Quatro colunas do jornal e mais o editorial do GLOBO de hoje pressionam o presidente na mesma direção: descer do palanque e governar. Merval Pereira lembra que nem urnas nem ruas deram ao presidente uma carta branca para fazer o que bem entende. Carlos Andreazza fala do clima de plebiscito permanente do bolsonarismo. José Casado comenta sobre a economia que derrete e exige ações concretas do governo. Ricardo Rangel considera que as manifestações foram contraditórias. E o editorial conclui que o presidente não pode achar que as ruas decidirão as reformas.
Vamos aos principais trechos de cada um, começando pelo editorial:
O domingo de manifestações em favor do governo Bolsonaro, realizadas em 156 cidades, distribuídas pelos 26 estados e o Distrito Federal, serviu para mostrar que a direita chegou mesmo às ruas, que eram monopólio da esquerda até junho de 2013, quando atos espontâneos, à margem das máquinas sindicais lulopetistas, denunciaram a má qualidade dos serviços públicos e da infraestrutura.
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Passada, porém, a manifestação a favor, deve o governo se voltar aos entendimentos com o Congresso, espaço institucional para as mudanças necessárias nas leis, a fim de que o país saia da estagnação em que se encontra. Não pode considerar que avanços que venham a ser alcançados na reforma da Previdência e outras se deverão às pressões das ruas, usadas quase sempre com intenções antidemocráticas.
Merval Pereira:
As manifestações não foram desprezíveis, como ressaltou o General Heleno, mas não foram suficientes para levá-lo a ter poderes acima do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), que continuarão, como a imprensa, a fazer o papel de contraponto ao poder do Executivo.
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Os embates com os poderes constituídos da República, que limitam suas ações, seriam mais a demonstração da incapacidade de Bolsonaro de agir dentro dos parâmetros constitucionais do que intenção de moralizar o país. As ruas, no entanto, não lhe deram essa prerrogativa.
Carlos Andreazza:
Não importa o volume das manifestações governistas de domingo. Avalio que foram de porte razoável e de caráter nacional tanto quanto expressivas de uma mentalidade autoritária, resumida no ataque direto ao Parlamento — motor original dos atos e ímpeto antidemocrático cujo propósito, apesar da competente campanha que tentou limpar a barra pesada das convocações, não se conseguiu disfarçar: o de esmagar o Legislativo sob a convicção de que o Congresso, o inimigo, sindicato do crime, seja poder menor destinado a mero despachante dos desejos do governante popular, um imperador eleito, um guerreiro de todos os lados acossado pelo monstro chamado establishment.
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Nesta altura, só uma questão resta — dado que o erro político está cometido: o quanto tamanha burrice atrapalhará. Como recado ao ingênuo que espera alguma perspectiva de equilíbrio para se planejar, a estupidez patriota é clara: o governo, dirigido pela força reacionária bolsonarista, escolheu a campanha permanente e não perderá chance de plantar polarizações. É caminho tomado por quem desconhece a história ou se julga habilitado a desafiá-la: um governo que se move sob linguagem de oposição, ainda aos cinco meses, apostando em apoio popular constante, é um que cansa e se cansa.
O bolsonarismo investe na fundação de uma cultura plebiscitária como mecanismo para esvaziar-desqualificar o Congresso e anabolizar um canal de comunicação direta entre líder carismático e povo. É fetiche totalitário antigo e que tem exemplo recente na Venezuela — um país de instituições devastadas pela imposição populista dos governantes e que expõe sua paralisia em disputas tribais sobre quem reúne mais esfomeados na rua.
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O governo Bolsonaro tem natureza — a imprevisibilidade — avessa ao princípio básico do que seja governar, o que é agravado pela alarmante incapacidade de gestão. E o investimento permanente em conflitos, essa verdadeira forja de crises institucionais que anima o bolsonarismo, apenas radicalizará o que é óbvia constatação: a de que um programa de reformas liberais, como o de Paulo Guedes, não tem meios de prosperar, senão modestamente, num ambiente de instabilidade como regra.
José Casado:
O IBGE já constatou declínio em dez dos 15 estados com base industrial — ou seja, em dois terços dos núcleos urbanos mais ricos, onde a vida depende dos empregos e dos salários mais qualificados.
O presidente vai precisar trocar a diversão nas redes sociais pelo trabalho, se quiser fechar o primeiro ano de governo com crescimento irrisório, em torno de 1%. Com desemprego em alta, população empobrecida, empresas endividadas e sem investimento, ele já preside um país em flerte com a depressão. O tempo passou, e Bolsonaro não viu.
Ricardo Rangel:
A manifestação de domingo foi convocada, a princípio, para hostilizar a classe política, os demais Poderes da República e a imprensa. A convocação repercutiu mal, e o governo reorientou a pauta para a defesa das reformas. Fez bem: de um lado, rebateu (em parte) a acusação de antidemocrático e golpista; do outro, atraiu gente que está mais interessada em melhorar o país do que em brigar. Encheu as ruas. Mas criou uma agenda dupla e realizou uma manifestação contraditória.
A agenda positiva, reformista, é boa, mas também é esquisita. Pediram a reforma da Previdência quando todos sabem que ela está bem encaminhada, que seu atraso é decorrente das trapalhadas do próprio governo, e que seu maior inimigo é o presidente da República, que volta e meia dá uma declaração que esvazia a proposta (na semana passada, uma dessas declarações levou o ministro da Economia a ameaçar, mais uma vez, pedir o boné).
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A agenda negativa, a do confronto institucional, apesar da suposta mudança da pauta, persistiu. Houve forte hostilização ao “Centrão” (aquilo que o bolsonarismo chama de “velha política”) e a Rodrigo Maia. A manifestação que pedia a reforma da Previdência brigou com aqueles de cujos votos ela depende e, de maneira estapafúrdia, atacou Maia, justamente o maior aliado da reforma, peça-chave para sua aprovação.
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No fim do dia, o líder do DEM, partido que forneceu o maior número de ministros ao governo, deputado Elmar Nascimento, alertou que “o radicalismo e a beligerância nunca levaram a lugar algum” e que “ninguém governa sozinho”. Rodrigo Maia não passou recibo, mas não é difícil imaginar seu estado de espírito.
Manifestação de apoio pode ser bom, mas não segura presidente na cadeira. O país precisa funcionar e, para isso, em vez de convocar comício, Bolsonaro precisa elaborar um plano de governo, se acertar com a classe política, arregaçar as mangas e trabalhar. Se insistir no confronto, acabará inviabilizando a si mesmo.
Por fim, Alexandre Schwartsman escreveu um texto na Infomoney questionando se agora é diferente, com base no livro dos economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart. O ex-diretor do Banco Central diz que economistas sérios sabem o que deve ser feito, mas que a grande dúvida é o jogo político. E, para ele, a postura de Bolsonaro não ajuda muito:
Isto dito, é possível concluir que as manifestações deste fim de semana tenham elevado as chances de aprovação de uma reforma da previdência mais próxima à proposta pelo governo? (Aqui sai de cena o economista para que fique evidente o amadorismo do cientista político).
Pelo que pude entender das explicações dos entendidos no assunto, a resposta parece ser positiva, mas modesta.
A começar porque, a despeito dos ataques, a liderança do Congresso já se mostrava disposta a avançar nesta área. O vilipendiado presidente da Câmara, por exemplo, tem se movido no sentido de aprovar a reforma, embora sua extensão não esteja clara. Da mesma forma, em entrevista interessante ao Pravda (perdão, Valor Econômico) o presidente da comissão especial que analisa a reforma, embora bastante crítico ao governo, revela desejo de protagonismo na formulação do projeto a ser votado na Câmara.
Estes (e outros) sinais foram ignorados pelo presidente da República, que – de forma pouco sutil – preferiu atiçar a pressão das ruas neste sentido. Obviamente, o fato de algumas lideranças nas manifestações terem defendido mudanças na previdência não significa que este seja um tema de forte apoio popular (provavelmente não é), mas, de qualquer forma, pode ter dado um tanto a mais de conforto para quem estava inclinado a apoiar, mas sentia falta de certo respaldo.
Isto dito, a postura de permanente antagonismo ao Legislativo não se afigura sustentável à luz da história nacional, ainda mais com o mandato todo pela frente e num cenário de baixo crescimento e elevado desemprego (que em algum momento serão atribuídos ao mandatário de plantão).
A demonização da atividade política (apesar de certos políticos terem se esforçado bastante para merecê-la) sempre foi um risco para a democracia e para as reformas, e nada indica que será diferente desta vez.
Ficam, portanto, os alertas. O clima de confronto permanente com o Legislativo não é positivo para a agenda reformista. Alguns apontam para a reunião desta manhã, em que documento de pauta comum foi assinado entre os Poderes, como prova de que as manifestações já surtiram efeito positivo, mas é recomendável mais cautela aqui.
A demonização da política em nada contribui, pois as soluções precisam ser políticas. Há quem acredite que o maçarico ligado pela pressão popular é a melhor arma, talvez a única, e que é preciso manter a faca no pescoço do Congresso. É um ponto de vista. Mas é preciso ao menos reconhecer o quão arriscada essa estratégia é.
Rodrigo Constantino