Por Sergio de Mello, publicado pelo Instituto Liberal
Na história dos acontecimentos humanos, a modernidade trouxe sua ponta de liberdade e também de sangue. Ou seja, nem tudo que se viu após a revolução dos jacobinos são flores, ao contrário do que contam os defensores da humanidade. Aliás, se for investigar a fundo, o atual estado moderno de convivência é mais de tragédia do que de comédia. Ilustrando esse ponto inaugural com Betrand Russel, temos inveja, tédio, medo da opinião pública, que nada mais é do que o politicamente correto, fadiga, competição, culpa, etc. (A conquista da felicidade, Editora Nova Fronteira, 2017). Enfim, coloque aí tudo que você conhece de ruim para o ser humano hoje, isso é decorrência da modernidade.
Para mim, uma das piores mazelas é o ressentimento. Explico.
O ressentimento é o causador de todos os conflitos interpessoais e, consequentemente, sociais, que temos hoje. Quando o problema chega no judiciário, é a confirmação da substituição da clínica psicológica pela política que virou lei. Como o juiz é a boca da lei, passou num concurso porque tem vocação para isso, não há outra consequência senão dar a cada um o que é seu. Quero, logo existo. Bingo!
A época em que vivemos aponta para uma única direção possível de se enxergar a convivência, aquela de uma tal socialização de direitos e que acirra o conflito pelo ressentimento provocado por injustiças. Depois dos atentados, das grandes revoluções e guerras, o ser humano é o Rei Sol (expressão tomada por empréstimo de Theodore Dalrymple) de si mesmo. Quero o que é meu de direito! (Eu acrescento: o que também não é!). A consequência das injustiças produzidas foi exatamente essa: a de que o Estado e as pessoas sempre devem alguma coisa para alguém, enquanto não se deve nada para ninguém. Querer o bônus sem sofrer o ônus. É achar que querer é sempre poder! Lógico que essa frase conhecidíssima incentiva a busca por uma maior felicidade, mas nem sempre ela é encontrável sem que se pise nos outros.
Essa pisadura no alheio a ponto de querer matá-lo é o Calcanhar de Aquiles do ressentimento e de sua política totalitária.
Convivemos com o ressentimento diariamente, uns sentindo na pele o seu toque mortal, como vítimas de preconceitos, outros como participantes em conflitos interpessoais em busca de direitos. Não conhecemos o ressentimento. Sentimos o ressentimento.
Pense num acidente de trânsito, sem vítimas, em que ambos os sujeitos andavam na contramão e bateram um contra o outro. Ambos são culpados pelo acidente. Culpa recíproca que se compensa e não gera o dever de indenizar. Cada um deve pagar pelo estrago que fez no seu próprio veículo. Isso em tese, porque sempre acontece de ambos exigirem mais direitos do que têm. O conflito está armado.
Pense, por exemplo, num divórcio. O casal termina o relacionamento num tal estado de animosidade pelo ressentimento que nenhum dos dois quer dialogar por causa da divisão de um papagaio. A cegueira toma conta dos dois e ninguém enxerga o outro lado da história. Ora, querem direitos que não existem ou que são do outro. O ressentimento que domina a mente bloqueia o livre refletir. Tudo pelo sentimento de injustiça provocado, pelo Estado, por terceiros. A Lei Maria da Penha é exemplo singular dessa política. Não que a mulher não mereça a proteção, até porque existem mulheres que, de fato, apanham e morrem em conflitos familiares e por causa de sua condição de fragilidade.
Aonde quero chegar? Não é dizer que não se deve buscar direitos, que já estamos com total carga de trabalho ou que o cidadão deve permanecer inerte. Não é isso. É colocar um sinal de luz nessa nuvem negra que assombra as mentes incautas para o alerta de que, de repente, você pode estar sendo usado pela política. É usar um pouco de Luiz Felipe Pondé, com sua agenda para o contemporâneo, ou de Theodore Dalrymple, que fala sobre o sentimentalismo tóxico, com uma pitadinha de cristianismo, com o sempre necessário requinte cristão. O sentimentalismo, o instrumental do diabo.
Um dos mais malvados ocorre na justiça do trabalho. Lá o patrão é massacrado diariamente. Sei que existem direitos do trabalhador, que ele sofre dia-a-dia no seu trabalho, que é penoso e rende pouco. No entanto, transformar o capitalismo e o patrão nos vilões de toda a pobreza mundial, remontando-se ao passado escravocrata ou da luta de classes (Marx), nivelando, com o dinheiro dos ricos, todo mundo ao nível da pobreza, é fazer tábula rasa dos humanos com potencial para crescer mais na vida. E ainda tem gente que cai nessa falácia, deixa de buscar maiores oportunidades do que a promessa ideológica estatal de dias melhores. Aconselho a parar de acreditar no governo.
Quer exemplo maior ainda do ressentimento? Ou de sua política?
Já conheci gente que foi buscar indenização por danos morais por abandono afetivo. Ora, colocar um filho contra seu próprio pai por motivo de abandono, como se alguém fosse obrigado a amar ou ser afetuoso. O dinheiro resolve tudo e o judiciário está aí para dar aquela mãozinha. Tira-se um dinheirinho de quem pode pagar e aí fica tudo em paz. Afinal, esse não é o objetivo do direito mesmo, a paz social? Para o Estado e os modernos, a miséria humana está longe de ter um culpado palpável.
Já existiu preso, confesso, que ousou dizer que o culpado de sua condenação foi o advogado que fez sua defesa, que ele estava ali preso por causa do seu defensor.
O Supremo Tribunal Federal deixou uma mulher abortar filho com até três meses de vida no ventre. A Inglaterra tomou a mesma atitude com relação a um neném com tratamento pago pelos pais, sob o argumento de evitar-lhe sofrimento futuro. Sofrimento para quem? Para os pais, para o filho ou para o próprio Estado?
O problema de tudo isso não é buscar o que é meu de direito. Enquanto houver lei que permita essa busca deve ser assim. O problema é que o Estado e partidos que não valorizam o indivíduo se valem desse espírito de dependência do ser humano como instrumento de conflito e de tomada de poder. Enquanto existirem mimados fabricados sempre haverá quem se faça de bom samaritano. Enquanto existirem sofridos e “sofridos” sempre haverá quem se acha o salvador da pátria ou o messias da humanidade. Seja ele na figura do legislador ou do juiz.
Como escreveu Luiz Felipe Pondé, “Nada cresce onde há ressentimento transformado em política” (A era do ressentimento: uma agenda para o contemporâneo. São Paulo: LeYa, 2014, p. 130).