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Schadenfreude e inveja: dependendo da dose, pode ser fatal
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O tema do meu artigo desta terça no GLOBO foi a inveja, ou, para ser mais preciso, o socialismo como a idealização da inveja. Considero tal sentimento de extrema importância para explicar os riscos às liberdades, pois caso não seja devidamente domado ou canalizado para reações construtivas, a sociedade corre perigo. Não é por acaso que já escrevi vários textos sobre o assunto.

A reportagem de capa da revista Mente & Cérebro deste mês é justamente sobre ela: a inveja. Quando o foco passa a ser apenas relativo, ou seja, não importa tanto se dei o melhor de mim, ou se melhorei em relação ao meu passado, pois só o que vale é como meus vizinhos se saíram em relação a mim, então a inveja poderá assumir o controle da situação. Diz a revista:

Se o mundo fosse simples, pouco importaria o que acontece com os outros quando a gente ganha ou perde. Mas não: se você perde dinheiro, fama ou recursos mas seus colegas perdem ainda mais, sua perda é relativizada, e você sente até um prazerzinho com a dor maior dos outros. É a Schadenfreude, palavra alemã que descreve o prazer com o sofrimento alheio quando este alivia o nosso. A Schadenfreude tem sua utilidade ao relativizar nossas perdas – assim como a estratégia de trazer um bode fedido (metafórico ou não) para a sala ajuda a colocar nossos problemas em perspectiva: o infortúnio alheio nos lembra que nossa sorte poderia ter sido pior. Desde que ela seja curtida em silêncio, a Schadenfreude até que não faz mal a ninguém.

O problema é que essa relativização também acontece no outro sentido e afeta nossa capacidade de curtir a própria sorte. Se você ganha, pouco deveria importar se os outros também ganharam ou não; o que você fez deu certo. No entanto, descobrir que alguém ganhou ainda mais do que você diminui seu prazer. É daí que nasce a inveja: da relativização do seu sucesso, mesmo quando ele deveria ser perfeitamente satisfatório. Seu prazer de conseguir comprar um carro bacana deixa de ser tão bom quando você descobre que o vizinho comprou um carro melhor ainda pelo mesmo valor. A inveja é a cobiça do sucesso alheio à custa do próprio desmerecimento.

[…]

Como a Schadenfreude, a inveja tem lá sua utilidade, ao lembrar que você poderia se sair ainda melhor. A pena é o custo da inveja, que estraga o que poderia ser um prazer perfeitamente bom. Mas existe saída: é possível usar estratégias cognitivas para sufocar a inveja, colocar-se no lugar dos outros e vivenciar com eles o sucesso ainda maior que o seu. Ainda bem que essa capacidade, a empatia, nosso cérebro também tem.

Três exemplos para ilustrar meu ponto sobre a inveja: em Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, a gaivota se destaca tanto, a ponto de ser banida do grupo dos invejosos, não por querer superar as demais, e sim por querer desafiar seus próprios limites naturais. Fora do bando, como uma renegada, encontra um seleto grupo de gaivotas que, em vez de invejar o sucesso alheio, incentiva-o. Há admiração e respeito mútuo pelo reconhecimento de que cada uma, ali, busca se superar, alcançar suas metas.

Outro caso: um comercial da Mitsubishi afirmando que a Pajero vencera 11 ralis seguidos pois não competia contra os outros, e sim contra o deserto. Se tivesse que se preocupar o tempo todo com o que cada concorrente estava fazendo, a Mitsubishi não teria capacidade de focar nos obstáculos naturais, postura fundamental para superá-los.

Do outro lado temos aquela velha piada dos dois garotos na floresta que avistam um leão, e um deles começa a calçar o tênis correndo. O outro, espantado, pergunta: “E você acha que consegue correr mais rápido do que um leão?” No que o primeiro responde: “Não preciso, basta correr mais rápido do que você”. A imagem de mercado como competição voraz entre a vida e a morte, sobrevivência darwinista.

Não nego que exista um pouco disso, mas meu ponto é que não é e não pode ser somente isso. Precisamos competir com os outros, levar em conta os demais, e essa comparação pode alimentar a inveja, especialmente em ambiente de livre mercado com mais mobilidade social, pois se o sucesso tem mérito próprio, o fracasso também tem responsabilidade do fracassado.

Mas há muito mais que isso na vida. Há cooperação, empatia, trocas mutuamente benéficas, desejo de superação individual, ou seja, em relação a seus próprios limites, e não contra os outros. Isso tudo também é parte do livre mercado, da vida humana, e costuma ser ignorado.

Diante de alguém superior a mim em determinadas características, posso alimentar a inveja, sentimento corrosivo que acabará me prejudicando, ou posso olhar com admiração justamente por sua superioridade. Que mal há nisso? Alguma dose de inveja pode ser saudável para despertar o desejo de avançar, melhorar. Mas dependendo da dose, ela pode ser fatal.

Rodrigo Constantino

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