Liderado pelo seu presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e pelo candidato a sucedê-lo, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que também lidera a poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Senado colocou em marcha nas últimas semanas uma inédita reação para conter o ativismo do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela surpreendeu a sociedade e até atores políticos, mas já vinha sendo gestada há meses.
O movimento coordenado só ganhou força decisiva após a série de julgamentos controversos pautados pela então ministra Rosa Weber, do STF, pouco antes de sua aposentadoria neste mês, legislando de forma revisora sobre temas já enfrentados pelo Legislativo, tais como aborto, drogas e marco temporal de terras indígenas.
Primeiramente, o próprio Pacheco apresentou Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para criminalizar o porte de qualquer quantidade de drogas, seguida por uma rápida aprovação de um projeto de lei para restabelecer o marco temporal. Essas iniciativas foram uma resposta a entendimentos da maioria dos membros do STF na direção contrária. Por último, a CCJ aprovou a PEC do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) que visa limitar o poder das decisões monocráticas dos ministros, embora ela ainda precise ser votada em plenário.
A decisão relâmpago da CCJ (43 segundos) sobre a PEC 8/2021, de Oriovisto, foi até agora o recado mais direto de Alcolumbre de que pretende encarar o STF no futuro, caso seja eleito presidente do Senado novamente.
Ex-líder do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o senador Eduardo Gomes (PL-TO) foi um dos artífices dessa aliança tática entre o grupo que domina a Casa e a oposição. Ele considerou um equívoco estratégico a candidatura desafiante da oposição em fevereiro deste ano, encabeçada pelo senador Rogério Marinho (PL-RN), pois a sua derrota acabou bloqueando cargos e tramitação de propostas. O acordo agora pode viabilizar mais mudanças para frear os excessos do STF, como a fixação de mandatos e de idade mínima para ministros da Corte e, talvez, a simplificação do processo de impeachment deles na Casa.
Reação do Senado ao ativismo do Judiciário esbarra em limites
Segundo analistas consultados pela Gazeta do Povo, por detrás dessa reação coordenada está a crescente indignação de parlamentares e cidadãos com o avanço inquestionável do Judiciário sobre as atribuições exclusivas do Legislativo e, também, as complexas dinâmicas de poder dentro do próprio Senado.
Para completar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), está disposto a respaldar algumas das intenções do Senado de explicitar competências dos poderes, conforme declarações e obstrução de votações dos deputados para priorizar pautas contra o ativismo judicial. “É importante que saibamos nos conter: cada poder desta nação nos seus limites constitucionais. E tenho certeza de que o Parlamento os obedece, os cultiva e os respeita”, disse.
O cientista político Ismael Almeida observou que a resposta do Senado está sujeita a interrupções e reviravoltas, sobretudo porque não é uma reação generalizada, mas sim focada em questões específicas que mobilizam grande parte da sociedade e têm impacto no Congresso.
"Embora houvesse um sentimento no Congresso de que algo precisava ser feito, qualquer proposta concreta nesse sentido estava limitada ao grupo fiel a Bolsonaro, alvo exclusivo das ações e investigações em curso no STF. Mas, devido ao avanço do tribunal em questões mais delicadas, novos atores políticos se uniram à preocupação com as exorbitâncias dos ministros", explicou.
Almeida acredita que a mudança de posição do presidente do Senado foi fundamental para esta resposta. Até então, Pacheco adotava uma postura neutra em relação a essas questões, devido à seriedade de presidir um dos poderes, temendo que qualquer posicionamento mais assertivo pudesse inflamar ainda mais a situação. No entanto, como o governo havia apostado todas as suas fichas no presidente da Câmara, que liderava as grandes bancadas na Casa e definia votações importantes para o governo, Pacheco se viu obrigado a considerar cálculos políticos em vez de apenas preocupações institucionais. "Ele tomou partido nesse confronto e sinalizou que as pautas para responder ao ativismo do STF começariam a avançar", disse.
Mudança de postura de Pacheco viabilizou iniciativas do Senado
A mudança de tom na relação entre STF e Senado, instituição que tem a exclusiva missão constitucional de punir crimes de responsabilidade de membros do Judiciário, ocorreu essencialmente devido à nova postura de Pacheco, até então reconhecido como aliado fiel da Suprema Corte, frustrando tentativas dos senadores da oposição de reagir aos abusos dos ministros.
A indisposição inesperada de Pacheco com o tribunal pode ser creditada ao rompimento dos limites finais do ativismo judicial, que acabou por tornar incontestáveis críticas feitas há anos por oposicionistas e até de membros da base aliada do governo.
Mas os gestos combinados de Pacheco e Alcolumbre refletem ainda a corrida antecipada para a Presidência do Senado, em fevereiro de 2025. O temor da dupla é que uma chapa contrária possa, diante da contrariedade com a inação do Legislativo perante o Judiciário, avançar para além dos 32 votos obtidos pelo rival na última eleição para a Mesa Diretora no começo do ano, Rogério Marinho (PL-RN). Esse duelo acabou se mostrando bem mais difícil para os governistas que o esperado, exigindo esforços extras para ser o escolhido da maioria dos 81 senadores.
Em busca de um arco de apoio mais amplo e diverso, para garantir a votação bem mais folgada que o mínimo de 41 votos, Alcolumbre vem procurando atender a pleitos da oposição. Não por acaso, o senador Marcos Rogério foi alçado à condição de vice-presidente da CCJ e de relator do marco temporal.
Uma das demandas dos oposicionistas que poderá prosperar pode ser uma histórica rejeição do ministro da Justiça, Flávio Dino, para ocupar a vaga aberta no STF, caso Lula confirme essa indicação. Na melhor das hipóteses, Alcolumbre pode retardar ao máximo a sabatina de Dino na CCJ, produzindo desgaste igual ao sofrido pelo ministro André Mendonça, do Supremo, em 2021.
Governo e STF sentem a reação e fazem protesto contra o Senado
A movimentação dos homens fortes do Senado foi sentida e explicitada pelo STF na voz de seu novo presidente, ministro Luís Roberto Barroso. Ele afirmou não concordar com as mudanças propostas e que “não é hora de mexer com isso”.
Para justificar essa defesa, Barroso alegou que o tribunal teve o mérito de ser o “salvador” da democracia, evocando o “vencemos o bolsonarismo” do seu inapropriado e político discurso em evento da União Nacional dos Estudantes (UNE).
O ministro Gilmar Mendes também atacou a ideia de mandato fixo, a rotulando de “loteamento das vagas para certos órgãos” e conversão da Corte em “agência reguladora desvirtuada”. “Após vivenciarmos tentativa de golpe de Estado, por que os pensamentos supostamente reformistas se dirigem só ao STF?”, perguntou.
O governo também reagiu em socorro do STF. “Projetos no Congresso sobre reforma da Suprema Corte sempre existiram. Mas não estão entre as nossas prioridades. Por isso, não contem com o governo para fazer esse debate ou enfrentamento”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em entrevista à GloboNews.
Contrariando a postura do governo, Flávio Dino, favorito para ser o indicado de Lula na vaga na Corte, disse apoiar a fixação de mandato, provocando ruídos.
A tendência, segundo informações de bastidores, é de o governo engrossar o discurso de “defesa da democracia”, após o STF ter promovido antes mesmo da campanha presidencial de 2022 duríssima perseguição contra críticos das urnas eletrônicas, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e insatisfeitos com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República.
Outro argumento que o governo deverá usar é o de restrições ao poder do presidente da República, que tem a prerrogativa exclusiva de indicar os ministros. Especula-se que, nesse projeto para fixar mandatos, poderá ser incluída a chance de o Parlamento também indicar para algumas vagas, a exemplo do Tribunal de Contas da União (TCU).
Nesse sentido, foi ventilado também rumores de que o próprio Rodrigo Pacheco, preterido para uma vaga no STF, esteja operando para ocupar uma vaga no TCU ou oferecê-la a aliados. O presidente da instituição vinculada ao Legislativo, Bruno Dantas, é, aliás, o indicado por Pacheco e Alcolumbre para a vaga de Rosa Weber.
Ambições políticas condicionam as reações de Lira e Pacheco
Leandro Gabiatti, cientista político e diretor da Dominium Consultoria, interpreta a reação do Senado como reflexo da crise institucional entre o Legislativo e o Judiciário, que envolve uma agenda politicamente sensível tratada pelo STF. Ele considera que é natural ocorrer esse tipo de conflito em uma democracia saudável.
Quanto à possibilidade de uma mudança estrutural na forma de funcionamento do Suprema Corte, ele vê essa pauta como uma maneira de o Senado expressar sua insatisfação, mas sem garantia de que o Congresso aprove medidas com aplicabilidade imediata.
Gabiatti ressalta que mesmo se aprove rapidamente uma mudança nos mandatos dos juízes, essa alteração só afetaria aqueles que ainda não tomaram posse. Em sua opinião, os poderes permanecerão autônomos, e qualquer mudança profunda exigiria nova Constituição.
Luiz Filipe Freitas, assessor legislativo da Malta Advogados, observa que, embora a postura atual dos legisladores seja ousada, ele acredita que a "resistência" terá eficácia limitada a curto ou médio prazo. Ele também interpreta essa reação como mais um movimento político do que uma ação efetiva. No contexto das eleições municipais de 2024 e de extrema polarização da sociedade, a postura de confronto com o Judiciário ganha notoriedade e popularidade entre o eleitorado mais à direita. Além disso, considerando o impacto das redes sociais, é provável que as críticas ao Judiciário aumentem nos próximos meses, o que também influenciará a posição dos políticos.
Freitas destaca as ambições políticas em jogo. Caso Pacheco planeje concorrer à reeleição em 2026 para o cargo de senador e, diante da popularidade do governador Romeu Zema (Novo), restaria apenas uma vaga para Minas Gerais, o que o leva a adotar uma postura capaz de atrair um eleitorado mais amplo.
Quanto a Lira, Freitas sugere que pode ser necessário mais tempo para avaliá-las, uma vez que o presidente da Câmara mantém relações próximas com ministros do STF. Ele acredita que será importante aguardar os próximos desenvolvimentos, levando em consideração a possível pressão dos prefeitos e a proximidade das eleições para entender melhor as dinâmicas políticas em jogo.
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