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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma em 5 de fevereiro a votação do recurso extraordinário que pode determinar a ilegalidade de revistas íntimas e de provas obtidas durante esses procedimentos contra pessoas que estejam escondendo objetos e substâncias para entregar a presos durante as visitas nas penitenciárias. A Corte havia formado maioria durante a discussão no plenário virtual, mas houve um pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes e, com isso, o julgamento será reiniciado no plenário físico.
Em outubro de 2024, o resultado estava em seis votos para considerar a revista íntima ilegal e quatro votos pela legalidade da medida. O ministro Luiz Fux ainda não havia votado. Mesmo com a nova análise do tema, é pouco provável que o STF mude o entendimento anterior.
Naquele momento, a maioria considerou que havia fatos “vexatórios e ilegais” nesses procedimentos nos presídios. Além disso, o STF definiu que as provas colhidas nesses processos não podem ser utilizadas, o que pode inocentar pessoas que estivessem levando celulares ou drogas aos apenados, por exemplo.
A discussão gira em torno de um suposto equilíbrio entre a proteção aos direitos fundamentais, com justificativa à dignidade humana e o direito à intimidade, e o risco à segurança pública com a entrada de produtos e objetos nas mais de 1,4 mil unidades prisionais brasileiras.
O relator do recurso extraordinário, o ministro Edson Fachin, é contra as revistas íntimas e foi acompanhado pela maioria. Para Fachin, é “inadmissível” o que caracterizou como “prática vexatória” adotada nas verificações corporais.
"É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos", descreve o relator em seu voto.
O processo está na Corte desde 2020. Em maio do ano passado, o ministro Cristiano Zanin pediu vista e suspendeu temporariamente o julgamento. A apreciação foi retomada em outubro com seu voto. Zanin acompanhou o relator com ressalvas, já que sugeriu que revistas superficiais fossem feitas até que o sistema prisional seja preparado com esteiras de raio-X, scaners corporais e detectores de metal. Os estados teriam 24 meses para equipar suas umidades prisionais para a implantação destes sistemas.
Além de Zanin, acompanharam o relator os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a ministra Rosa Weber, que apresentou seu voto antes de sua aposentadoria. Para Gilmar Mendes, essa decisão deve valer apenas para o futuro, após o prazo estabelecido aos estados se adequarem.
Os ministros contrários ao voto do relator foram Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e André Mendonça. Eles defendem que a revista íntima não é ilegal e contribui com o controle e à segurança pública nas unidades prisionais e quem por isso, seria necessário estabelecer protocolos como revistas feitas por policiais penais do mesmo sexo que o visitante.
Eles tiveram suas teses derrotadas na primeira análise do caso. Mas, como houve o pedido de destaque de Moraes, agora poderão apresentar novamente seus argumentos a favor da revista íntima e até tentar convencer os colegas a mudar o entedimento.
Ministério público diz que medida representa "imunidade criminal"
O caso que levou ao julgamento do Recurso Extraordinário no STF envolve uma mulher que tentou entrar em um presídio do Rio Grande do Sul com drogas escondidas nas partes íntimas. Ela escondia quase 100 gramas de maconha, quantia que levaria ao irmão no Presídio Central de Porto Alegre (RS).
No julgamento inicial, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidiu que a revista íntima tornava inviável a consumação do crime e argumentou que um procedimento rigoroso de revista seria suficiente para evitar a entrada de substâncias ilícitas.
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul recorreu ao STF. Para a instituição, a decisão cria uma "imunidade criminal", o que dificulta o combate ao tráfico de drogas e outros crimes nos presídios. O MP sustenta que a interpretação do tribunal gaúcho enfraquece a segurança pública ao desconsiderar o crime previsto no artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/06).
O advogado Alex Erno Breunig, especialista em segurança pública, concorda com o MP e diz que acabar com as revistas íntimas é um erro, mesmo que haja equipamentos capazes de escanear o corpo.
“A realização de revistas pessoais, seja na atividade policial militar, seja na segurança de unidades prisionais, é uma necessidade. Não há, por enquanto, alternativa viável. No futuro, quem sabe, haverá equipamentos e tecnologias que prescindam do contato físico, por ora a proibição produzirá efeitos extremamente danosos para toda a sociedade”, alerta. Para ele, o trabalho das polícias penais é incompreendido e é um componente da segurança pública que merece mais atenção.
Para o advogado, o que pode tornar a revista íntima vexatória é a forma como é realizada, mas, em regra, é uma necessidade para diminuir a quantidade de objetos e substâncias proibidos no interior dos estabelecimentos penais.
“A todos deve ser garantido o respeito aos direitos humanos. A revista íntima deve ser realizada com respeito à dignidade alheia e com obediência a protocolos e técnicas desenvolvidas para tal. Mas não há como deixar de se aplicar essa técnica, ao menos por enquanto”, destaca.
Breunig alerta que, um dia, quem sabe, o Estado brasileiro consiga evoluir para disponibilizar equipamentos para todas as unidades prisionais. “Mas isso com certeza iria demandar um bom tempo e, mesmo com a disponibilização dos equipamentos, a revista íntima continuará a ser necessária. Não podemos esquecer que os criminosos estão sempre evoluindo e é grande a probabilidade de encontrarem meios de burlar as tecnologias existentes, que demandarão contínua atualização”.
Na avaliação do especialista, a proibição ampliará os problemas de segurança pública, não apenas no sistema penitenciário, mas à sociedade, que ficará refém de “apenados que lideram, planejam e executam crimes, mesmo de dentro do cárcere”.
Decisão sobre revistas íntimas servirá para todo o país
Com o caso que deu origem ao recurso extraordinário, o STF reconheceu a existência de repercussão geral no caso, o que significa que a decisão vai servir como parâmetro para situações similares em todo o país.
Organizações ligadas aos direitos humanos e justiça criminal participam do processo como amicus curiae ("amigos da corte"). Entre elas estão o Conectas Direitos Humanos, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e a Pastoral Carcerária.
Algumas dessas organizações integram a Rede Justiça Criminal composta por nove instituições que defendem um sistema de justiça pautado nos direitos humanos. O grupo afirma que enviou parecer técnico aos ministros do STF, solicitando que a prática fosse considerada inconstitucional e vexatória e, consequentemente, as provas declaradas ilegais quando obtidas ou produzidas a partir dessas revistas.
A Conectas Direitos Humanos avalia que “a revista vexatória é um procedimento invasivo e degradante”. A entidade completa que “mães, filhas, irmãs e esposas de pessoas presas são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos [as partes íntimas] para que agentes do Estado possam realizar buscas de objetos” na parte interna do corpo.
Em sentido contrário, o advogado Alex Erno Breunig afirma que a flexibilização vai estimular a entrada de itens ilegais nas unidades prisionais, o que irá fragilizar a segurança nos presídios e, consequentemente, a sociedade brasileira.