Alguma reforma ainda este ano é melhor do que nenhuma reforma. Alguns acham que é melhor esperar e fazer uma reforma mais completa e melhor depois, mas essa estratégia é muito perigosa. Não há tempo a perder, e a reforma apresentada pelo governo Temer é razoável. Um começo tímido, é verdade, muito aquém do que necessitamos, mas que aponta na direção certa. E estancar a sangria é um imperativo categórico para sanar as contas públicas. Quem não se importa muito com o déficit previdenciário não entende nada de economia – ou não liga para o futuro do Brasil.
Em seu editorial de hoje, o GLOBO fez um breve resumo da situação e tentou pressionar por alguma reforma ainda em 2018. São palavras importantes, já que há indícios de que todos estão recuando e aceitando empurrar com a barriga para o ano que vem. Diz o jornal:
Não há tema no campo econômico e social mais debatido nestes 30 anos de redemocratização, a contar da Constituição de 88, do que a crise da Previdência.
Nada justifica, então, pedir mais discussões de um tema já por demais esclarecido. Tampouco político pode dizer-se desinformado, pois o assunto é de amplo conhecimento do Congresso. Do próprio Estado brasileiro como um todo, porque também as finanças de estados e municípios estão sendo asfixiadas por aposentadorias e pensões do funcionalismo.
Na verdade, já passou, e muito, da hora de Executivo e Legislativo executarem a necessária reforma de um sistema cujo déficit ultrapassará em breve R$ 300 bilhões anuais, e está em ascensão descontrolada.
[…]
Sendo assim, não faz sentido que o governo Bolsonaro, como chegou a ser noticiado, planeje executar esta reforma aos poucos, por fases. Será grave erro, capaz de colocar sua gestão sob sério risco, antes mesmo da posse.
Os novos governantes não podem menosprezar o tamanho da crise fiscal, muito menos cair na visão ingênua de que uma leve aceleração do crescimento, que estaria em curso, ajudará a recompor algum equilíbrio nas contas públicas. Era nisso que o PT apostava. O que não acontecerá.
A Previdência poderá representar 70% das despesas primárias da União (sem considerar os juros), uma proporção altíssima. E esses gastos, que eram 11% do PIB em 1991, estão na faixa dos 20%. E não param de crescer, devido a regras previdenciárias desatualizadas, incompatíveis com o perfil demográfico do país.
Uma classe política de viés populista deixou a crise chegar a este ponto. Há um razoável projeto de reforma, encaminhado pelo governo Temer, estacionado na Câmara. O mais sensato é tentar-se, ainda nesta legislatura, aprovar algum dispositivo importante incluído nele, como o limite mínimo de idade para a aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 para os homens.
O editor e escritor Carlos Andreazza, em sua coluna de hoje no mesmo jornal, também fala da reforma da Previdência e dos desafios e escolhas que Bolsonaro tem que fazer já, sendo que há clara batalha interna por poder entre seus principais assessores. Diz Andreazza:
A batalha pelo que prevalecerá é travada agora. Já se vê sangue. […] Pensemos, afinal, em Paulo Guedes. Ou melhor: pensemos no colapso fiscal e no desafio da reforma previdenciária. Não deveria haver dúvida sobre sua precedência. O presidente eleito, contudo, é vago a respeito; com frequência, ambíguo. Isto não surpreende. O Bolsonaro liberal é edifício recente, cuja pedra fundamental ainda carece de testes. O sujeito tem um passado. Histórico representante de corporação. São pelo menos três décadas de compromissos em proteção a direitos que conflitam com qualquer modalidade de reforma da Previdência minimamente rigorosa; de resto, reforma impopular — dado a ser calculado sempre que o assunto depender de decisão do presidente eleito.
Move-se, neste momento, na montagem do futuro governo, o tabuleiro político do qual ascenderão — não sem que peças tombem sobre o marfim — os duques da próxima corte. O jogo é pesado e há quem aposte a própria existência. É resistente no núcleo duro bolsonarista a falácia segundo a qual bastariam o enxugamento da máquina pública e a redução de privilégios para que se encontrasse fôlego para investir, o que equivaleria a poder prescindir de reformas estruturais. Bolsonaro quer acreditar nisto. Daí por que talvez não tenha atentado ainda para a frigideira pública em que se tenta passar seu prometido superministro da Economia.
Quando o próprio presidente eleito joga um balde de água fria na reforma ainda este ano, isso acende uma luz amarela: “A questão de reforma da Previdência, que a gente está achando que dificilmente aprova alguma coisa no corrente ano, não é essa reforma [proposta pelo presidente Michel Temer] que eu quero, que o Onyx Lorenzoni [futuro ministro da Casa Civil] quer, que está aí.”
O cabo de guerra vai sendo vencido pela turma política, deixando a parte econômica para depois. Pode ser um grave erro. Fontes minhas de dentro do Congresso já mostram sinais de desânimo e desistiram de qualquer chance de reforma esse ano, o que é ruim. Se essa for mesmo a opção, então Bolsonaro terá de vir com uma reforma muito boa logo no começo de sua gestão para compensar o atraso e acalmar o mercado.
Caso contrário, haverá decepção – e correção no preço dos ativos. Afinal, a reforma da Previdência é questão de vida ou morte, e não basta apenas “melhorar a gestão”; é preciso cortar na carne e retirar inúmeros privilégios. O corporativismo não pode falar mais alto do que o patriotismo…
Rodrigo Constantino