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A morte da Constituição. Ou: Quando a Carta Magna vira letra morta

Aproveitando ainda o vigésimo-quinto aniversário de nossa Constituição, segue mais um artigo relacionado ao assunto, dessa vez mostrando que mesmo nos Estados Unidos a Carta Magna vem sendo ignorada pelo governo. O alerta é bastante válido para nós, brasileiros, que nunca tivemos tanto respeito assim pelos limites constitucionais. Vejam:

A Morte da Constituição

A Constituição está morta. Eis a constatação que Thomas Woods e Kevin Gutzman fazem em Who Killed the Constitution?. No livro, os autores defendem a tese de que o óbito da Magna Carta americana se deu faz tempo, obra de décadas de ataques de todos os partidos, de esquerda e direita, com o apoio muitas vezes dos próprios juízes da Suprema Corte, que deveriam ser os guardiões da Lei maior.

A idéia de uma Constituição limitando os poderes do governo, de forma clara, com pesos e contrapesos estabelecidos, é uma idéia liberal e instigante. Os “pais fundadores” dos Estados Unidos, munidos com os ideais iluministas, defensores da liberdade individual, criaram a Constituição para amarrar as mãos dos governantes, restringindo seu poder.

Um governo de leis, conhecidas ex ante por todos, ao invés de um governo arbitrário e ilimitado de homens, sujeitos às paixões humanas: uma meta e tanto. A descentralização do poder, por meio de um casamento de estados independentes, e não uma fusão nacionalista que concentrasse muito poder na esfera federal, eis o plano dos fundadores da nação. Algo deu errado com o passar do tempo.

As boas intenções e o foco no curto prazo, aliados ao fato de que a tendência natural de quem está no poder é sempre desejar mais poder, fizeram com que cada governo americano fosse concentrando poder, a despeito das intenções presentes na Constituição. Presidentes foram passando por cima da lei, e juízes da Suprema Corte foram muitas vezes cúmplices neste atentado contra a Constituição. O livro estuda doze casos específicos que teriam marcado, ao decorrer dos anos, a gradual morte do ideal constitucional dos “pais fundadores”. Mas muitos outros casos existem.

Cada cidadão deveria ser livre para fazer tudo aquilo que não estivesse proibido na lei, e cada governante deveria fazer somente aquilo explícito na lei.* Uma elasticidade infinita nas interpretações, entretanto, foi cedendo cada vez mais arbitrariedade ao governo, e limitando concomitantemente as liberdades individuais.

Como era de se esperar, as guerras e crises foram os grandes aliados do governo central, sempre aproveitando este momento e expandindo seus tentáculos à revelia das leis. Espionagem, tortura, declaração de guerra sem aprovação do Congresso, confisco de ouro, censura, decretos-lei, inúmeros atos e medidas do governo federal que fariam os autores da Constituição ter calafrios, e tudo feito com o respaldo da Suprema Corte, ainda que claramente inconstitucional.

O grande benefício de um governo restrito pela Constituição está no longo prazo: a garantia da liberdade. Em determinados momentos, pode parecer que a coisa “certa” a se fazer é uma medida inconstitucional, mas abrir este precedente é muito perigoso, pois cria uma arbitrariedade sem volta. Muitos defendem atos de governo claramente inconstitucionais com base na crença de que ele é desejável no momento, mas ignoram que amanhã poderá ser outro governante, com idéias opostas, no poder. É justamente o tamanho do poder que deve ser limitado. Quem o exerce deveria ser uma preocupação secundária.

A esquerda americana, por exemplo, lutou ao longo de décadas para aumentar os poderes do Executivo, mesmo desrespeitando a Constituição. Depois tiveram que aturar um presidente Bush sem os devidos freios constitucionais, abusando de forma escancarada do poder, como fez no Patriot Act. Como criticar seu governo com base no argumento da Constituição sem parecer hipócrita ou oportunista? Este é um grande desafio para uma esquerda que nunca ligou muito para o que dizia a Constituição na hora de pregar mais e mais governo na esfera social. Dois pesos e duas medidas, justamente o contrário de uma República solidamente calcada numa Constituição.

O grande problema é, na prática, preservar o poder descentralizado, assim como os pesos e contrapesos, uma vez que o governo será seu próprio juiz. Se o governo federal tiver um monopólio na interpretação da Constituição, ele vai naturalmente ler cada caso com um viés a seu favor. Os juízes da Suprema Corte, apontados pelos presidentes, ainda que aprovados necessariamente pelo Congresso, tendem a ir adotando a visão mais favorável ao governo central com o tempo. Onde foi parar a visão de que a função dos juízes da Suprema Corte é garantir a Constituição?

Tudo isso é bastante assustador para os defensores da liberdade individual. O poder tem sido cada vez mais concentrado no Executivo, passando por cima do Congresso e da própria Constituição. A arbitrariedade cada vez maior é digna de governos monárquicos, não de repúblicas liberais. E se isso é a realidade lamentável dos Estados Unidos atualmente, o que dizer da precária situação brasileira?

* Os primeiros presidentes americanos, como Thomas Jefferson, James Madison, James Monroe e Andrew Jackson, demonstravam uma preocupação com a constitucionalidade de suas medidas impensável nos dias de hoje. Mesmo defendendo uma determinada medida, como a construção de estradas federais, por exemplo, eles sabiam que seu desejo não era suficiente, nem mesmo o fato de a Constituição não lhes negar este direito. Bastava o fato de que nada na Constituição permitisse tal direito, de forma declarada, para que tais presidentes recuassem em seus planos, compreendendo que aquilo que não está explicitado como função do governo federal na Carta, não é sua função, e depende da aprovação do Congresso ou de emenda constitucional.  

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