Defesa da propriedade de terras, da família, dos valores e da autonomia dos poderes. Foram esses temas que fizeram parlamentares da oposição despontarem nos seis primeiros meses deste ano no Congresso. Alguns são jovens ou em primeiro mandato, como os deputados Nikolas Ferreira e Luciano Zucco, do PL, e outros já são conhecidos no cenário político brasileiro, como Marcel Van Hatten (Novo) e o senador Magno Malta (PL).
Exceto pela última semana, quando a reforma tributária foi analisada na Câmara, o primeiro semestre no Congresso Nacional vinha registrando poucos avanços na análise de temas importantes para o país. Mas o dia a dia foi muito movimentado em termos de polêmicas e enfrentamentos.
A ascensão desses parlamentares de oposição ocorreu em um cenário onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi surpreendido por um Congresso muito mais forte do que ele esperava encontrar em seu terceiro mandato.
Indícios disso foram a dificuldade que o governo teve para aprovar, em cima da hora, a medida provisória que reestruturou a Esplanada dos Ministérios e as derrotas nas votações na Câmara de pautas como o marco do saneamento e o marco temporal que restringe a demarcação de terras indígenas.
“O governo mudou, o Parlamento é outro, tem um perfil diferente, tem muito mais poder", disse a deputada Adriana Ventura, que vem se destacando na liderança do Novo.
O cientista político Adriano Gianturco, professor da faculdade IBMEC explica que nos casos em que conseguiu aprovar projetos o governo teve que liberar muita verba. “Não sei se isso pode se sustentar por quatro anos”, avalia.
Zucco ganhou protagonismo com a CPI do MST
Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito de maior destaque na Câmara dos Deputados, a CPI das invasões de terras, o tenente-coronel Luciano Zucco (Republicanos-RS) estreou como deputado federal nesta legislatura, e tem se destacado como um dos nomes mais comentados da cena política.
Zucco é gaúcho de Alegrete, na fronteira do Rio Grande do Sul, tem 49 anos, e foi o deputado mais votado do estado em 2022, depois de também ter sido eleito o deputado estadual líder de votos para a Assembleia Legislativa em 2018.
Zucco é militar da reserva do Exército, aliado político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com quem trabalhou na campanha eleitoral, integrando a equipe de transição do governo.
O deputado é vice-líder do bloco formado por parlamentares do MDB, PSDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC - um dos maiores na Câmara. Zucco também vice-líder da oposição.
À frente da CPI, tem protagonizado momentos polêmicos, pela defesa da Reforma Agrária justa, segundo seu posicionamento. “Além da CPI, defendemos a ideia de uma maior segurança no campo. A comissão vai apresentar projetos para melhorar e favorecer o setor”, diz ele.
O deputado, que conseguiu logo no início dos trabalhos mobilizar os parlamentares em busca de assinaturas para criação da comissão, afirma que se sente reconhecido e gratificado, mas também admite que tem uma grande responsabilidade.
"A CPI é extremamente polêmica, envolve muitos que dizem defender a reforma, mas na verdade usam a posse da terra para fazer doutrinação política”, afirmou.
Zucco disse que isso ficou claro quando parlamentares realizaram uma inspeção em um assentamento. Lá se depararam com muitos barracos vazios, sem qualquer tipo de infraestrutura, e um galpão que deveria ser usado como local de armazenagem de grãos e maquinários tomado por cartazes e bandeiras de Marx, Lênin e Che Guevara, numa clara demonstração do cunho “ideológico” e radical do movimento.
Zucco adiantou que a comissão deve pedir ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a prorrogação dos trabalhos, inicialmente por mais dois meses.
Além de conduzir a investigação sobre quem financia e quem é omisso na questão das invasões de terra, promovidas majoritariamente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Zucco também se manifestou contrário à aprovação do Projeto das Fake News, chamado por grande parte dos parlamentares de PL da Censura. “É inadmissível ter qualquer tipo de regulação de redes sociais”, defende ele.
Van Hattem: articulação política e defesa da autonomia do Poder Legislativo
Primeiro vice-líder da oposição na Câmara, outro gaúcho que tem se destacado na atuação parlamentar é o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). Aos 38 anos, está no segundo mandato como deputado federal. Bacharel em Relações Internacionais, jornalista e mestre em Ciência Política, foi eleito em 2004 vereador no município de Dois Irmãos (RS), aos 18 anos, e também foi deputado estadual no Rio Grande do Sul. O parlamentar é um dos que tem erguido a voz no Parlamento contra os chamados “excessos” e decisões arbitrárias das instâncias superiores do Judiciário.
Cristina Leal, do movimento Olho no Congresso Brasil, elogiou o desempenho de Van Hattem, como um dos destaques do semestre. Segundo ela, “combativo e corajoso”, nos discursos contra o PT, contra as invasões do MST e contra os “desmandos” do Supremo Tribunal Federal (STF).
Van Hattem tem buscado, desde o ano passado, instalar a CPI do Abuso de Poder na Câmara. No final de 2022, ele conseguiu número superior ao necessário para a criação da comissão, mas a CPI acabou arquivada em função do fim da legislatura.
Neste semestre ele reiniciou a busca por apoio para a mesma CPI, num trabalho de convencimento dos colegas, mas enfrenta maior resistência dessa vez. Faltam 27 assinaturas para completar as 171 exigidas pelo regimento interno da Casa. Além disso, a Câmara só permite o funcionamento simultâneo de cinco CPIs, e já há outras quatro instaladas. Se mais uma for criada, ele pode perder a oportunidade de avançar com o projeto.
Van Hattem disse à Gazeta do Povo que as adesões têm surgido à medida que aparecem fatos novos no cenário político. Ele planeja que a CPI seja transformada em uma CPMI - comissão mista com a participação de deputados e também de senadores, como defendem alguns parlamentares, para viabilizar sua aceitação.
Alguns desses fatos que caracterizariam abuso de poder foram a operação da Polícia Federal no gabinete do senador Marcos do Val (Podemos-ES), no mês passado, e a própria cassação do então deputado Deltan Dallagnol (PR), que teve o registro de candidatura cassado por descumprimento da Lei da Ficha Limpa.
“Deltan foi cassado sem base constitucional, foi vítima de arbítrio. A Mesa da Câmara confirmou uma decisão absurda. Não dá para concordar mais com os abusos”, afirma.
O deputado também tem defendido que a população precisa voltar a ser ouvida pelos poderes, e acredita que é importante que as pessoas voltem às ruas. “A gente precisa de mais pessoas nas manifestações. Se não voltarmos, não teremos a força necessária inclusive para pressionar os membros do Congresso sobre as pautas que precisam votar”, afirma.
Com uma postura mais moderada, Van Hattem tem conseguido transitar entre diversos partidos. Segundo ele, “como vice-líder tenho como meu dever negociar com os outros partidos. É preciso ter um perfil mais moderado, muitas vezes vou para a tribuna [do plenário] e comissões, mas tenho me dedicado à articulação de bastidores para trabalhar pelo Brasil”.
Sanderson ergueu a bandeira da "bancada da bala" e aposta na pressão contra Dino
Aos 54 anos, Ubiratan Sanderson (PL-RS) é presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado na Câmara dos Deputados. Foi policial por 23 anos e se reelegeu como deputado federal nas eleições de 2022. Sanderson integra a chamada “bancada da bala”, ou bancada da segurança, composta majoritariamente por integrantes de forças policiais e defensores das armas.
Recentemente, o deputado teve papel importante na negociação, junto ao presidente da Câmara, Arthur Lira, para votar em regime de urgência um projeto de decreto legislativo (PDL) para derrubar o decreto de Lula sobre o porte de armas, editado no primeiro dia de governo, endurecendo as regras para o porte de armas no país. Mas o projeto ainda não foi acionado, pois o deputado aguarda a divulgação de uma nova medida por parte do governo.
Numa entrevista para a Gazeta do Povo, Sanderson manifestou preocupação com as medidas de Lula para desarmar o cidadão. Segundo ele, as normas estão colocando em risco as atividades esportivas de tiro e até o funcionamento dos clubes, e provocando muitos prejuízos ao setor armamentista.
O presidente da comissão de Segurança criticou o curto prazo dado pelo ministério da Justiça para que os CACs (Colecionadores de armas, Atiradores e Caçadores) fizessem o recadastramento de seus armamentos. Enquanto aguarda a definição sobre um novo decreto antiarmas, em elaboração pelo governo Lula, Sanderson falou sobre os próximos passos.
“Nós provavelmente vamos ter que entrar com um novo [projeto de decreto legislativo] para anular então o novo decreto do Lula. Sendo um teor negativo, que é isso que nós estamos prevendo, nós vamos tomar providência aqui na Câmara para que esse decreto seja revogado, porque, afinal de contas, a legislação tem que ser feita pelo poder Legislativo.
"A bancada da segurança pública está muito atenta para evitar qualquer tipo de prejuízo", afirmou. O texto está sendo aguardado para as próximas semanas, conforme antecipou o ministro da Justiça, Flávio Dino.
Novato, Nikolas Ferreira se destacou por oratória sobre costumes
Recém-chegado à Câmara, aos 27 anos, o mineiro Nikolas Ferreira (PL-MG) foi o deputado federal mais votado do Brasil em 2022, com um milhão e meio de votos. Antes de desembarcar em Brasília, ele foi deputado estadual em Belo Horizonte, e carrega milhões de seguidores nas redes sociais.
Cristão, o deputado é assíduo nas redes, com postagens dirigidas ao público jovem e linguagem direta, mas recentemente provocou reações contrárias na Câmara.
No Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, o parlamentar ocupou a Tribuna do Câmara usando uma peruca loira, para dizer que “as mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres”.
Nikolas Ferreira respondeu às críticas por suposta atitude transfóbica dizendo que “expôs” sua opinião, e criticou a representação feita ao Conselho de Ética da Câmara contra ele dizendo que foi uma medida “política e não técnica”, e que está protegido por imunidade parlamentar.
O deputado já protagonizou outras polêmicas ao discutir com o deputado André Janones (Avante-MG) durante uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça, quando questionava o ministro Flávio Dino sobre uma visita ao Complexo da Maré, no Rio de Janeiro , e foi interrompido e chamado pelo apelido de “chupetinha”.
Articuladores de reformas e frente agropecuária atraíram atenção
O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, acredita que os grandes protagonistas da atuação parlamentar neste semestre foram mesmo os relatores do Arcabouço Fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA) e da Reforma Tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Para ele, Elmar Nascimento, líder do União Brasil (BA), também vem conquistando mais espaço político no Parlamento. Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária também merece destaque no cenário político, segundo o analista da Arko Advice.
Senadores se destacaram por oposição aos excessos do STF
O senador Eduardo Girão (Novo-CE), 51 anos, foi eleito em 2019 para exercer seu primeiro cargo político no Senado. Ele enfatizou que, apesar dos desafios e decepções enfrentados ao longo desse período, mantém uma postura firme em relação às suas causas e continua trabalhando em prol delas.
Uma das principais pautas defendidas por Girão é a agenda pró-vida, que se opõe à legalização do aborto ou flexibilização da legislação sobre o tema. Ele também se posiciona contrariamente às liberações das drogas e dos jogos de azar. Essas são questões complexas e controversas, nas quais o senador tem uma perspectiva específica.
Girão ressalta que é importante manter a esperança de que o futuro do país será melhor. Independentemente das dificuldades encontradas, ele acredita na importância de "persistir e trabalhar incansavelmente para alcançar seus objetivos".
Magno Malta (PL- ES) é veterano no Congresso. Aos 67 anos, ele já foi deputado estadual e federal, e está no terceiro mandato como senador. Também é pastor, cantor evangélico e tem perfil conservador.
Ao lado de Girão, é o outro integrante da oposição à frente da CPMI do 8 de janeiro, instalada para apurar as invasões de prédios públicos e depredações na manifestação em Brasília naquela data. O objetivo da oposição na CPMI é apontar as falhas e suposta omissão por parte do governo atual em evitar a invasão dos espaços públicos.
A oposição também procura questionar as prisões efetuadas no dia, como é o caso do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, que ficou preso por quatro meses.
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