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Li vários livros de Luiz Felipe Pondé e estive com ele pessoalmente algumas vezes, uma delas para ser entrevistado pelo intelectual. Não perdia uma só coluna sua às segundas-feiras na Folha de SP. Pondé falava bastante de cultura, flertava com um niilismo quase charmoso, mas parecia regressar ao chão firme dos valores judaico-cristãos que sustentam nossa civilização. Era, em suma, sempre uma leitura instigante, com ácidas críticas aos "inteligentinhos".
Ocorre que Pondé se transformou naquilo que tanto criticava. E ver essa mudança foi difícil, triste. Não se trata de um caso isolado. Vários pensadores e jornalistas que eu admirava deram guinadas radicais e passaram a negar tudo aquilo que disseram antes. Citei várias vezes Pondé, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Marco Antonio Villa e outros nos meus livros e colunas, e hoje basicamente não os reconheço. Não fui eu quem mudou 180 graus...
Não quero, aqui, entrar em possíveis causas para tal mudança extremista, levantar hipóteses materialistas, suspeitar até de chantagem em alguns casos. Deixo tais especulações para os leitores. Mas quero falar daquilo que ficou conhecido como Trump Derangement Sryndrome aqui nos Estados Unidos.
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A origem do termo remonta ao colunista e comentarista político conservador Charles Krauthammer, um psiquiatra, que cunhou a expressão em 2003, durante a presidência de George W. Bush. Essa "síndrome" foi definida por Krauthammer como "o início agudo de paranóia em pessoas normais em reação às políticas, à presidência – não – à própria existência de George W. Bush".
Uma coisa é criticar, apontar falhas, outra, bem diferente, é não conseguir mais ouvir falar da pessoa, pois isso já produz um bloqueio mental, uma paralisação dos neurônios, uma reação visceral no sujeito. É um ódio irracional, não formado após julgamentos refletidos e ponderados. A síndrome se aproxima bastante do que os psiquiatras chamam de dissonância cognitiva.
Talvez seja isso que tenha acometido Pondé e tantos outros. Não sei dizer, mas ao observar a incoerência gritante de suas posturas, a tese parece fazer sentido. Vejamos o que escreveu Pondé nesta quarta: "Lula deixa embaixada em Tel Aviv vazia. Isso sinaliza uma crise diplomática grave. Parabéns aos judeus petistas pela sua estupidez. Mais atos antissemitas por parte do governo petista virão".
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Ter votado no Lula foi um ato de estupidez, especialmente por parte de judeus, alega Pondé. E ele está certo em minha visão. Mas, e aqui mora o problema, não na sua própria. Afinal, Pondé... votou em Lula! Ele chegou a escrever uma coluna na Folha com o seguinte título: "Entre Bolsonaro e Lula na disputa eleitoral de 2022, petista é o menos ruim".
Se Pondé tivesse vindo a público explicar que errou, apresentar os argumentos racionais de sua mudança, haveria, além de mais dignidade, uma chance de debate racional sobre o assunto. Mas não é o caso. Pondé escolheu Lula como "o menos pior", chegou a acreditar na possibilidade de pacificação do país com o petista, e agora solta, sem maiores explicações, a acusação de que só a estupidez explica alguém ter votado em Lula, especialmente um judeu.
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Isso soa como cinismo. Pondé quer voltar a bancar o antipetista contra os "inteligentinhos", fingindo que não debandou para o lado deles, que não se tornou um deles. Ou então é a única outra alternativa vigente: Pondé sofre de uma terrível síndrome psiquiátrica que, ao escutar o nome Jair Bolsonaro, anula completamente sua capacidade cognitiva a ponto de ele preferir se transformar num estúpido, segundo seus próprios critérios.
Em tempo: as redes sociais não perdoaram e a incoerência não passou despercebida. Talvez por isso os "inteligentinhos" queiram tanto a censura das redes sociais, pois se restar somente a velha imprensa, esse tipo de mudança abrupta passa batido para preservar os companheiros.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos