Há dois meses, escrevi um texto sobre o esforço de algumas pessoas para preservar o legado histórico do império no Rio, lembrando que é triste o país sem memória. Qual não foi minha tristeza, então, ao ver o Museu Nacional e seu enorme acervo cultural sendo consumidos pelas chamas de um incêndio enorme, numa tragédia anunciada?
O jogo de transferir responsabilidades começou imediatamente após a desgraça. De forma bastante oportunista, o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, tuitou acusando o governo Temer pela catástrofe, ignorando que o Museu era administrado pela UFRJ, cuja reitoria pertence indiretamente ao próprio PSOL:
“Muito triste o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, atingindo 20 milhões de itens da nossa história. Os cortes criminosos de Temer em recursos da Cultura e em investimentos estão condenando nosso futuro e destruindo nosso passado”.
Como se um comunista invasor de propriedades realmente ligasse para nossa história, quisesse preservar nosso legado imperial. A cara de pau dessa gente nunca para de surpreender. O xará do invasor, o jornalista Guilherme Fiuza, colocou os pingos nos is:
“Os parasitas fantasiadas de progressistas engordaram 13 anos em trincheiras como a UFRJ, ao preço módico de 200 anos de história. Não adianta atirar no ministro da Cultura, que inclusive tentou salvar o Canecão desses mesmos enganados – em vão, porque as unhas deles são compridas”.
Carlos Andreazza também apontou para o alvo certo: “No Brasil, universidades federais têm autonomia administrativa e financeira. A tragédia no Museu Nacional é a tragédia da UFRJ”. Alexandre Borges também saiu em defesa do atual ministro: “Lamentáveis os ataques de Vera e Villa na [Jovem] Pan agora ao Sérgio Sá Leitão, melhor ministro da cultura que o Brasil teve nas últimas décadas. Em vez desta punhalada, que tal convidar para um debate? Jogar para a arquibancada deste jeito é irresponsável e injusto”.
Outro Guilherme, o Macalossi, também esfregou a hipocrisia na cara dessa esquerda, e resgatou uma reportagem de 2015 que vem a calhar: “Vagabundos e celerados já se apressam e dizer que foi o neoliberalismo, o impeachment e a PEC do teto que causaram o incêndio no Museu Nacional. Eis aqui uma matéria de 2015 da Folha. Mostra a precariedade da instituição durante o governo Dilma:”
O Museu Nacional, vinculado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), está fechado por tempo indeterminado desde esta segunda (12).
O motivo, segundo o site oficial do museu, é o não pagamento de empresas terceirizadas que fazem os serviços de vigilância e limpeza. As empresas não receberam os pagamentos dos meses de novembro e dezembro, além do décimo terceiro salário.
Segundo o Museu, o governo federal não havia feito os repasses necessários para o pagamento. O MEC (Ministério da Educação) transferiu R$4 milhões nesta segunda para a UFRJ, mas a universidade diz que eles não são suficientes, e aguarda o repasse de mais R$18 milhões nos próximos dois dias. O orçamento da universidade para 2015 é de R$438,4 milhões.
O triste fato é que não temos qualquer apreço pela verdadeira cultura, menos ainda pelo legado histórico e imperial, enquanto rios de dinheiro fluem para os bolsos de “artistas” engajados e dos comunistas que tomaram nossas universidades públicas.
O principe Luiz Philipe de Orleans e Bragança definiu o incêndio como “terrivelmente simbólico”, e usou seu Twitter para desabafar sobre o ocorrido:
Inicia-se hoje a semana da independência,com muita tristeza. Ainda não se sabe as causas do incêndio do Museu Nacional,mas já se sabe, e a muito tempo, da situação de abandono e descaso. Há mais de um século as forças que tomaram conta do Estado tentam reescrever a história do nosso país, tentam impor uma cultura que não é nossa.O Museu Nacional assim como Brasil, estava abandonado à própria sorte. Foi aqui que D. Leopoldina assinou a ata da reunião que propiciou nossa independência, num dia como hoje, 02 de setembro 1822. Coincidência terrivelmente simbólica! Perdemos referências fundamentais de nossa história e também toda a consciência humanitária e científica acumulada de um ser humano exemplar que foi Pedro II; que queria conscientizar sobre o que existia de extraordinário na humanidade para os brasileiros.
O movimento monarquista está crescendo no país com o fracasso de nossa “república”. Hoje veremos muita gente da esquerda “chorando” pela desgraça no Museu Nacional, mas são os mesmos que cospem diariamente nesse passado, no legado imperial. Alexandre Borges comentou numa série de tuítes esse outro “incêndio” que ocorre nas salas de aula e nas novelas:
O principal grupo de comunicação do país, uma corporação bilionária que quer ser o guia supremo dos rumos da nossa cultura, há décadas cospe no passado brasileiro, especialmente o período imperial. Alguém tem que cobrar parte dessa conta dele. O brasileiro é ensinado desde cedo à reverenciar Vargas, JK, Jango, Marighella, Lamarca, Brizola e, claro, Lula. Nossos monarcas e os gigantes do século XIX como Bonifácio e Mauá são diminuídos, ignorados ou ridicularizados. O resultado está aí. A lembrança da parte mais nobre de nossa história é incendiada todos os dias nas salas de aula e na TV. Que essa tragédia possa gerar a revolta necessária para a defesa do que sobrou do nosso passado. A maioria dos filmes, novelas, programas jornalísticos e minisséries produzidos ou promovidos pela Globo trata nosso passado imperial com escárnio, destruindo a imaginação moral e o respeito à memória do país. O brasileiro é doutrinado a ter vergonha das nossas tradições. O império é sempre retratado como um regime corrupto controlado por usurpadores vagabundos, alienados, ignorantes, ridículos e perdulários, como se o período republicano tivesse qualquer condição de desdenhar do Brasil daquela época. Não tem.
O simbolismo desse incêndio é evidente demais para ser ignorado. Somos um país sem cultura, ou por outra: que chama de cultura qualquer porcaria indecente, enquanto despreza a verdadeira cultura. E o Rio, a “cidade maravilhosa”, é um caso ainda pior de abandono e descaso. Ana Paula do vôlei desabafou: “Imagens estarrecedoras do incêndio no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista no Rio. A história do nosso país sendo consumida pelas chamas! Que triste, meu Deus! O Rio se tornou um cemitério de ideias, ações e progresso, tudo ali vira cinzas. Que tristeza ver o Rio assim”.
Carlos Andreazza também fez uso desse simbolismo: “O Museu Nacional em chamas. Que tristeza. O Rio vai se transformando em escombros”. E não adianta culpar, como vimos, o ministro da Cultura, já que o Museu ficava sob os cuidados do ministério da Educação, e era administrado pela UFRJ. Mas não custa lembrar o que costuma ser chamado de cultura em nosso país. Eis alguns exemplos de “projetos culturais” que foram agraciados pela Lei Rouanet:
“Documentário que contará a história e a vida de José Dirceu – R$ 1.526.536,35
DVD de MC Guimê – R$ 516 mil
O Mundo Precisa de Poesia – Maria Bethânia – R$ 1,3 milhão
Turnê Luan Santana: Nosso Tempo é Hoje Parte II – R$ 4,1 milhões
Turnê Detonautas – R$ 1 milhão
Shows Cláudia Leitte – R$ 5,8 milhões
Filme “Brizola, Tempos de Luta” e exposição “Um brasileiro chamado Brizola” – R$ 1,9 milhão
Peppa Pig – R$ 1,7 milhão
Shrek, O Musical e Turnê – R$ 17,8 milhões
Queermuseu – R$ 800 mil
Livro com fotos de Chico Buarque – R$ 414 mil
Museu Lula – 7,9 milhões”
Diante desse cenário, que mais parece um filme surrealista, o brasileiro decente ainda precisa encontrar forças para defender nossas memórias e lutar pelo futuro. Não é simples. Não é tarefa trivial. Guilherme Fiuza ironizou: “Esse país que não consegue olhar nem dez anos atrás pra saber em quem votar deve achar que passado de 200 anos é ficção científica”. O Brasil cansa…