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Luís Roberto Barroso STF
Relator da ação, Luís Roberto Barroso liberou o caso para julgamento no STF em setembro de 2023| Foto: Antonio Augusto/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (18) se uma entidade de defesa dos animais poderia ter promovido o boicote, na internet e junto a patrocinadores, da Festa de Peão de Barretos, realizada anualmente no interior paulista. A ONG Projeto Esperança Animal (PEA) recorreu à Corte para derrubar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que proibiu a entidade de associar, em seu site, o rodeio de Barretos ao sofrimento dos touros, além de listar patrocinadores para que as pessoas os pressionassem pelo fim do apoio ao evento.

A TJ-SP condenou a ONG PEA a indenizar os organizadores da Festa de Peão de Barretos em R$ 10 mil, e impôs multa diária de R$ 100 mil caso a entidade contatasse os patrocinadores ou publicasse “notícias generalizadas sobre o assunto” sem que fosse acompanhada da posição do evento, que nega os maus-tratos aos animais.

No STF, o caso recebeu repercussão geral, de modo que a decisão dos ministros seja aplicada a casos semelhantes. De um lado, a ONG PEA defende sua liberdade de expressão para criticar as práticas do rodeio e inferir que elas implicam sofrimento nos animais, e de outro, a Festa do Peão de Barretos diz que as publicações são inverídicas, atingem a imagem e a honra dos organizadores, e arriscam inviabilizar um evento que movimenta a economia e tem valor cultural.

Na sessão desta quarta (18), apenas advogados das partes envolvidas e entidades interessadas no assunto se manifestaram na tribuna. Os votos dos ministros serão proferidos posteriormente, em data ainda indefinida, e dos quais sairá a decisão do STF.

Na decisão em que reconheceu a repercussão geral e a relevância do caso, o relator, Luís Roberto Barroso, resumiu assim a controvérsia: “a questão constitucional em exame consiste em definir os limites da liberdade de expressão, ainda que do seu exercício possa resultar relevante prejuízo comercial, bem como fixar parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras consequências jurídicas que lhe possam ser legitimamente impostas”.

Acrescentou que o julgamento se assemelha a outro realizado na Alemanha em 1958, no qual o Tribunal Constitucional permitiu que um cidadão convocasse um boicote aos filmes de um diretor de cinema com passado nazista. O caso no STF chamou a atenção de ativistas da liberdade de expressão, que se manifestaram no processo e também na sessão desta quarta.

Advogados defendem a liberdade de expressão

Em nome da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), o advogado André Cirino argumentou que, mesmo quando não há censura prévia, mas sanções judiciais posteriores à publicação - que imponham direito de resposta, retificação e indenizações - podem inibir a livre manifestação do pensamento, direito fundamental garantido pela Constituição.

“Exige-se que a imposição de direito de resposta ou retificação seja razoável. A indenização também deve ser proporcional [...] A condenação à obrigação de pagar pode causar silenciamento, na prática. Indenizações podem ser mordaça”, disse o advogado.

“Mais importante que adotar critérios para restringir a liberdade de expressão, é afirmar qual é seu sentido em uma sociedade democrática”, disse depois Raquel da Cruz Lima, da ONG Artigo 19, favorável à revogação da decisão do TJ-SP.

No processo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela revogação da decisão do TJ-SP. “A proteção constitucional à liberdade de expressão alberga a diversidade de juízos de valor sobre temas em que há dissenso social, desde que se baseie em fatos que não sejam inverídicos”, diz parecer do órgão de 2020, assinado pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras.

Ex-ministro Joaquim Barbosa era favorável ao boicote

O recurso da PEA chegou ao STF em 2011 e, na época, o ministro aposentado Joaquim Barbosa, então relator de uma outra ação da entidade, considerou que não estava em questão a veracidade das informações veiculadas pela entidade, mas sua opinião sobre o rodeio e o uso do sedém, aparato que aperta os órgãos e causa dor nos touros. Ele sinalizou ser favorável ao boicote.

“O discurso opinativo, a crítica, não depende de que se demonstre previamente a sua verdade para que se ganhe o direito de veiculá-lo livremente. No caso da opinião veiculada pelo reclamante (utilização do sedém é cruel), trata-se de juízo que tem fundamento ético, ligado a uma determinada opção de vida e a uma determinada forma de se relacionar com os animais, opinião que não é uníssona e nem de longe compartilhada por todos os cidadãos brasileiros. Sua aceitabilidade, por assim dizer, sempre oscilará de acordo com o contexto social em que emitida, considerando-se principalmente a existência ou não de comunhão prévia de interesses. A mera existência e circulação de uma opinião divergente sobre os rodeios não ofende os direitos de quem os organiza, patrocina ou frequenta”, escreveu na época.

Barroso liberou o caso para julgamento no plenário há quase um ano, em setembro de 2023. Nos últimos anos, o STF tem sido criticado, no que toca à liberdade de expressão, por atos de censura do ministro Alexandre de Moraes que suspenderam perfis nas redes sociais, impedindo que se manifestassem durante períodos variáveis. Mais recentemente, o ministro bloqueou a rede social X em todo o país, afetando mais de 20 milhões de usuários.

Especialistas que acompanharam no STF o início do julgamento nesta quarta avaliam que, ao final, a Corte poderá definir melhor em que condições a Justiça pode mandar retirar (ou não) conteúdos na internet.

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