Não tinha dado os meus dois cents sobre o caso David Miranda ainda, pois como toda a grande imprensa caiu em cima da Scotland Yard e do governo britânico, à exceção de meu vizinho virtual Reinaldo Azevedo, preferi dar mais um tempo até ter uma ideia melhor da coisa. Só que agora não posso mais me calar.
David Miranda disse que o que sofreu foi “terrorismo”. Calma lá! Quando os termos perdem totalmente o sentido, a coisa está feia, e precisamos resgatar os conceitos. Foi necessário mantê-lo por nove horas, o limite estipulado pela lei (de um país democrático), no aeroporto? Provavelmente não, e tem toda pinta de retaliação, de provocação.
Mas vamos colocar os pingos nos “is”: o sujeito é marido de um jornalista que obteve informações sigilosas de importante órgão de segurança dos Estados Unidos, ou seja, tais documentos configuram um crime sob as leis americanas (outra democracia). Ele estava agindo como “mula” de Glenn Greenwald, seu parceiro há nove anos, pois confessou ter com ele material do marido a ser transportado a terceiros:
Eu nunca tinha viajado com esse tipo de material. A Laura é minha amiga, fui passar uma semana de férias com ela, em Berlim. Eu só estava fazendo um favor transportando o material.
Glenn acha ainda que nem vão conseguir acesso às informações, pois há muita criptografia! Inocentes, não? Então fica assim: um jornalista obtém informações altamente sigilosas de uma agência americana importante, divulga tais informações ao mundo, manda seu marido levar parte do material para terceiros, e ele é retido pela polícia britânica que aciona automaticamente o governo americano, tudo dentro da lei aprovada democraticamente por seus governos.
Caso para tanta celeuma? Talvez sim, talvez não. Excessos de governo nunca me agradam. Tampouco considero heróis da liberdade gente que ataca só o governo americano, e depois ainda busca refúgio em governos bem menos amigáveis às próprias liberdades individuais. Mas chamar isso de “terrorismo”? Aí já é demais da conta!
Terrorismo é aquilo que homens-bomba praticam em nome de Alá, que mandou para os ares mais de 3 mil americanos em 11 de setembro de 2001. Terrorismo é lançar foguetes em Israel para atingir civis inocentes deliberadamente. Terrorismo é explodir boates, ônibus, centros comerciais, como fazem fanáticos muçulmanos.
O que o governo americano faz é tentar se defender do terrorismo! “Ah, mas há atitudes autoritárias incompatíveis com a liberdade!”. Talvez. Mas, como diria Luiz Felipe Pondé, vamos sair do jardim de infância? Há um claro trade-off aqui entre valores incomensuráveis: não é possível preservar todas as mesmas liberdades e, concomitantemente, combater o terrorismo. Alguém tem de ceder!
Enquanto liberal, quero lutar para preservar o máximo possível as liberdades individuais, de forma realista. Não é meu “lance” posar de purista em uma Torre de Marfim, em busca somente da sensação gostosa de ser o único defensor da Verdadeira Liberdade, virando uma metralhadora giratória contra todos aqueles que metem a mão na massa para defender nossas liberdades básicas de fato.
Na Guerra Fria, alguém acha que o governo americano ficou totalmente imune a abusos ou excessos? Piada de românticos. Os erros e excessos devem ser condenados? Sempre! É o que faz desse país um bastião das liberdades, ao contrário de seus inimigos, totalitários e opressores.
Mas não venham me dizer que o governo americano merecia mais críticas que seu inimigo, o império soviético, ou que qualquer medida mais rigorosa, que sacrificasse parcialmente alguma liberdade, deveria ser automaticamente condenada. Não se derrota comunistas, nazistas ou terroristas islâmicos com diplomacia em um chá das cinco!
Vencer a Guerra Fria era mais importante, e foi o que possibilitou a manutenção de nossas liberdades, ainda que nunca plenas. O mesmo vale para a Segunda Guerra antes, e Churchill não é um herói por jamais ter avançado além do que deveria em suas funções, e sim por ter sido fundamental para a derrota nazista.
Os resultados, no mundo real, importam. Em guerras, há valores em conflito. A segurança “paranóica” nos aeroportos incomoda, atrapalha, mas é melhor do que uma bomba passar escondida no sapato de um terrorista! Ou não?
Não se combate o terrorismo com belos discursos, com “amor”, com multiculturalismo, nada disso. Ele precisa ser combatido com ações concretas desses governos democráticos de países que são alvos dos fanáticos em sua jihad. E, muitas vezes, essas ações colocarão em dúvida até onde vai o limite da segurança versus liberdade. Fingir que o problema sequer existe não é coisa de gente séria. A liberdade dos “libertários”, no fundo, depende dessas medidas que condenam, em boa parte.
Portanto, não farei coro aos que usam esses acontecimentos para retratar os Estados Unidos e a Inglaterra como os verdadeiros vilões, como estados totalitários quase, como estados terroristas. Não! Alimentar antiamericanismo infantil não é comigo, muito pelo contrário. Fazer como Chomsky e Michael Moore, que se consideram “dissidentes” americanos sob uma ditadura, enquanto elogiam verdadeiras ditaduras, é algo detestável.
Quem quiser debater a sério sobre excessos desses governos livres, sobre os riscos de nossas liberdades vis-à-vis a necessidade de garantir nossa segurança, ótimo. O debate é bem-vindo e complicado. Mas quem quiser posar de vítima de um ato “terrorista” porque um governo democrático usou sua lei para segurar por nove horas e confiscar o material roubado e sigiloso de um jornalista, recomendo que vá fazer isso no Fórum Social Mundial. É local mais adequado para a típica boçalidade esquerdista.