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ADPF da Blindagem

STF deve manter decisão de Gilmar sobre impeachment e avaliar mudanças do Congresso

Gilmar Mendes no plenário do STF
Julgamento virtual, sem debates presenciais, favorece manutenção da decisão de Gilmar Mendes (Foto: Antonio Augusto/STF)

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A decisão liminar e monocrática do ministro Gilmar Mendes que restringe de forma drástica a possibilidade de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser mantida pela maioria, senão a totalidade dos magistrados da Corte. E mesmo as propostas que possam eventualmente ser aprovadas no Congresso para reverter a decisão tendem a ser derrubadas pelo próprio tribunal, sob o argumento de inconstitucionalidade. É a projeção de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

A decisão do magistrado produziu uma onda de críticas entre constitucionalistas, parlamentares e analistas políticos. Ao alterar pontos essenciais da Lei de Impeachment atropelando Câmara e Senado, Gilmar inaugurou um dos episódios mais sensíveis da relação entre Judiciário e Legislativo nos últimos anos.

Agora caberá aos demais ministros do STF validar ou não o movimento do decano, no julgamento para referendar ou não a decisão, que ocorrerá no silencioso plenário virtual — uma sessão inteiramente virtual, em que ministros votam remotamente, sem debates presenciais — entre 12 a 19 de dezembro, período que coincide com os últimos atos antes do recesso do Judiciário.

Nesta quinta, Gilmar Mendes já explicitou que não vai recuar. Pela manhã, num evento em Brasília do portal jurídico Jota, disse que a Lei do Impeachment, de 1950, “caducou”, sugerindo que o Congresso aprove uma nova norma condizente com sua decisão.

“O impeachment foi pensado em termos institucionais num momento pra não ser usado. Agora, na medida em que passa-se a ter esse uso frequente, banalizado, e sobretudo porque alguém votou pró-aborto, então vou pedir impeachment, ou porque deu liminar para abrir inquérito a propósito de investigação de emendas parlamentares... isso não existe”, disse. À tarde, o ministro rejeitou um pedido do advogado-geral da União, Jorge Messias, para reconsiderar sua decisão.

No mesmo evento do Jota, o ministro Flávio Dino fez coro aos argumentos do colega, de quem é aliado no STF, destacando que hoje existem 81 pedidos de impeachment de ministros, a maior parte contra Alexandre de Moraes. “Evidentemente são um óbvio excesso, basta lembrar que o campeão é Alexandre de Moraes, responde por mais da metade dos pedidos. Então, ou se cuida de um serial killer ou de alguém que é vítima de perseguição e chantagem”, afirmou.

Nos bastidores, interlocutores dos ministros dizem que Gilmar Mendes comunicou os colegas antes da decisão e estaria seguro de que tem maioria para referendá-la no julgamento virtual.

A decisão colegiada, de qualquer modo, fixará os limites dentro dos quais o Congresso poderá atuar. Assim, mesmo que o Legislativo aprove uma nova lei, ou até uma mudança constitucional, para regulamentar o impeachment, as regras impostas por Gilmar tendem a prevalecer. Do contrário, serão julgadas inconstitucionais.

Em sua própria decisão, o ministro afirmou que os limites que impôs visam assegurar a indendência judicial e, consequentemente, a separação de poderes, uma cláusula pétrea da Constituição que não pode ser alterada. Se os demais ministros concordarem com essa interpretação, essas regras não poderiam ser mais mudadas pelo Legislativo, a não ser que o próprio STF novamente revise seu entendimento.

Para analistas, lógica corporativista do STF deve prevalecer no julgamento

A doutora em Direito Público Clarisse Andrade prevê um predomínio da “lógica corporativa” no julgamento. “É uma pauta extremamente corporativista, tende a ser acompanhada, se não pela totalidade, pela maioria dos ministros”, diz ela.

“Soma-se a isso o ambiente do plenário virtual que favorece adesões automáticas, sem acompanhamento público e sem debates e, diante do prazo estabelecido, há uma pressão desnecessária para encerrar rapidamente o tema antes do recesso do Judiciário. A tendência é que fechemos o ano já com essa decisão referendada.”

Para o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, Luiz Augusto Módolo, a tendência é que o julgamento, que diz respeito diretamente à responsabilidade político-institucional dos próprios ministros, tende a produzir um efeito de autoproteção.

Ele lembra que, quando o Supremo julga regras que podem submetê-lo a controle externo, a tendência natural é a formação de uma maioria defensiva. “Não se trata de mérito jurídico, mas de preservação institucional e pessoal”. O jurista reconhece que o comportamento não é novo, com o Tribunal historicamente se fechando quando suas próprias prerrogativas estão em jogo.

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O constitucionalista Alessandro Chiarottino chama atenção para o fato de que, em julgamentos virtuais, muitos ministros sequer expõem seus votos escritos, limitando-se a registrar no sistema que apenas acompanham o relator. Segundo ele, há uma pressão implícita por alinhamento, especialmente em temas sensíveis.

“O plenário virtual dificulta dissensos visíveis. Ministros que discordariam em sessão aberta podem preferir não se expor individualmente nesse formato. A tendência, portanto, é carimbar a liminar, não revisá-la”, diz o advogado.

Clarisse Andrade destaca que, do ponto de vista político, há interesse do STF em decidir sobre esse assunto antes de 2026, quando o Senado mudar com as eleições. “Há um incentivo para resolver agora, de forma rápida, discreta e sem o envolvimento da sociedade no debate. Votar contra o relator significaria atrasar o cronograma e reacender o debate público. O ambiente favorece a manutenção da decisão de Gilmar Mendes”.

Ela também afirma ser possível haver votos contrários — mas eles tendem a ser pequenos focos de resistência e não um movimento capaz de reverter a liminar. “Haverá ministros que veem a decisão como invasão de competência do Legislativo, mas essa minoria não deve ser suficiente para derrubar a liminar. O ‘custo’ interno de divergir é alto”.

Ela também avalia que ministros nomeados mais recentemente ou com perfil mais institucionalista podem demonstrar incômodo, mas dificilmente liderariam uma ruptura, porque a Corte não pretende abrir precedente que facilite impeachment no futuro.

Para o constitucionalista André Marsiglia, nenhum tribunal decide voluntariamente facilitar mecanismos que permitam sua própria responsabilização. “A maioria dos ministros deve votar pela autoconservação. Esse é o vetor que guia o resultado — muito mais que o texto constitucional”.

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Mudanças na legislação dificilmente mudam decisão do STF

Quanto às medidas que podem ser adotadas pelo Congresso, legalmente Câmara e Senado não podem simplesmente “derrubar” a liminar de Gilmar Mendes, mas podem mudar o terreno jurídico em que ela se sustenta.

“Esses movimentos, isolados ou combinados, podem reequilibrar a relação entre Legislativo e Judiciário e restituir ao Senado o papel que a Constituição originalmente lhe confiou”, destaca o cientista político Gustavo Alves.

Assim, a liminar de Gilmar Mendes redefinindo o rito de impeachment de ministros do STF coloca o Congresso em posição delicada, mas não o deixa sem alternativas. Apesar de a decisão atingir diretamente prerrogativas do Senado, o Legislativo ainda dispõe de mecanismos formais — constitucionais, regimentais e políticos — para tentar restabelecer seu espaço institucional.

Especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, alertam que reações vindas da Câmara e do Senado tendem a seguir o mesmo padrão de hesitação que marcou os últimos anos.

Luiz Augusto Módolo avalia que o Legislativo “há muito tempo flerta com a ideia de limitar os poderes do STF”, mas suas respostas sempre foram tímidas e fragmentadas. Segundo ele, parte da explicação está no fato de muitos parlamentares serem investigados no próprio Supremo, que, nas palavras dele, “não tem problema em segurar ou acelerar processos conforme quem aparece na capa do processo”.

Esse ambiente, afirma, desestimula confrontos institucionais mais firmes e alimenta uma cultura de dependência política em relação ao Judiciário. Módolo descreve o Congresso como “uma massa amorfa de interesses contraditórios”, sem força ou coesão para enfrentar o que ele chama de um STF conduzido por “um grupo determinado e atrevido”.

O advogado ironiza propostas de reação legislativa, como a apresentação de novas regras ou de PECs para restringir poderes de magistrados, lembrando que tais medidas seriam fatalmente julgadas inconstitucionais pelo próprio Supremo. Para ele, essas iniciativas não passam de “telecatch institucional”, um jogo de cena destinado mais a produzir discurso do que a alterar a realidade.

Tanto ele quanto a doutora em Direito Público Clarisse Andrade avaliam que a reação verdadeira deveria ter ocorrido entre 2019 e 2020, quando o Tribunal começou a expandir seu alcance de maneira mais evidente. Para ambos, muitos parlamentares se calaram porque era conveniente à época.

“A única resposta que o Senado deveria dar, se fosse um Senado real e operante, seria simplesmente afirmar que a decisão não afeta o Senado e mandar devolver o ofício intimando a Casa sobre a decisão ressalvando que, caso seja aberto um impeachment de ministro do STF, seguirá a regra vigente”, completa Módolo.

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Jorge Messias tentou reverter decisão, mas Gilmar Mendes manteve

Outra medida à qual os juristas chamam atenção é o fato de a Advocacia-Geral da União (AGU), comandada por Jorge Messias — indicado pelo presidente Lula ao STF — ter enviado ao ministro Gilmar Mendes um pedido para que ele reconsiderasse a decisão liminar. Gilmar negou o pedido nesta quinta (4).

No documento, a AGU defendeu a legitimidade popular para apresentação de denúncias, sustentou que esse mecanismo não ameaça a independência judicial e argumentou que retirar essa possibilidade transforma o Supremo em legislador substituto, violando a separação dos Poderes.

Embora concorde com Gilmar quanto à mudança no quórum para abertura do processo e à vedação de uso político do chamado “crime de hermenêutica”, a AGU pediu que os efeitos da liminar sejam suspensos até o julgamento definitivo e reafirmou que o afastamento automático de ministros denunciados é constitucional, ao passo que a redução salarial prevista na lei seria inconstitucional por violar a irredutibilidade dos subsídios.

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O que o Congresso pode fazer sobre a decisão liminar de Gilmar Mendes

Apesar do cenário fragilizado das relações institucionais, há alguns mecanismos que podem ser adotados pela Cãmara e o Senado.

1. PEC para constitucionalizar o rito de impeachment de ministros do STF

Clarisse Andrade lembra que o instrumento mais robusto é uma Proposta de Emenda à Constituição. Nesse contexto, o Congresso poderia fixar expressamente a legitimidade ativa do Senado para receber denúncias contra ministros do STF, eliminando ambiguidades; definir quórum constitucional de maioria simples para a admissibilidade da denúncia, replicando o modelo aplicado ao Presidente da República; reafirmar o papel do Senado como tribunal político, afastando a possibilidade de o STF alterar unilateralmente o rito do impeachment por decisão judicial.

“Como a Constituição está acima da Lei 1.079/1950 e também acima de decisões monocráticas, uma PEC poderia blindar o processo contra interferências judiciais futuras, resta saber se ela não será declarada inconstitucional, justamente no STF”.

2. PEC para limitar ou regulamentar decisões monocráticas

Outra frente, que inclusive já vem sendo discutida pelo Congresso, é a aprovação de uma PEC restritiva de decisões monocráticas, especialmente em temas sensíveis de separação dos poderes.

“O Congresso poderia proibir liminares individuais que suspendam leis, ritos constitucionais ou competências de outro Poder, exigir convalidação imediata pelo plenário em prazo curto, sob pena de perda automática da eficácia e restringir monocráticas que impactem diretamente o funcionamento do Legislativo”, completa Alessandro Chiarottino.

Ele lembra, no entanto, que essa PEC poderia não atingir retroativamente a liminar de Gilmar Mendes, mas reduziria espaço para decisões semelhantes no futuro.

3. Reedição da Lei do Impeachment por via infraconstitucional

Os especialistas alertam ainda que o Congresso tem competência para atualizar a Lei 1.079/1950, reafirmar a legitimidade ativa do Senado e restabelecer prazos, ritos e requisitos.

“Esse caminho é mais vulnerável: o STF pode voltar a ser provocado e reinterpretar a lei. Ainda assim, é uma forma formal de resistência”, diz Chiarottino.

4. Sustação de atos normativos com base no art. 49 da Constituição

O Congresso pode sustar atos normativos do Poder Executivo — mas não atos do Judiciário. Portanto, não pode sustar a liminar diretamente.

No entanto, pode sustar portarias, resoluções ou atos do Executivo decorrentes da aplicação da decisão. Seria uma reação indireta, porém politicamente simbólica.

5. Ação de controle externo: convocação do PGR

Como a decisão de Gilmar Mendes concentra na Procuradoria-Geral da República a prerrogativa de oferecer denúncia, o Senado ainda poderia convocar o procurador-geral da República, Paulo Gonet, para explicar critérios, omissões e fundamentos, solicitar relatórios e justificativas formais; pressionar politicamente a instituição a manter equilíbrio de atuação.

Essa convocação está amparada pelo Constituição. “Mas a própria PGR, alinhada ao STF, já se manifestou favorável à decisão de Gilmar Mendes”, recorda Marsiglia.

6. Judicialização pelo próprio Congresso

Bancadas, mesas diretoras ou partidos com representação também podem apresentar embargos de declaração à decisão; pedir reconsideração ao relator; ingressar com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) ou mandados de segurança questionando invasão de competência.

“Embora a chance de reversão seja baixa, essa estratégia cria registro formal de conflito e mantém o tema ativo no debate público”, destaca Gustavo Alves.

7. CPI sobre interferências entre Poderes

Para constitucionalistas, outro caminho que pode ser adotado por parlamentares seria o de abrir CPI destinada a investigar a atuação do STF no redesenho do rito de impeachment. Embora não tenha efeito jurídico direto sobre a liminar, a CPI poderia indicar pressões políticas, produzir documentos oficiais e aumenta o custo institucional de decisões que invadam competências do Legislativo.

“Além disso, o debate envolverá a opinião pública, podendo então haver de fato um conhecimento mais aprofundado do tema e, quem sabe, uma comoção popular fazendo a corte recuar ou pelo menos repensar”, segue Alves.

8. Pressão orçamentária dentro do limite constitucional

Outro caminho lembrado por analistas é que cabe ao Congresso controlar o Orçamento da União e dentro da legalidade, pode exigir transparência e justificativas para dotações do Judiciário, condicionar aumentos a justificativas técnicas e solicitar prestações de contas mais detalhadas. “Não se trata de retaliação direta, o que seria inconstitucional, mas de controle legítimo sobre gastos públicos, já que a liminar também interfere nos vencimentos de ministros que por ventura possam responder processos de impeachment”, completa Alves.

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