Há muita gente que escuta falar em mercado financeiro e automaticamente pensa em capitalismo liberal. Ou ouve a palavra lucro e logo acredita estar distante do socialismo. Há, ainda, aqueles que reduzem o liberalismo à economia, como se o aspecto cultural não importasse. Todos esses ficariam perplexos com a notícia de que o banco de investimentos Goldman Sachs, ícone de Wall Street, foi o grande comprador de títulos venezuelanos, financiando assim o regime de Nicolás Maduro.
A Goldman Sachs comprou $2,8 bilhões em bonds do governo venezuelano, injetando liquidez no país e dando sobrevida ao nefasto regime bolivariano. A oposição enfraquecida diz que não pagará os títulos, se conseguir derrubar o tirano do poder. “É óbvio que a Goldman Sachs decidiu fazer um ganho rápido com o sofrimento do povo venezuelano”, disse Julio Borges, líder da oposição no Congresso (ou o que restou dele).
Para os ingênuos, não faz sentido um banco de investimentos se aproximar de um governo socialista. Tolinhos! O socialismo sempre foi bancado com capital… dos capitalistas! Ou alguém acha mesmo que proletário quer saber de revolução? Vamos lembrar que o marxismo começou com um sujeito que nunca pisou no chão de uma fábrica, e que era sustentado por um herdeiro de indústria. O socialismo começa com os ricos.
Wall Street financiou bem mais a campanha da esquerdista Hillary Clinton do que de Donald Trump. Wall Street também vivia um caso de amor com Obama, cuja regulação do setor tinha mais de duas mil páginas, ou seja, mata qualquer chance de novos entrantes pequenos sobreviverem, pois só quem já é gigante e estabelecido pode arcar com tantos custos assim.
O mercado é amoral. Não tem ideologia. O dinheiro pode vir do tráfico de diamantes ou de empreendimentos tecnológicos produtivos: continua sendo dinheiro. No “bottomline” estará a mesma cifra, independentemente de como ela foi parar lá. Quem tem que ter moral é o indivíduo, e o fundamental é o mecanismo de incentivos: se o governo concentrar muito poder e recursos, ele sempre irá atrair capital feito moscas.
Por isso os liberais mais conservadores não ficam chocados com essa notícia. Sabem muito bem que o capital sempre se associou ao poder, mesmo socialista, de olho em bons retornos. Basta ver como grandes grupos e bancos financiaram o PT no Brasil, sem falar dos herdeiros bilionários, que adoram bancar bandeiras “progressistas”. O maior financiador da esquerda no mundo é George Soros, um especulador bilionário.
Helio Beltrão, liberal que atua no mercado financeiro, mostrou-se indignado com a decisão do banco de investimentos:
É uma vergonha a amoralidade da Goldman Sachs em financiar o regime Maduro com uma injeção financeira de 30% do total de reservas da Venezuela (emprestou US$2,8 bilhões).
A Goldman diz que ‘não lidou com Caracas mas com um broker’ e comprou no ‘mercado secundário’. Que piada! Que desculpa esfarrapada! Este bond estava micado no Banco Central Venezuelano e a Goldman emprestou DIRETAMENTE grana (e tempo) ao regime ditatorial. Para todos os efeitos práticos, é uma emissão primária. E pouco importa que a negociação tenha sido feita através de um broker. A Goldman lidou sim com o estado Venezuelano, indiretamente, se escondendo atrás de um terceiro.
Desta forma, não há como ler diferente: para ganhar grana, a Goldman virou parceira de Maduro. Vergonha.
Sim, é uma vergonha. E infelizmente é como agem muitos capitalistas, que não querem saber de liberalismo, mas só de retornos financeiros. Lenin dizia que iria comprar dos burgueses a corda que usaria para enforcá-los depois. A Nova Política Econômica dos soviéticos fez várias concessões ao “mercado”, permitiu até o pecaminoso lucro. Sabemos o resultado.
Por isso muitos conservadores julgam certos liberais ingênuos: pois não se dão conta de que nem tudo é economia. Alexandre Borges comentou: “Pois é, existe mais numa transação econômica do que a economia descreve”. Existe a política. Existem os valores morais. Existe o apreço pela liberdade. Está mais do que evidente que nem todo capitalista é amigo do liberalismo. Especialmente aquele do mercado financeiro, que visa ao lucro rápido, e costuma deixar questões morais de lado.
A Goldman Sachs, um dos maiores e mais respeitados bancos de investimentos, tornou-se cúmplice da tirania socialista venezuelana, que tem perseguido e matado opositores nas ruas, prendido de forma arbitrária quem ousa criticar o regime, e mergulhado o país todo no caos social e na miséria. Mas o investimento vai render um bom retorno aos banqueiros, então quem liga?
PS: A vantagem do liberalismo é que o cliente continua com a liberdade de escolha. Ele pode sempre boicotar a empresa que agride seus valores e códigos de decência. A revolta com a Goldman Sachs pode lhe custar caro em termos de imagem. Seria o mínimo a se esperar.
Rodrigo Constantino