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Chanceler da oposição

Volta de Trump cacifa Eduardo Bolsonaro como principal articulador da direita no exterior

Eduardo Bolsonaro
Eduardo Bolsonaro foi nomeado como secretário de Relações Institucionais do Partido Liberal (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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Interlocutor entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente americano Donald Trump e também empossado como Secretário de Relações Internacionais e Institucionais do PL, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) volta a ser a ponte entre a direita brasileira e a Casa Branca sob o governo republicano. Em contato direto com Washington, o parlamentar terá a responsabilidade de articular junto a Trump importantes pautas para a oposição, como eventuais medidas americanas contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além das pautas da oposição, Eduardo também é visto por analistas como a peça que pode embaralhar as relações entre o Itamaraty e o novo governo norte-americano, que já começam com o pé esquerdo após o STF proibir a ida de Jair Bolsonaro à posse de Trump. A perspectiva é que o parlamentar paulista crie uma relação diplomática paralela com o governo.

A exclusão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do evento de posse do republicano, marcada para o dia 20, animou políticos e analistas. Mas a maioria das nações serão representadas por embaixadores. O convite a Bolsonaro era especial e dado apenas a líderes mais próximos da direita, como o presidente argentino Javier Milei e o governante de El Salvador, Nayib Bukele. Sua mulher, Michele Bolsonaro, deve ser a representante oficial do ex-presidente na cerimônia.

Assim, a lista de convidados já é vista por analistas como o primeiro sinal de que a oposição terá preferência na relação entre Brasil e Estados Unidos.

Quando jovem era mais jovem, Eduardo, que tem 40 anos, já morou no Maine e no Colorado, onde trabalhou em lanchonetes e praticou snowboard. Foi nessa época que adquiriu uma vantagem competitiva em relação à maioria dos políticos brasileiros: ser capaz de falar inglês corretamente.

Em 2020, Eduardo foi um grande apoiador do movimento MAGA (sigla em inglês para o slogan de capanha de Trump: Faça a América ser grande de novo), que tem como característica o resgate de valores tradicionais, a hostilidade à imprensa progressista, o protecionismo econômico e o isolacionismo geopolítico dos Estados Unidos.

Durante o governo de seu pai, Eduardo acompanhava o então mandatário em reuniões com Trump, na condição de deputado. Isso gerava ruídos com o Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Eduardo inclusive chegou a ser cotado para assumir o cargo de Ministro das Relações Exteriores do Brasil por Bolsonaro, mas a pressão feita pela diplomacia e a possibilidade de o fato ser visto como nepotismo fez com que Ernesto Araújo assumisse o posto. Hoje, o deputado exerce essa função de "chanceler" da oposição brasileira. Isso ocorre em um momento em que os opositores do governo Lula depositam em Washington suas esperanças de conter o ativismo judiciário e fazer as relações políticas no Brasil voltarem à normalidade.

Eduardo chegou a se colocar como um possível substituto para o pai como candidato à Presidência da República em 2026, mas Jair Bolsonaro vetou a ideia. Em uma entrevista nesta semana ao jornal americano New York Times, o ex-presidente afirmou que não apoiaria seus filhos em uma candidatura presidencial porque eles não têm experiência para ocupar o cargo. Logo depois, disse que Eduardo deve se candidatar ao Senado ao lado de seu irmão Flávio e da ex-primeira dama Michelle. A oposição quer ter maioria no Senado para se contrapor ao Supremo.

Eduardo fará contrapeso à ideologia esquerdista de Celso Amorim

O alinhamento entre Eduardo e a família Trump também poderá forçar o Palácio do Planalto a ter que ajustar o tom com a nova gestão americana. Na avaliação do cientista político Marcelo Suano, Eduardo Bolsonaro pode desempenhar um papel estratégico como contraponto à abordagem ideológica conduzida por Celso Amorim nas relações internacionais do Brasil. Amorim é assessor especial de Lula, mas atua como chanceler de facto do Brasil.

"Ele [Eduardo] será um ponto-chave para garantir o esclarecimento dos fatos que acontecem acerca da perseguição que a direita no Brasil sofre. Eduardo terá um papel importante para fazer a contraposição ao Celso Amorim", avalia Suano.

Amorim vem norteando a política externa brasileira com base na ideologia de esquerda. Ele vem jogando o país em uma política antiamericana marcada principalmente pelos ataques ao dólar como moeda de comércio internacional e ao Estado de Israel em sua luta contra o terrorismo. Para isso, tem apostado no bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã) para alinhar o Brasil com Pequim e a ditadura russa de Moscou.

Já Eduardo, quando atuou na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, defendeu o estreitamento de laços com os Estados Unidos e priorizou relações internacionais mais orientadas para o comércio internacional do que para a adesão a ideologias políticas e apoio a ditaduras.

O analista Marcelo Suano alerta para a possibilidade de retaliações do governo brasileiro, que poderiam incluir restrições legais ou institucionais para limitar a atuação de Eduardo no exterior.

"É muito provável que no STF, ou mais especificamente na assessoria do Celso Amorim, se tente criar algum empecilho para que ele tenha possibilidade de se deslocar para os Estados Unidos ou fazer a interlocução. Isso pode acontecer exatamente pela importância que ele vai ter", afirma Suano.

CREDN, CPAC e visitas a Washington marcam articulação internacional de Eduardo

Com a eleição do pai em 2018, Eduardo Bolsonaro foi alçado como articulador político do em assuntos internacionais. Sua participação como presidente da Comissão de Defesa e Relações Internacionais da Câmara dos Deputados (CREDN), em 2019, é avaliada por analistas políticos como um fator inicial importante para a articulação entre o governo Bolsonaro e o primeiro governo Trump.

Na época, ele alegou que assumia o cargo com o objetivo de “virar a página” nas relações exteriores do Brasil com a “escória da humanidade”, citando Cuba e Venezuela como exemplo. Sua passagem enquanto presidente da comissão foi marcada por atritos com a esquerda, que na época o criticou pelo posicionamento contrário à China.

Um grupo de deputados inclusive chegou a pedir a saída de Eduardo do cargo após ele defender que o Brasil aderisse ao programa Clean Network. A iniciativa visava conter o avanço da Huawei, empresa de tecnologia chinesa que foi combatida em democracias ocidentais por ter a possibilidade de realizar ações de monitoramento em massa a pedido do governo de Pequim.

O cargo deu ao parlamentar a possibilidade de participar de eventos no exterior enquanto autoridade brasileira representando o colegiado, o que incluiu a participação em viagens oficiais junto a Bolsonaro. Para além da política, Eduardo também foi um dos fundadores do Instituto Liberal Conservador, que desde 2019 realiza no Brasil a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC).

O evento buscou aproximar lideranças da direita local e vem contando com a participação de lideranças de direita de outros países. A participação do presidente argentino Javier Milei na CPAC 2024 foi considerada um ponto alto para a história do evento.

Com a derrota de Bolsonaro em 2022, Eduardo reforçou sua presença em eventos internacionais, como as conferências da CPAC realizadas nos EUA, no México e na Argentina. Ele também organizou comitivas internacionais da oposição para denunciar a conduta do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), à frente dos inquéritos das Fake News e Atos Antidemocráticos.

Visitas de Eduardo e de utros parlamentares de oposição ao Capitólio americano e à sede da Organização dos Estados Americanos (OEA) possibilitaram que autoridades americanas tivessem contato com o caso envolvendo a Corte brasileira. Até então a realidade do que acontece no Brasil dificilmente chegava ao conhecimento dos americanos, que acompanham a realidade do país por meio de um noticiário hostil à direita produzido por uma parte dos órgãos de imprensa.

Articulação entre Trump e Eduardo pode encontrar limitações

O cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, destacou que, embora a relação de Eduardo Bolsonaro com Donald Trump e seus assessores abra oportunidades significativas para a oposição brasileira, existem limites naturais a essa aproximação.

"Sabemos que governo e Estado são coisas diferentes. Mesmo assim, a proximidade de Eduardo com Trump o transforma em um articulador estratégico, principalmente no que diz respeito a ações contra o aumento da censura aqui no Brasil", afirmou o cientista político.

Segundo Cerqueira, o papel de Eduardo é potencializado pela ausência de restrições de viagem, que afetam outros nomes do bolsonarismo, e pela confiança construída junto a lideranças republicanas. No entanto, ele alertou que a capacidade de Eduardo de converter essa relação em ações concretas dependerá do contexto político e das prioridades da administração americana.

Trump tem uma boa relação com os Bolsonaro e apetite para uma agenda de defesa da liberdade de expressão e seu secretário de Estado (chanceler), Marco Rubio, tem grande conhecimento de América Latina. Mas o presidente americano se elegeu com uma agenda isolacionista e não de controle do ambiente internacional. Além disso, sua maior preocupação estratégica está relacionada à competição com a China.

"Mas se o governo americano adotar uma postura mais dura contra países que ampliam a censura ou restringem liberdades, Eduardo estará bem posicionado para capitalizar essa movimentação", avaliou.

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