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O patamar de R$ 6 do dólar desde a última semana, puxado pelo pavor do mercado com o insuficiente e tumultuado pacote de corte de gastos do governo, pressiona inflação, dívida pública e juros. Mas a maior cotação histórica da divisa americana também causa danos políticos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nesta quinta (5), a moeda norte-americana fechou cotada a R$ 6,011.
A tentativa de Lula, ministros e o PT de atribuir a forte desvalorização do real aos especuladores ou ao Banco Central (BC) não convenceu a sociedade, que percebe os efeitos da crise no seu cotidiano. A realidade também não permitiu limitar as implicações do dólar caro à compra de artigos de luxo e às viagens internacionais.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, ao menos seis impactos políticos negativos advindos da desvalorização cambial afetam a imagem de Lula e da sua gestão. Eles podem definir os rumos da sucessão presidencial em 2026, indo desde a irritação popular com preços de alimentos à perda de apoio no Congresso. Veja:
1. Perda de popularidade
A desvalorização cambial aumenta o custo de vida de forma generalizada, pois não afeta apenas os produtos importados, mas também grande parte da produção nacional. Isso ocorre porque muitos preços no Brasil estão atrelados ao dólar e dependem de componentes e insumos importados. Esse cenário gera insatisfação, especialmente entre as camadas mais vulneráveis da população, que sentem com mais intensidade os efeitos da alta de preços, e isso pode levar à perda de popularidade do presidente Lula se a situação perdurar. Embora os preços no país sejam fixados em reais, uma parcela significativa deles reflete custos e referências baseadas na moeda americana.
2. Dá argumentos à oposição
Líderes da oposição ao governo vão explorar a crise cambial e seus efeitos no poder de compra da população e nas expetativas econômicas para mobilizar eleitores contra o governo, minando apoio político e popular na eleição de 2026. O aumento do custo de vida é de fácil compreensão e rápido desconforto.
3. Enfraquecimento de Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), principal nome do governo para o próximo pleito presidencial – caso Lula não queira tentar a reeleição –, é justamente aquele cuja imagem mais se desgasta em razão da disparada do dólar. Isso porque a percepção de falta de comando na economia aumenta.
4. Mais pressão sobre corte de gastos
Sendo a hesitação e a insuficiência do corte de gastos os principais fatores de alta recente do dólar, o combate ao seu patamar elevado e seus efeitos práticos, sobretudo para a camada mais pobre, exigirá medidas ainda mais ousadas e impopulares de ajuste fiscal. Deputados da oposição e frentes parlamentares estão articulando para aprofundar os cortes propostos pelo governo. Esse é um dilema que o governo deverá sofrer.
5. Maior desconfiança de investidores
A perda de credibilidade no governo com a desvalorização cambial, tida como reflexo de desequilíbrios estruturais e má condução da economia, agrava a percepção de investidores e empresários. Isso favorece fuga de capitais financeiros e adia projetos da economia real, minando dividendos eleitorais.
6. Instabilidade política
A insatisfação com a piora do custo de vida pode levar a protestos da sociedade e aumento da pressão política sobre o governo, especialmente em contextos de mais inflação. Além disso, partidos podem deixar a base aliada, dificultando a aprovação de políticas ou reformas necessárias.
Em casos extremos, a perda de confiança na condução da economia pode levar a crises de governabilidade, com pedidos de impeachment e renúncias. Mas, antes disso, a necessidade de estabilizar a moeda pode levar a políticas de austeridade, que frequentemente são impopulares e enfrentam resistência política e social.
No Brasil, a desvalorização do real no início dos anos 2000 afetou a popularidade do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que acabou não conseguindo emplacar o seu sucessor em 2002. Curiosamente, o receio de uma vitória de Lula, que acabou se confirmando, fez o dólar a dobrar de valor, para R$ 4.
Anúncio de medida populista dentro do pacote deflagrou a disparada do dólar
Sem horizonte de recuo forte, a disparada da moeda americana iniciou na quarta-feira (27), antes do anúncio das medidas. Passou de R$ 6 na sexta-feira (29), quando do detalhamento delas, e fechou na terça-feira (3) a R$ 6,07. Em maio de 2020, no auge da pandemia da Covid-19, a cotação bateu em R$ 5,90, a maior até então.
De acordo com estimativas do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, o Brasil poderá sair da lista das 10 maiores economias do mundo em 2024 devido à desvalorização do real frente ao dólar. Caso a taxa média de câmbio siga na casa dos R$ 6 em 2025, o país deve cair para a 12ª ou 13ª posição no ranking global.
Especialistas creditam à inclusão da isenção de imposto de renda (IR) para salários até R$ 5 mil no pacote de corte de gastos do governo como o gatilho para o salto histórico do dólar. Mas há outras incertezas nos planos interno e externo, sobretudo com o futuro governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, que tem prometido medidas protecionistas.
Para especialistas, crise de confiança no governo indica cenário tenso para o dólar
O conselheiro de empresas e palestrante Ismar Becker atribui o patamar de R$ 6 do dólar a sucessivos e crescentes déficits fiscais do governo. “A expansão anual de 8% nos gastos gera aumento explosivo da dívida pública e exigirá juros cada vez mais altos de investidores e autoridade monetária. É um quadro insustentável”, afirmou.
Becker acredita que a moeda americana não cederá nos próximos meses e alerta para o repasse iminente dos novos custos de importados, sejam matérias-primas ou produtos acabados, em reais. “Isso afetará principalmente os mais pobres, começando pelos preços de itens básicos como carne e pão”, prevê.
Ele também expressa preocupação com o início de um possível ciclo vicioso: perda de credibilidade fiscal, mais gastos públicos, aumento da dívida e juros elevados, tudo refletido em maior inflação. “Esse cenário pode explodir no fim do primeiro semestre de 2026, às vésperas da corrida presidencial”, especulou o empresário.
O cientista político Márcio Coimbra, diretor do Instituto Monitor da Democracia, afirma que o Brasil enfrenta grave crise de credibilidade, “agravada por um governo de esquerda sem o rigor fiscal necessário para estabilizar o câmbio”. Segundo ele, o problema central é a perda de força do real frente às principais moedas do mundo.
Coimbra destaca que os impactos na economia são profundos, começando pelo aumento do passivo público. “O custo elevado de bens básicos e de maior valor agregado penaliza toda a população, sobretudo os mais pobres. A desvalorização do real só beneficia exportadores, enquanto o resto arca com prejuízos”, concluiu.
Pacote de corte de gastos pode perder eficácia diante de novas pressões do dólar
Arthur Wittenberg, professor de relações governamentais e políticas públicas do Ibmec-DF, destaca que a alta do dólar tem impactos conforme a renda. “Enquanto os mais vulneráveis sofrem com preços de alimentos e transportes, a classe média sente o peso de combustíveis, viagens internacionais e importados”, exemplificou.
Nos negócios, o câmbio atual afeta empresas que importam bens de capital e insumos produtivos, embora favoreça exportadores. “Deixar de vender para o mercado interno e exportar passa a se tornar mais vantajoso, já que o valor das vendas externas compensa o custo dos insumos importados”, explica.
Wittenberg também alerta para o aumento dos custos de programas sociais em um cenário de ajuste fiscal. “O dólar caro encarece investimentos em infraestrutura e reduz o valor das transferências às famílias, comprometendo a eficácia”, disse. Por isso, ele receia que o atual pacote de corte de gastos não traga o resultado necessário.