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A ministra da Saúde, Nísia Trindade, foi presidente da Fiocruz.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, foi presidente da Fiocruz.| Foto: Lula Marques/Agência Brasil.

A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) propôs que a ministra da Saúde, Nísia Trindade, devolva aos cofres públicos R$ 11 milhões por supostos danos ao erário. A apuração do TCU apontou que a ministra não comprovou a regularidade da aplicação de recursos repassados pela União em um contrato com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), quando ela comandava a entidade. O parecer foi feito pela Secretaria-Geral de Controle Externo do TCU no dia 4 de dezembro.

A auditoria afirmou que houve erros na metodologia de um estudo da Fiocruz sobre o uso de drogas no Brasil e itens do edital do contrato não foram cumpridos, segundo apuração divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo. O parecer precisa ser aprovado pelo relator do caso, ministro Antonio Anastasia, e pelo plenário do TCU. Ainda não há data definida para o julgamento.

O processo, chamado de tomada de contas especial, foi instaurado pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) em 2022. A Senad, que é vinculada ao Ministério da Justiça, contratou o estudo sobre drogas em 2014, por R$ 7,9 milhões. O objetivo da pesquisa era servir de base para a elaboração de políticas de prevenção ao uso de drogas. A Fiocruz venceu a disputa pelo contrato, e o valor foi pago com o Fundo Nacional Antidrogas.

De acordo com o estudo realizado pela Fiocruz, não existe uma epidemia de uso de drogas no Brasil. O órgão afirma que ouviu cerca de 16 mil pessoas e contou com uma equipe de aproximadamente 400 profissionais para a realização do levantamento. Em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), o Ministério da Justiça considerou que o estudo não permitia a comparação com pesquisas anteriores. A possibilidade de comparação entre as informações era uma das obrigações previstas no contrato para compreender eventuais tendências no uso de drogas na população.

Em 2019, o levantamento foi liberado após um acordo entre a Advocacia Geral da União (AGU), a pasta da Justiça e a Fiocruz. A tomada de contas especial foi aberta após um um processo administrativo sobre o tema no ministério não obter respostas suficientes sobre supostas irregularidades. A Senad apontou como responsáveis pela gestão dos recursos federais: Nísia Trindade, a Fundação Para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec) – vinculada à Fiocruz –, e outro ex-dirigente da fundação. O TCU acompanhou o entendimento da Senad.

Para os técnicos, ao gerir a verba para a pesquisa, Nísia não atingiu os objetivos previstos no edital e deixou de tomar as providências ao seu alcance. "A ausência das providências ao seu alcance, necessárias ao atingimento dos objetivos pactuados no instrumento em questão, seja por ser o objeto inservível, seja por não ter alcançado funcionalidade, resultou na impossibilidade de seu aproveitamento pelos beneficiários, e, consequentemente, em dano ao erário correspondente ao valor integral repassado", disse o TCU.

A área técnica do tribunal entendeu que é razoável supor que Nísia tinha consciência da ilicitude de sua conduta. O auditor Sérgio Brandão Sanchez, que assina o parecer, citou a possível culpa de todos os responsáveis pelo contrato. Sanchez determinou que eles devem apresentar suas defesas ou devolver o valor total do débito quantificado em relação à irregularidade, corrigido pela inflação, ao Fundo Nacional Antidrogas.

Em nota à Gazeta do Povo, o Tribunal de Contas da União (TCU) informou que "ainda não há decisão do Tribunal" sobre o caso e afirmou que os documentos do processo não estão públicos no momento. O Ministério da Saúde encaminhou à Gazeta do Povo a nota sobre o parecer feita pela Fiocruz. A Fiocruz disse que em nenhum momento procedimentos administrativos ou financeiros da pesquisa foram questionados pelo financiador.

Segundo a instituição, na época, os questionamentos da Senad sobre o tema foram respondidos. "O processo de conciliação mediado pela AGU foi encerrado em 2022 sem que a controvérsia acerca de questões técnicas entre Fiocruz e Senad fosse resolvida", disse a entidade. A Fiocruz também ressaltou que o levantamento já foi utilizado como referência em outras pesquisas e reforçou o mérito científico e a credibilidade dos dados.

Confira a íntegra da nota da Fiocruz:

"O relatório da Secretaria-Geral de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), assinado em 4 de dezembro, é o primeiro documento do órgão sobre o processo em questão. O processo ainda está em curso e segue os trâmites regulares estabelecidos pela administração pública federal. O relatório, de caráter preliminar, teve como base a Tomada de Contas Especial enviada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) ainda em 2022. O TCU agora abrirá o processo ao contraditório, permitindo a manifestação oficial dos pesquisadores e gestores da Fiocruz. Depois de ouvir os dois lados, o TCU emitirá uma decisão final. Não há qualquer decisão até o momento.

A Fiocruz reitera a lisura do processo, o mérito científico e a credibilidade do estudo realizado, como o vem fazendo desde 2018 aos órgãos solicitantes. Com a abertura da etapa do contraditório pelo TCU, a Fiocruz apresentará as evidências necessárias para a conclusão favorável desse processo pelo órgão. É importante ressaltar que em nenhum momento procedimentos administrativos ou financeiros relacionados à pesquisa foram objeto de questionamento pelo financiador.

A pesquisa intitulada “3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira” foi realizada pela Fiocruz com financiamento da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O financiamento se deu por meio de edital público lançado em 2014 pela Senad, ao qual a Fiocruz concorreu e foi selecionada. A prestação de contas do estudo foi enviada ao órgão financiador em junho de 2018.

À época do envio da prestação de contas, a Senad realizou questionamentos relacionados a questões técnicas e metodológicas da pesquisa, que foram prontamente respondidas pela Fiocruz. Em 2019, a discordância técnica foi levada à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal da Advocacia-Geral da União (AGU), e foi acordada entre as partes a divulgação dos resultados da pesquisa, considerando o mérito científico, sua importância para a sociedade e para a formulação de políticas públicas. Os resultados estão disponíveis em acesso aberto (em Português, Inglês e Espanhol), no Repositório Institucional da Fiocruz (Arca: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/34614), onde também pode ser acessada a nota da AGU com a autorização de divulgação.

O processo de conciliação mediado pela AGU foi encerrado em 2022 sem que a controvérsia acerca de questões técnicas entre Fiocruz e Senad fosse resolvida. Até a presente data, o relatório da pesquisa já teve mais de 80 mil acessos no ARCA e foi utilizado como referência por outras 345 pesquisas. Também foram publicados/aceitos 12 artigos científicos que utilizaram os dados obtidos na pesquisa e respondem a diferentes perguntas relacionadas a questões de saúde e sociais e ao uso de substâncias. Tais métricas reforçam o reconhecimento e importância da pesquisa, tanto para a comunidade acadêmica como para a sociedade, nacional e internacional.

Sobre a pesquisa

O 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira é o mais robusto e abrangente inquérito brasileiro já realizado até a presente data a avaliar o consumo de substâncias lícitas e ilícitas pela população domiciliada. Além de estimar o uso de substâncias nos grandes centros urbanos, ele é o único que permite estimar o uso em municípios de médio e pequeno porte, áreas rurais e faixas de fronteira. Foram entrevistados mais de 16 mil indivíduos.

Essa abrangência só foi possível graças à utilização, exigida em edital, do mesmo plano amostral adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para realização da já reconhecida Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Da mesma forma, é o único inquérito na área cuja documentação metodológica está completamente publicada, tornando a pesquisa totalmente reprodutível e garantindo a sua transparência para a sociedade.

Todo o estudo foi desenvolvido pelo Laboratório de Informação em Saúde (LIS), do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). O Laboratório é reconhecido, desde 2008, como Centro de Referência do Ministério da Saúde para as atividades de vigilância em saúde e realiza diversos estudos, já há algumas décadas, sobre as condições de saúde da população brasileira".

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