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O mito do liberalismo como culpado pela crise de 1929

Por Filipe Altamir, publicado pelo Instituto Liberal

Algo que se aprende corriqueiramente na grade de ensino do padrão MEC é a história da grande depressão americana e do crash de 1929 nos EUA. A versão mais comum publicada em todos os livros didáticos e propagada pela grande maioria dos professores é que a crise colocou à tona de que o liberalismo faliu de vez, acabou de uma vez por todas, e que o estado é necessário tendo uma participação ativa e extremamente regulatória com uma finalidade única de evitar tais falhas e corrigi-las sempre que necessário, assim como também a responsabilidade de estimular determinados segmentos econômicos tanto produtivos quanto de consumo imediato.

Obviamente a crise se deu por uma série de estímulos de um estado intervencionista e hiperativo no mercado, o que havia antes de 1929 não era um livre mercado completamente pleno, no qual deva atribuir a responsabilidade pelas mazelas da grande depressão, mas sim um mercado relativamente livre com diversas lacunas ocupadas por uma série de intervenções estatais, políticas bancárias e econômicas de expansão do crédito, da base da oferta monetária, além de deliberadas medidas bancárias e serviços que contavam com o sistema de reservas fracionárias. Uma quebra na bolsa per se não é capaz de gerar uma crise ou uma grande depressão, em 1987 a bolsa americana chegou a cair em até 15% e não levou a nenhuma crise ou depressão.

O crash da bolsa de NY em outubro de 1929 não ocorreu por falha de mercado, mas sim por uma série de políticas econômicas irresponsáveis oriundas de distorções do estado intervencionista. Houve durante a década de 1920 uma série de políticas de expansão de crédito pelo FED visando a correção do sistema bancário de reservas fracionárias. Como toda e qualquer expansão, gerou um BOOM deliberado e generalizado no mercado de ações, levando a uma ostensiva euforia especulativa, e quando finalmente a expansão do crédito foi contida em virtude das grandes pressões inflacionárias, o mercado americano passou pelo estágio de correção, onde todos os investimentos errôneos e de origem de distorções do estado intervencionista caíram por terra, reestruturando todos os bens de capital com direcionamentos corretos de investimentos. As quebras bancárias, por sua vez, ocorreram exatamente pela retração da expansão da oferta monetária e, em virtude da prática das reservas fracionárias dos bancos comerciais que começaram a restringir o crédito e a cobrar devidas quitações de empréstimos pendentes. Os indivíduos que estavam com dívidas pendentes imediatamente começaram a sacar deliberadamente o dinheiro dos bancos provocando uma série de falências dessas instituições.

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No lugar do governo permitir que o mercado atuasse em correção natural e espontânea com adequação à nova realidade monetária sem a expansão, o estado mais uma vez interviu no mercado com uma série de controles de preços, controle de salários, aumento das taxas de importação, impostos e gastos, perpetuando uma depressão econômica por longos e quase intermináveis 15 anos.

Além de todos os acontecimentos ignorados pela maioria dos professores de história, também houve em 1920 uma crise corrigida pelo mercado e adiada até o ano de 1929. Mesmo após a auto-regulação do mercado vigente, o governo americano adotou novamente políticas intervencionistas culminando assim na crise futura. Thomas Woods a seguir, em artigo , explica detalhadamente a situação americana em 1920:

“A situação econômica nos EUA em 1920 era sinistra.  Naquele ano o desemprego havia pulado de 4% para quase 12%, o PNB havia declinado 17%.  Não é de se estranhar, portanto, que o então Secretário de Comércio [equivalente ao nosso Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior] Herbert Hoover – até hoje falsamente descrito como um entusiasta do laissez-faire – tenha instado veementemente o então presidente Warren G. Harding a fazer uma série de intervenções para reativar a economia.  Mas Hoover foi ignorado.

Ao invés de um “estímulo fiscal”, Harding reduziu o orçamento do governo praticamente à metade entre 1920 e 1922: os gastos federais declinaram de $6,3 bilhões em 1920 para $5 bilhões em 1921 e $3,3 bilhões em 1922.  E o restante da abordagem de Harding foi igualmente laissez-faire: o imposto de renda foi diminuído para todos os grupos de renda e a dívida nacional foi reduzida em 33%.

A atividade do Federal Reserve, o banco central americano, foi praticamente imperceptível.  Como um historiador econômico escreveu, “Apesar da severidade da contração econômica, o Fed não utilizou seus poderes para aumentar a oferta monetária e combater a recessão”.[2]  No terceiro trimestre de 1921, os sinais da recuperação já eram visíveis.  No ano seguinte, o desemprego caiu para 6,7%, e em 1923 já estava em 2,4%”.

mises1Não é conveniente ao discurso academicista e ao mainstream citar tal caso da crise de 1920, uma vez que seria a refutação cabal do discurso marxista de que o mercado desregulado é o responsável pelas crises econômicas ao redor do mundo, quando na verdade, tudo acontece em virtude de uma série de intervenções estatais e políticas monetárias irrestritas. A extrema regulação do mercado financeiro e uma série de distorções oriundas de uma expansão do crédito e da oferta monetária,  fizeram com que os investidores alocassem capital e investimentos de forma errônea, o que gerou uma crise de confiança que culminou em falências bancárias e empresariais.

Como é de costume em todo o período de crise, o estado também garante a ousadia dos empresários em investimentos irresponsáveis através dos “pacotes emergenciais”, socializando todos os prejuízos caso venham à falência, responsabilizando todos os pagadores de impostos por essa orgia deliberada entre burocratas e empresários que não se garantem em um mercado com ampla concorrência. Sempre que o governo garante seguridade jurídica e econômica, isso desestimula toda e qualquer ação racional por parte do investidor. Ocorre que muitos empresários tornam-se mimados pelo estado desacostumando todo o arranjo, gerando uma série de pressões políticas que justificam cada vez mais a dependência dos indivíduos ao aparato estatal.

Muitos esquerdistas pensam que o calcanhar de aquiles do liberalismo é exatamente essa situação de que sempre quando há uma crise, muitos empresários recorrem ao estado que atua como garantidor do controle da situação. Isso ocorre exatamente pela garantia anterior dos pacotes emergenciais e também pela devida cobrança do empresariado ao combinado com o estado, evitando as falências. Todo liberal defende que o empresário irresponsável deve arcar com seus prejuízos, tendo em vista que o agente econômico cujos objetivos foram frustrados tem como punição natural do mercado a perda do lucro, estimulando uma readaptação de mercado para os mais aptos à atuação competitiva.

Os fatos históricos ocorridos durante a década de 1929 contraria o argumento da esquerda de que o livre-mercado é o causador de todas as mazelas econômicas. Todo conservador ou libertário deve levar em consideração as políticas fiscais e monetárias ocorridas em uma determinada época para comprovar que, ao longo da história, jamais houve um caso de crise econômica por causa do livre-mercado, mas sim pela intervenção crescente do governo.

*Estudante de Economia e Filosofia Política

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