O Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (22), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita decisões individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao todo, foram 52 votos a favor e 18 contra no primeiro e no segundo turnos da deliberação. A medida é uma reação do Congresso para barrar o ativismo judicial do STF. Após a aprovação no plenário do Senado, a PEC segue para avaliação da Câmara.
Inicialmente marcada para terça-feira (21), a votação foi adiada para esta quarta devido ao quórum de 69 dos 81 congressistas na sessão anterior do Senado. A avaliação foi de que seria arriscado colocar a medida em votação na terça, pois para ser aprovada é preciso o apoio de três quintos dos senadores, ou seja, 49 votos. Além disso, o adiamento para quarta foi proposto pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para a inclusão e discussão de emendas.
Questionado sobre o que o ministro Alexandre de Moraes pensava sobre a votação no Senado, Pacheco afirmou em coletiva de imprensa que o ministro “entenderia” a posição da Casa. Ele voltou a defender que decisões sobre a constitucionalidade das leis aprovadas pelo Congresso sejam julgadas pelo colegiado da Corte.
“Que esse processo legislativo seja respeitado para que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei do Congresso Nacional, sancionada pelo presidente da República, seja apreciada pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF). É evidente que eu respeito e reconheço que cabe ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, decidir em última instância a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei. Mas que o faça pelo seu colegiado e não por um ministro”, disse o presidente do Senado.
A proposta esteve parada por dois anos, mas voltou a tramitar nos últimos meses em razão das crescentes tensões entre os Poderes Legislativo e Judiciário. A PEC obteve apoio rápido e expressivo na Casa. Uma prova disso foi que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) demorou não mais que um minuto para aprová-la, por unanimidade e sem discussão, no dia 4 de outubro.
Ao ler o relatório no Plenário da Casa, o senador Esperidião Amin (PP-SC), o relator da matéria, afirmou que a PEC visa "valorizar o Estado Democrático de Direito" e garantir a apreciação de matérias consideras inconstitucionais pelo colegiado do Supremo.
"Esta é uma proposta que tem como objetivo precípuo valorizar o Estado Democrático de Direito, a República com os seus direitos constituídos. O que nós desejamos com essa proposta, tanto de 2019 quando esta, é que uma lei aprovada pelas duas casas do Congresso e sancionada pelo presidente da República seja examinada como é previsto na Constituição Federal: pela Suprema Corte e pelos tribunais respectivos e consertada caso nela haja alguma inconstitucionalidade. Chegamos hoje a um momento decisivo nessa casa e o objetivo segue o mesmo: melhorar a segurança jurídica e prestigiar os poderes constituídos", disse o senador.
Entenda as principais propostas da PEC para limitar o poder do STF
Apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), a PEC 8/2021 tinha dois pontos principais: a restrição de concessão de decisões monocráticas dos ministros do STF e estabelece prazos para os pedidos de vista.
Decisões monocráticas são aquelas proferidas por apenas um magistrado. Elas se contrapõem às decisões colegiadas – as que são tomadas por um conjunto de ministros tanto nos tribunais superiores, como o STF, ou nos de segunda instância, pelos desembargadores.
Inicialmente, a PEC vedava as decisões monocráticas de ministros e desembargadores que suspendam a eficácia de leis ou atos normativos com efeito geral editadas pelo Executivo, como decretos ou medidas provisórias, ou que suspendam atos dos presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional, conforme informado pela Agência Senado.
De acordo com a proposta, essas decisões não poderiam ser proferidas senão por deliberação do plenário do STF, formado por 11 ministros. Se o pedido de suspensão de alguma lei ou norma for realizado durante recesso do Judiciário, o presidente do STF ou o ministro que estiver de plantão pode suspender a norma monocraticamente, em situações de grave urgência ou risco de dano irreparável. Nesses casos, o plenário deverá julgar a questão em até 30 dias após a retomada dos trabalhos, sob pena de perda da eficácia da decisão.
No entanto, a proposta encontrava resistência na Casa e precisou ser modificada. O relator acatou a emenda do senador Omar Aziz (PSD-AM) (Emenda nº 2-PLEN) que retira do texto expressão “ato normativo com efeito erga omnes” no novo inciso I do § 1º do art. 97 da Constituição Federal. O dispositivo permite que Judiciário possa proferir decisões monocráticas em atos normativos do presidente, governadores e prefeitos que interfiram em competências do Legislativo. No caso de atos administrativos, como nomeações, segue a proibição de decisões monocráticas.
A PEC ainda estabelecia um prazo máximo para os pedidos de vista, em que cada ministro tem direito de paralisar o julgamento para analisar melhor o caso. A partir de agora, eles deveriam ser concedidos coletivamente por até seis meses, com a possibilidade de uma única renovação, limitada a mais três meses. Atualmente, cada ministro pode pedir vista individualmente, sem prazo específico, o que possibilita realizar sucessivos pedidos por tempo indeterminado, fazendo com que certos temas simplesmente tenham a votação adiada a perder de vista, segundo a conveniência do Supremo.
A mudança nos prazos gerou consternação entre os senadores. Para facilitar a tramitação, Amin acatou um destaque proposto pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) para retirar o trecho do projeto e manteve o atualmente entendimento sobre o assunto.
Líder do governo votou a favor após mudanças
Com a mudanças feitas no texto, o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, anunciou que votaria a favor da matéria. O voto pegou de surpresa os parlamentares presentes, já que o PT orientou voto contra a proposta e governo não se posicionou sobre o assunto, dando a entender que houve liberação de bancada.
“Quero não mais falar como líder do governo, apesar de que é indissociável. Eu entendo que houve um esforço, e eu me orgulho de ter feito parte disso, para minimizar ou diminuir as diferenças que poderiam incomodar ou serem interpretadas equivocadamente como uma intromissão do Legislativo na Corte Superior", disse Jaques Wagner. "Portanto, entendo que, com essa evolução, quero anunciar que o meu voto será 'sim', a favor da PEC", emendou.
Oposição destaca necessidade de limitar decisões monocráticas do STF
Ao longo da discussão, senadores de oposição destacaram que a PEC colabora para o equilíbrio entre os poderes ao limitar as decisões individuais de ministros do STF.
Para o senador Marcos Rogério (PL-MT), não se pode mais conviver com um modelo em que decisões judiciais individuais determinem o futuro de questões de grande relevância "Essa PEC busca limitar, e não impedir, a proliferação de decisões monocráticas apoiadas pelas cortes brasileiras, especialmente quando tem impacto na vigência de leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Leis ordinárias e até emendas constitucionais promulgadas acabam sendo objeto de questionamento e em decisão monocrática acabam perdendo a sua validade", afirmou.
O senador Rogério Marinho (PL-RN) salientou que a sociedade tem cobrado o Parlamento para reequilibrar a ação entre os poderes, mas que isso ocorra sem conflito e com o intuito de melhorar o funcionamento das instituições. "Cada brasileiro, independente do seu viés ideológico, da sua visão programática do mundo, compreende a importância deste poder, desta Casa Revisora. A Constituição nos proporcionou uma série de responsabilidades, entre as quais propor ações, projetos e formas de melhorar a estrutura da própria Constituição, para que os poderes constituídos possam ser aperfeiçoados", disse.
Já o senador Carlos Viana (Podemos-MG) ressaltou que a aprovação da PEC não se trata de desrespeito ao Judiciário. "Votar o fim das decisões monocráticas é nossa atribuição e uma resposta que a população brasileira espera de nós há muito tempo. Não estamos aqui levantando qualquer tipo de guerra ou desrespeito a outro poder da República. Mas estamos decidindo com clareza que as nossas atribuições vieram pelo voto da população, que nos deu a confiança de representá-los aqui como senadores da República", salientou.
Parlamento quer conter abusos do STF
Em agosto deste ano, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), iniciou um processo de redefinição de sua imagem pública e pautou medidas históricas para conter excessos dos ministros do STF. Até então, ele era vinculado à apatia do Congresso Nacional diante do ativismo judicial do STF.
Em outubro, Pacheco se envolveu em um embate com o ministro do Supremo Gilmar Mendes, durante o 1° Fórum Esfera Internacional, realizado em Paris. Na ocasião, o presidente do Senado enfatizou que era “absolutamente imperativo” que o STF não assumisse o papel de “criador das regras e leis do país”. Ele ainda afirmou de forma enfática que era “inaceitável que o STF, ou outra instância judiciária, exercesse essa função, pois “essa responsabilidade pertence, de forma legítima, ao Legislativo”.
Gilmar Mendes, que também participava do Fórum, tentou se contrapor à veemência de Pacheco, mas acabou fortalecendo os argumentos do senador e dos que o apoiam ao dizer que “se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deve a uma decisão do Supremo Tribunal Federal”.
Ainda no mesmo evento, o ministro Luís Roberto Barroso, que atualmente é o presidente do STF, buscou apaziguar e normatizar a questão ao atribuir o protagonismo da Corte na política ao fato de o Brasil ter uma “Constituição abrangente”.
Pacheco saiu fortalecido do embate e, apesar de um histórico de desconfiança, sobretudo entre os setores da direita, sua fala foi comemorada e respaldada pelos senadores de oposição ao governo e que buscam conter a influência crescente do STF na política.
"Assim como os demais Poderes, o Judiciário precisa aprimorar as atividades, dando mais celeridade e legitimidade às decisões. A maneira de agir, julgar e servir ao povo está em constante evolução. A sociedade muda, o Direito muda e a Constituição muda”, afirmou Pacheco, durante sessão para debater a PEC no plenário do Senado, em 19 de outubro.
O outro lado: governo e STF são contrários à proposta
Por diminuir a autonomia dos ministros do Supremo, a PEC é repudiada por eles e pelo próprio governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse não ver razão para mexer agora no funcionamento da Corte. “Honesta e sinceramente, considero uma instituição que vem funcionando bem”, afirmou.
Barroso lembrou que, em janeiro, por iniciativa da então presidente do STF, Rosa Weber, foi aprovada uma mudança no regimento interno de teor semelhante à PEC do senador Oriovisto Guimarães, porém mais amena.
O novo regimento estabelece que pedidos de vista vencem em 90 dias, mas a volta do julgamento depende de que seja feito um acordo entre quem pediu mais tempo e o presidente da Corte, que definirá a pauta. Decisões liminares e cautelares devem ser submetidas “imediatamente” a referendo dos demais ministros, mas não há um prazo determinado para isso.
Em resposta, Oriovisto disse que sua PEC, além de mais rigorosa, não poderia ser mudada a qualquer momento pelos próprios ministros, como ocorre com as alterações no regimento da Corte.
“Quantas vezes você já viu o Supremo mudar de opinião sobre o mesmo assunto? Em um momento [2016], a prisão em segunda instância era válida, depois [em 2019] deixou de ser válida. Se numa questão grave como essa eles mudam de opinião, imagina com o regimento, que eles mudam na hora que quiserem? Minha PEC traz segurança jurídica, o regimento muda a hora que eles querem, e os prazos são frouxos”, rebateu o senador.
Já o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), também se manifestou contrário à iniciativa. Para Randolfe, a medida veio em um momento inoportuno – ele julga que o Judiciário é alvo de "extremistas" – embora reconheça a legitimidade da tramitação da proposta.
PEC visa trazer segurança jurídica para o país
O senador Oriovisto Guimarães afirmou no início de outubro que a iniciativa não busca fomentar uma guerra entre Legislativo e Judiciário. Segundo ele, o objetivo é trazer segurança política para o país e criar equilíbrio entre os poderes.
“Minha proposta é antiga, está sendo discutida há cinco anos para buscar o aperfeiçoamento da democracia”, afirmou o parlamentar à Gazeta do Povo quando a medida foi aprovada pela CCJ no Senado.
Segundo o senador, o grande número de decisões monocráticas proferidas pelo STF gera muita insegurança jurídica, já que a democracia brasileira se baseia na divisão entre os três Poderes. Para tanto, afirma que deve haver um sistema de freios e contrapesos, pois “ninguém decide tudo sozinho”.
“Isso hoje está muito desequilibrado. Os 513 deputados e 81 senadores aprovam a lei, mas um único ministro do STF decide que ela não vale? Decide de forma monocrática e fica anos suspensa”, afirmou o parlamentar.
“Um presidente da República, eleito com dezenas de milhões de votos, escolhe um ministro de Estado ou um diretor-geral da Polícia Federal, e vem um único ministro, que não teve um único voto, e diz que a nomeação está suspensa? É claramente um sistema desequilibrado”, afirmou Oriovisto Guimarães.
Já o relator da proposta, o senador Esperidião Amin (PP-SC), afirmou, em seu parecer favorável à PEC, que os “excessivos poderes monocráticos e de ilimitados pedidos de vista de ministros do STF frequentemente convertem esses magistrados em atores capazes de influenciar a arena política. O ‘monocratismo’ chega ao exagero de gerar mesmo uma ‘jurisprudência pessoal’ de cada ministro”, escreveu.
Durante a sessão do Senado da terça-feira, Amin afirmou que o "debate é bom para o povo brasileiro, para a justiça e para que nós digamos a sociedade que lei é para ser cumprida".
"Se o Supremo constatar, como colegiado, uma inconstitucionalidade de uma lei, ninguém vai dizer que não é. Mas a decisão tem que ser do colegiado", salientou o senador catarinense.
Entenda o caminho desde a apresentação da PEC até a aprovação
A PEC foi primeiramente apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães no início do mandato, em 2019, e foi rejeitada pelo plenário do Senado em setembro daquele ano.
Em 2021, Oriovisto refez a proposta, incluindo estudo que identificou que, entre 2012 e 2016, o STF proferiu 883 decisões monocráticas – uma média de oitenta decisões por ministro. Os julgamentos dessas liminares levaram, em média, dois anos para ocorrer no plenário.
Desde o início do segundo semestre de 2023, a PEC ganhou força no Senado embalada por uma reação do Congresso ao avanço do STF sobre políticas que tinham sido rechaçadas por parte significativa dos parlamentares.
Decisões da Corte como as que impuseram o fim do marco temporal para demarcação de terras indígenas, a provável descriminalização do porte de maconha e a possibilidade do julgamento que pode liberar o aborto de fetos de até três meses impulsionaram a reação das bancadas do agro, da segurança pública e da família e defesa da vida.
Foi iniciado um movimento de obstrução de pautas do governo na Câmara e no Senado. Negociações foram deflagradas para fixar mandatos para ministros do STF e para aprovar outra PEC, a qual permitiria ao Congresso sustar decisões da Corte que “extrapolem limites constitucionais”.
Até mesmo parlamentares de esquerda e do centro apoiaram a proposta, como a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), da tropa de choque do governo Lula, e políticos tradicionais como Omar Aziz (PSD-AM), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra do Planejamento.
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