A crise política na Venezuela tem pressionado o Brasil, especialmente a figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que possui uma aproximação histórica com o chavismo, a se posicionar sobre a eleição fraudulenta do ditador Nicolás Maduro. Passados quase dois meses das eleições em que Maduro alega ter sido reeleito, o Itamaraty ainda não se posicionou oficialmente sobre a permanência do autocrata no poder. Enquanto Lula evita críticas ao ditador venezuelano, analistas explicam quais são as alternativas diplomáticas do Brasil daqui para frente.
O novo mandato do presidente eleito na Venezuela tem início em janeiro e até lá, de acordo com analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o Brasil deve adotar um posicionamento sobre o resultado das eleições. Entre as possibilidades, a chancelaria brasileira pode se posicionar expressamente – reconhecendo ou não Maduro como presidente –, ou manter o silêncio, adotado até o momento, e esse reconhecimento acontecer de forma tácita, ou seja, mantendo as relações diplomáticas sem discutir a legitimidade da eleição de Maduro.
O reconhecimento expresso de um governo acontece por vias diplomáticas, através de uma nota emitida pelo Ministério das Relações Exteriores – como China e Rússia fizeram com a Venezuela. No caso do reconhecimento tácito, não há manifestação pública, seu entendimento é "implícito" a partir do momento que o país mantém o relacionamento e embaixadas no país, e desde que não ocorra o rompimento da relação entre ambos os países.
"O Brasil não está, necessariamente, discutindo a legitimidade do governo Maduro. Se o Brasil não reconhece a sua legitimidade, mas reconhece que ele é um governo de fato, ele tem um reconhecimento tácito", explica Vitélio Brustolin, doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento e pesquisador da Universidade de Harvard. Ou seja, as relações entre os dois países são mantidas sem a necessidade de reconhecer a legitimidade de Maduro como presidente da Venezuela, mas tendo o entendimento de que este é governo que representa seu país nas relações internacionais.
Uma outra opção para o Brasil diante da crise na Venezuela é o rompimento das relações. Possibilidade que já foi rejeitada por Lula. "Não é do interesse do governo do Brasil, neste momento, romper relações diplomáticas com a Venezuela. É do interesse tentar mediar a situação, sobretudo pensando na população venezuelana que entra no país", acrescenta Brustolin.
Diplomatas do Palácio Itamaraty já defenderam o mesmo ponto. Para eles, o isolamento da Venezuela é prejudicial para região como um todo e, consequentemente, também para o Brasil. A busca por uma solução pacífica, de acordo com o Ministério de Relações Exteriores, tem o intuito de restaurar a estabilidade no país. "Não é interessante um país sancionado na região", afirmou um funcionário da pasta reservadamente à Gazeta do Povo. Lula em diversas ocasiões já afirmou ser contra "sanções unilaterais", argumentando que elas apenas "prejudicam o povo" do país que alvo da sanção.
O posicionamento adotado por Lula e pelo Itamaraty, porém, não tem sido capaz de ajudar a solucionar a crise venezuelana. Neste cenário, a imposição de sanções, como as impostas pelos Estados Unidos e as nações da União Europeia, pode ser a única alternativa viável para pressionar Caracas financeiramente e enfraquecer o regime de Maduro. Contudo, o apoio de outras ditaduras ao líder chavista, como a Rússia e a China, pode frustrar esse esforço das potências ocidentais.
Silêncio do Brasil sobre Venezuela coloca em xeque sua liderança na América do Sul
Entre as alternativas expostas pelos analistas ouvidos pela reportagem, a avaliação é de que o governo Lula provavelmente opte por manter a relação com a Venezuela mas sem manifestar apoio ao processo eleitoral no país. O chamado reconhecimento tácito do governo venezuelano, apesar de parecer a solução mais viável diante a crise no país, representa um cenário negativo para o Brasil.
O professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI), avalia que ao evitar um posicionamento expresso e mantendo as relações com Caracas, o país coloca em xeque sua liderança regional, atestando a dificuldade e incapacidade de encontrar uma solução para a crise política na Venezuela.
"O posicionamento brasileiro gera ambiguidade e tem permitido interpretações, fazendo ainda com que a postura do Brasil, enquanto hegemônico regional, seja questionada. O fato de o hegemônico, o país mais poderoso da região, não se posicionar, abre uma brecha perigosa para questionamentos", pontua Gomes.
O governo Lula tentou utilizar de sua aproximação com o regime chavista para intermediar uma uma solução para o país vizinho, mas não obteve sucesso. Ao lado da Colômbia, os países têm mantido contato com Maduro e membros da oposição para uma saída pacífica no impasse em Caracas, mas o autocrata venezuelano não parece disposto a abrir mão do poder.
As eleições presidenciais na Venezuela ocorreram no dia 28 de julho e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país anunciou, após 80% das urnas apuradas, a vitória de Nicolás Maduro. O anúncio da reeleição do autocrata foi feito sem comprovação de dados de votação e, desde então, a oposição contesta o resultado. O diplomata Edmundo González Urrutia, principal nome da oposição no pleito, reclama ser o verdadeiro vitorioso na disputa e acusa Maduro de manipulação no processo eleitoral.
Desde que a oposição passou a contestar os resultados, o regime de Nicolás Maduro iniciou uma perseguição contra opositores e manifestantes no país. No início deste mês a justiça da Venezuela expediu um mandado de prisão contra Edmundo González, que fugiu do país e buscou asilo da Espanha.
Em nota divulgada pelo Palácio Itamaraty, os governos brasileiro e colombiano externaram preocupação com a ordem de prisão contra González, destoando de demais nações sul-americanas que condenaram com veemência a medida.
Ainda assim, dias após a declaração, o regime Maduro revogou a autorização que mantinha a embaixada da Argentina na Venezuela sob custódia brasileira desde expulsão do corpo diplomático argentino da Venezuela, no início de agosto. No fim de semana, forças venezuelanas montaram um cerco no local, que serve de asilo para seis opositores do regime. Para Elton Gomes, docente da UFPI, esse movimento já pode ser interpretado como uma contestação à hegemonia regional do Brasil. A ação militar na embaixada argentina foi encerrada só depois do exílio de González.
Legitimidade do regime Maduro é questionável para diretrizes da diplomacia brasileira
De acordo com Vitélio Brustolin, docente da Universidade Federal Fluminense (UFF), há ainda diretrizes de reconhecimento de governo adotadas pela diplomacia brasileira. Nesse sentido, ao discutir a legitimidade de um governo, é preciso analisar algumas características. São elas:
- a existência real de governo aceito e obedecido pelo povo;
- a estabilidade desse governo;
- a aceitação, deste governo, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo estado.
O analista pontua que essas características são contestáveis quando se analisa o atual governo da Venezuela. "Existe um governo na Venezuela, mas ele é aceito? Isso é contestável. Primeiro que não tem como comprovar que ele foi eleito e segundo que ele é obedecido porque impõe a força. Ou seja, é um governo opressor e as pessoas obedecem porque têm medo", analisa Vitélio.
A descrita estabilidade, de acordo com o especialista, também é questionável. "O governo tem ao seu lado as Forças Armadas e se mantém no poder devido a coalizão com o Exército", pontua. Proporcionalmente, o exército venezuelano é que o mais possui generais no mundo. A prática é vista por analistas como uma forma de Nicolás Maduro manter seu título de presidente, o que evita um golpe e sua derrubada do poder.
No terceiro e último ponto, Vitélio ressalta o evidente descompromisso de Caracas com suas obrigações internacionais com, por exemplo, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e até mesmo com o Brasil, já que o país possui uma dívida de mais de quase US$ 2 bilhões com os cofres brasileiros e não há previsão de pagamento. Vale relembrar ainda que a Venezuela foi suspensa do Mercosul quatro anos após admissão, devido à ausência de seus compromissos com o bloco e por "ruptura da ordem democrática".
Maduro pode decidir romper com o Brasil
Outra possibilidade é a de Nicolás Maduro decidir romper com o Brasil. Na avaliação dos analistas ouvidos pela reportagem, o autocrata pode não interpretar bem a falta de apoio explícito de Lula e decidir pelo rompimento.
O petista saiu em defesa de Nicolás Maduro em diversas oportunidades no último ano. Em uma delas, chegou a afirmar que o regime ditatorial de Maduro não passava de uma "narrativa". A declaração lhe rendeu críticas inclusive de aliados. Nos últimos meses, após a degradação observada no mais recente processo eleitoral no país, Lula passou a mudar o tom, ainda que de forma sutil.
Essa mudança não agradou ao ditador. Ainda durante a campanha eleitoral na Venezuela, o chavista teceu críticas a Lula e ao Brasil. O brasileiro evitou comentários sobre os ataques e, mais recentemente, chamou o governo de Maduro de "regime com viés autoritário".
A isso também se soma a perda de influência de Lula no regime chavista. O petista tinha uma relação próxima de Hugo Chávez e o aconselhava sobre temas sensíveis. Lula, porém, já não possui a mesma importância para Maduro, assim como o Brasil para a Venezuela, o que limita influência do petista sobre o venezuelano e pode abrir brechas para um rompimento.
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