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O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.
O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

“A hora da Reforma Tributária está chegando. E como disse o Paulo Guedes, ela vem com boas notícias para trabalhadores e empresários com simplificação, desburocratização e melhor distribuição da carga de impostos. Mas muitos me perguntam: vem o imposto único?”

A pergunta está em um dos posts de Marcos Cintra, secretário especial da Receita Federal, em seu perfil no Twitter. Membro da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, Cintra é um dos principais nomes do grupo que vem pensando uma proposta de mudança no sistema tributário para o país.

Cintra não respondeu, no Twitter, à pergunta que ele mesmo expôs. Também não foi possível perguntar diretamente a ele, pois, com a assessoria do Ministério da Economia alegando falta de espaço na agenda, ele não concedeu entrevista à Gazeta do Povo. Mas, se dependesse exclusivamente da vontade do economista, a resposta para o tuíte certamente seria "sim". Professor e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cintra é notório defensor do imposto único – e não é de hoje.

No currículo do secretário da Receita no sistema Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma rápida busca pelos termos “imposto único” mostra uma espécie de obsessão pelo tema: a expressão é citada 412 vezes, entre artigos acadêmicos e textos publicados em jornais.

O tema já foi, inclusive, bandeira de campanha do atual secretário. Eleito deputado federal por São Paulo em 1999, Cintra chegou a gravar um vídeo para o horário eleitoral em que aparece “domando” um leão. O slogan da campanha fazia referência à menina dos olhos do economista: "Imposto? Basta um!"

Veja o vídeo:

CPMF, o imposto "satanizado"

A ideia de Cintra não é tão difícil de entender. O economista defende que a tributação seja feita por meio de um imposto só, que incidiria sobre todo tipo de pagamento. Parece familiar, não? E, de fato, é: outros especialistas apontam como essa proposta se aproxima da odiada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta em 2007.

Mal falada por muitos, mas não por Cintra. Em artigo publicado em 2018, na revista Conjuntura Econômica, da FGV, ele faz elogios à CPMF. “Basta olhar ao próprio umbigo para verificar que o Brasil abriu o caminho da modernidade tributária nos anos 90, e por 12 anos, até 2007, praticou notável inovação tributária sem qualquer contratempo, inconveniência ou contraindicação que recomende não voltar a trilhá- lo. Trata-se da movimentação financeira, uma base tributária que incorpora praticamente todas as formas tradicionais de arrecadação de impostos atualmente exploradas no mundo”, afirma.

Em outro texto, intitulado A polêmica da CPMF, o economista afirma que o problema da contribuição foi o “modo desastroso” como foi implantada – o que, para ele, “proporcionou aos críticos uma oportunidade valiosa para satanizar aquele tributo”.

A "beleza" de um tributo

Depois de assumir o cargo no governo federal, com as especulações sobre a proposta de recriação da CPMF, Cintra mudou levemente o discurso. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em abril deste ano, o economista fez distinções entre a ideia do governo e a antiga contribuição sobre movimentações financeiras.

“Não é uma CPMF, porque o novo imposto será permanente e não incidirá somente em operações de débito feitas pelo sistema bancário. Será muito mais amplo. Abarcará qualquer transação envolvendo pagamentos, até escambo”, disse.

À jornalista Miriam Leitão, em programa veiculado pelo canal Globo News, o secretário da Receita voltou a falar sobre o tema, fazendo uma espécie de declaração de amor ao imposto sobre movimentações financeiras. “A beleza do imposto sobre pagamentos é que ele não precisa de fiscalização. Toda atividade econômica gera pagamento, da forma que for. Se a tributação incide sobre qualquer pagamento, vai pegar toda a economia informal”, explicou.

Rota de colisão com Bolsonaro

Foi justamente em uma dessas ocasiões que Cintra começou a entrar em conflito com o chefe, o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Na entrevista à Folha, o economista afirmou que nem o dízimo das igrejas escaparia à cobrança da CPMF repaginada, chamada de Contribuição sobre Pagamentos (CP). “A CP vai tributar todas as transações. A base será universal: pega até a economia informal e as ações criminosas de contrabando”, afirmou.

A inclusão das igrejas no novo imposto virou manchete, ganhou repercussão e levou o presidente a gravar um vídeo desautorizando o secretário. “Fui surpreendido nesta manhã por uma declaração do nosso secretário da Receita de que seria criado um novo imposto para as igrejas. Eu quero me dirigir a todos vocês dizendo que essa informação não procede”, disse o presidente.

Após o mal-estar, Cintra compartilhou o vídeo de Bolsonaro e atribuiu à publicação a confusão com o presidente. “Fico triste de ver um jornal que tem uma história tão maravilhosa como a Folha dar uma manchete tão infiel à entrevista que concedi”, reclamou, no Twitter.

Informações de bastidores dão conta de que esse não foi o único conflito entre Cintra e o presidente – e de que a situação vem se agravando nas últimas semanas. Parece que, ao contrário do leão, Bolsonaro tem se mostrado mais difícil de domar.

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