarentena.

Além disso, uma lei recente, publicada em fevereiro de 2020, especificamente por conta do coronavírus, dispõe diretamente sobre a quarentena. “São duas leis complementares. A gente usa os instrumentos de uma para darmos aplicabilidade à outra”, explica Miranda.

Segundo o advogado, com base nessas duas leis, a quarentena já poderia ser decretada em nível federal. Além disso, também é constitucional que estados e municípios o façam isoladamente.

“Essa é uma lei geral, e os estados podem especificá-la”, diz Miranda. Os estados só não podem impor sanções penais próprias, porque isso não faz parte da esfera administrativa deles, explica o advogado.

Alguém que desrespeitar uma eventual quarentena poderá ser preso?

Miranda diz que alguém que desrespeite uma eventual quarentena imposta pelo governo poderá tomar multas ou ser preso. “Se essa pessoa está contaminada, tem ciência disso e está descumprindo a quarentena, ela pode até ser presa, em virtude do artigo 268 do Código Penal”, afirma.

O artigo em questão estipula uma detenção de um mês a um ano para quem “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Se a pessoa trabalha no setor de saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro, a pena pode ser ainda maior.

Para pessoas que estejam simplesmente circulando na rua, sem estarem contaminadas, “podem ser impostas sanções como uma multa, como tem sido feito em Portugal e na Espanha”, afirma Miranda.

Em relação às atividades comerciais, um estabelecimento que continue ativo apesar da quarentena imposta pelo governo pode ter sua licença de funcionamento cassada.

Qual é o nível de eficácia da quarentena?

José Cássio de Moraes, epidemiologista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), diz que uma quarentena cumprida à risca eliminaria o problema da Covid-19 em aproximadamente 14 dias, que é o período máximo de incubação do coronavírus.

“O que se espera, quando se tem uma quarentena absoluta, em que as pessoas não entram em contato umas com as outras, é o fim do contágio no tempo de incubação da doença, se a quarentena fosse cumprida em toda sua intensidade”, afirma.

Moraes ressalta que essa possibilidade é, contudo, praticamente nula. Ele lembra que na Itália, mesmo depois de mais de duas semanas da decretação da quarentena, não houve ainda grande impacto, porque o decreto não é cumprido à risca.

Segundo ele, “o conjunto das ações é que pode ter um impacto sobre a doença”, o que envolve melhorar a vigilância epidemiológica, prover uma rede hospitalar para atender adequadamente os casos mais graves, ter um diagnóstico precoce dos indivíduos sintomáticos e promover isolamento domiciliar dos sintomáticos e de seus contatos. “A quarentena não consegue, sozinha, dar um impacto grande”, diz.

Esforço concertado de entes federativos favoreceria a eficácia da medida

Rogério Baptistini elogia as medidas tomadas por alguns governadores e prefeitos para promover restrições de circulação em seus estados e municípios. Ele cita o exemplo de Taquaritinga, no interior de São Paulo, em que o prefeito determinou, na segunda-feira (23), o fechamento da cidade. No entanto, para ele, essas medidas podem ser pouco efetivas se não houver um esforço concertado com o governo federal.

“O risco dessas medidas tomadas por entes federativos como municípios e estados é dificultar uma saída planejada e concertada para essa crise. Uma pandemia dessas proporções pressupõe um esforço conjunto para manter abastecimento, produção mínima de alimentos e insumos médicos, e isso tem que ser planejado nacionalmente. Medidas tomadas de forma fragmentária aprofundam a crise”, diz Baptistini.

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